GENTIL explora texturas do trip hop em “Livre de Culpa”

 GENTIL explora texturas do trip hop em “Livre de Culpa”

GENTIL no Palácio das Artes. – Foto Por: Flávio Charchar

Permitir-se encontrar seu próprio caminho sem pegar atalhos é um desafio por si só. Fazer música Pop esperando tal reação pode ser cômodo. Experimentar ou jogar com uma margem de segurança? Tentar ler seu público ou deixar-se levar pelo que gostaria de fazer? Surpreender a si mesmo ou colocar o pé no freio? Esses pensamentos constantemente passam pela cabeça de um músico independente e com Gentil não foi diferente.

A arte por si só é complexa. Colocar fórmulas e esperar com que no dia-a-dia a reação seja a mesma pode muitas vezes para seu criador se tornar uma rotina um pouco indigesta. Imagine como deve ser chato por exemplo para um artista de sucesso toda noite voltar a repetir aqueles versos que 30 anos atrás eram novos e tinham um contexto em sua vida mas que hoje em dia não fazem mais sentido.

Claro que pode até existir um comodismo mas provavelmente se você perguntar para a maioria qual o seu melhor projeto eles dirão que o atual ou o que está por vir. Natural pois estamos sempre em constante evolução. Criatividade é isso. Ver o tempo passar e como poderíamos ter feito. O que poderia ter saído diferente. E talvez por isso em show vemos versões completamente diferentes dos discos; e as vezes até melhores.

Livre De Culpa

Mas no caso do Gentil a conversa vai para um papo ainda mais filosófico. Vai pelo desapego das garras do mercado, do que é pop, do que agradará multidões ou que previamente já foi feito. Esse já foi feito que no independente cada vez parece mais descartável.

Realmente estamos passando por um momento incrível de artistas que tem aberto mão de realizar discos previsíveis.

São muitos os casos como por exemplo do Negro Leo, Saskia, Ana Frango Elétrico, Maria Beraldo, Edgar, Thiago Nassif, Vovô Bebê, Ava RochaTantão e Os Fita e tantos outros que optam por arriscar e acabam surpreendendo a quem os escuta; por mais experimentais que soem a primeira vista.

GENTIL é o novo projeto de Gentil Nascimento, atualmente baterista do Kill Moves, produtor e compositor do Julie & Gent e também ex-baterista do Young Lights. Além desses projetos ele ainda pôde tocar em bandas de punk rock e rock alternativo, e consequentemente, excursionado pelo país entre shows e festivais do circuito independente.

Neste projeto, GENTIL, se livra de culpa e busca por diferentes sonoridades e propostas musicais. O processo começou em 2019 quando iniciou uma nova busca sobre timbres e motivações criativas, que culminaram em algo diferente e novo se comparado em todos os seus últimos anos de trabalho


GENTIL foto por Flávio Charchar
GENTIL no Palácio das Artes. – Foto Por: Flávio Charchar

GENTIL “Livre De Culpa”

Nesse processo ele busca pela autenticidade e se expressar em português. A busca por sintetizadores, referências de trip hop e uma linguagem de fácil assimilação acabam colidindo em seu single de estreia.

“Livre de Culpa” sintetiza todo esse sentimento de se desprender de tudo que antes parecia óbvio e deixa o acaso intervir como parte do conceito do projeto que de certa forma dialoga com novos nomes do cenário alternativo.

Ao ouvir o som me lembrou até mesmo um pouco o projeto 2BUNK, parceria entre João Capdeville e o produtor e multi instrumentista Patrick Laplan, muito pela liberdade e linguagem pop, com direito a experimentações e texturas.

A Produção

O single ainda conta com ótima parceria com Ana Assis (Loquàz) e Felipe D’angelo (Moons) nos teclados mostrando que colaborações farão parte do projeto. Ele mesmo assina a produção, já a gravação e mixagem ficaram por conta de por Lício Daf; e a masterização foi feita por Anderson Guerra (Bunker Analog).

O tom íntimo da canção mostra sobre o processo de descoberta e eterna reconstrução que passamos ao longo da vida. A arte em constante transformação e mutação. Ousar se arriscar como parte do exercício do que é viver e produzir arte.

Sua mixagem e beats despertam sensações de desconforto ao mesmo tempo que nos passam a sensação de movimento. Muitos têm buscado a experiência 8D para traduzir esses sentimentos.

O violão se cruza com os teclados para criar camadas e nos leva para uma zona entre o conforto e o desconforto. É exatamente o choque dessa dicotomia que a faz pop. Permitindo por sua vez uma conexão com um público que talvez não iria atrás de um som com guitarras estridentes; como é o caso dos projetos anteriores do Gentil



Entrevista: GENTIL

Conversamos com o Gentil Nascimento para saber mais detalhes sobres este novo projeto diferente de tudo que tenha produzido até então.

Como foi a imersão no universo do trip hop e a busca por outras referências que ainda não havia explorado anteriormente para compor o projeto? Aliás, a liberdade criativa é o conceito central desse projeto, conte mais sobre isso.

Gentil: “Passei quase toda minha vida participando ativamente das composições dos projetos musicais que já tive. Apesar de baterista de formação, toquei guitarra em bandas punk e liderei projetos como o Julie & Gent.

Ao longo da vida, percebi como é muito fácil entrar um lopping de composições focadas na reação das pessoas. Eu digo, muitas vezes pensamos muito mais na reação do público do que necessariamente se aquilo fez sentido ou te tocou no momento em que foi criado.

A liberdade criativa neste projeto é exatamente uma autocrítica e manifesto pessoal à estas armadilhas que nos deixamos cair.

A Liberdade

Em 2019 percebi que era necessário abrir um pouco a cabeça e ouvir mais o meu coração. Foi então que comecei a trabalhar de forma completamente livre, isto é, na tentativa e erro. Quando me falavam “isso não me soa como algo que você faria”, eu decidia que seria exatamente o motivo para deixar como está. Quando eu falo em liberdade criativa, eu falo em colocar nossos sentimentos em primeiro plano sempre, e acreditar que o reconhecimento vem pela verdade.

Parece bobagem, mas é muito difícil colocar isso na cabeça depois de décadas participando de discos os quais você já espera o que o público quer ouvir. Vale lembrar, que no ano 2019, principalmente depois de ir ao Bananada (acompanhando o VALV) e participar como músico (Young Lights) das noites da SIM São Paulo, vi o quanto a autenticidade está em voga. As pessoas buscam algum tipo de representatividade e repetir as mesmas fórmulas musicais pra mim é algo que ficou para trás.

A imersão no Trip Hop se deu naturalmente. Sempre tive afinidade pelo estilo, pelos beats e linhas provocativamente simples. Mergulhei em bandas como Massive Attack, Portishead e Sneaker Pimps. Bandas que abusam de baixos graves e não deixam guitarras distorcidas de lado. Ví ali um caminho para agradar meu coração e misturar com minhas referências atuais. Achei um caminho verdadeiro para seguir.”

Como vê que a temática do single se relaciona com o momento que estamos vivendo? (Não apenas em relação ao momento de reclusão, ou das lutas sociais, mas como um todo dentro do conceito de liberdade e emancipação.) Conte também sobre a relação com capa escolhida.

Gentil: “Acredito que o momento atual é importante pois têm nos dado uma oportunidade de se libertar internamente. Quando eu digo isso, digo pois também vejo a reclusão e lutas sociais, como questões coletivas.

Mas eu pergunto: E você? O que tem feito para mudar o próprio mundo e se libertar das amarras que colocaram em você? Existem amarras qualquer cena ou grupo social. “Se deixar escorrer livre de culpa” é saber conviver com o sangue escorrido, e porque não, enxergar as coisas sob uma nova ótica.

A Reclusão e a Quarentena

Sobre a reclusão, esses dias escrevi um texto sobre a quarentena e concluí como o tempo (que agora está abundância), é ferramenta para transformarmos nosso próprio mundo. Ironicamente, pessoalmente, a perda de tempo é achar que a quarentena é perda de tempo.

A Capa do Single

A fotografia do single foi tirada no rio Tapajós, em Alter do Chão (Pará). A foto foi feita pelo amigo Luciano Viana (Música Quente) em um momento de distração meu. Ali, eu apreciava a natureza e o universo que a Amazônia nos convida. A foto é sincera. Quando o recebi esta foto do Luciano, vi a verdade nela contida e tomei a decisão.

Quando contei pro Iuri Lis (@iurilis) do conceito deste trabalho (e tudo que lhe disse acima), ele me apresentou esta ideia de transformar o rio em um túnel, como um caminho misterioso. Esta ideia representava perfeitamente tudo que eu sentia e pensava.

Não tive dúvidas que apresentaria GENTIL com este trabalho. Sonhei com esta capa estampada em um vinil. Recomendo muito que conheçam o trabalho do Iuri (@iurilis). Há muito não conheço alguém tão criativo. O trabalho dele oxigenou e impulsionou minhas ideias.”


GENTIL_EP - Créditos- Foto - Luciano Viana e Arte Iuri Lis
Foto: Luciano Viana – Arte: Iuri Lis

O universo sci-fi, sintetizadores e colaborações já aparecem neste primeiro momento. Será a tônica do projeto recorrer a parcerias? Como tem funcionado essa dinâmica e como observa as possibilidades?

Gentil: “Acredito que as parcerias devem acontecer se estiverem alinhadas com esta ideia de explorar algo novo. Quando conheci o Loquàz, banda da Ana Assis, me apaixonei pela autenticidade e com a forma que ela se relaciona com a música. Vi ali uma ligação muito grande com o que eu queria fazer.

Já o Felipe D’Angelo, é tecladista no MOONS. Sou apaixonado pela forma que ele coloca as notas entre pequenos espaços. Eu havia produzido os teclados da música, mas entendi que seria coerente com minha ideia se ele conduzisse isso.

Recorrer a parcerias serão sempre uma possibilidade quando eu enxergar que me ajudará a desconstruir algo. Acredito em parcerias que elevem o trabalho para chegar onde não chegaria sozinho e, eles foram fundamentais para isso. Estarei sempre aberto para isso, pois, caso contrário, é inevitável cair novamente em uma mesma lógica de criação.”


GENTIL - Foto Por João Pesce
GENTILFoto Por: João Pesce

Podemos esperar mais experimentação nos próximos singles?

Gentil: “Sem dúvidas! O meu próximo single, que será lançado semanas após “Livre de Culpa”, começa em um tom mais folk. Entretanto já em alguns segundos se mistura com sintetizadores e com um abuso proposital de “autotune” nas vozes.

Eu acho fantástico assistir as pessoas ouvindo pois inicialmente há um semblante de confusão. No terceiro single, faço boa parte da música acústica e depois entro com duas baterias, tocando juntas, em estéreo e trocando de lado (esquerda pro direito e vice versa). Acho que será bem divertido ir apresentando isso aos poucos. Sempre respeitando o que senti na hora da composição. Experimentar é sair da zona de conforto e eu tenho amado isso. Sempre livre de culpa.”

Ouça no Spotify


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