trema¨ cria “No-Wave para TikTok” no pandêmico “BR-Lockdown”
BR-Lockdown, álbum de estreia do projeto trema¨, conta com diversas participações especiais
O guitarrista, compositor e produtor, Lucas Lippaus que já integrou os projetos Herod, Dolphins on Drugs e Fluhe durante o período da pandemia se aventurou em um projeto, digamos assim, anárquico desde o primeiro instante da sua concepção. Durante 2021, ele se viu voltando a viver em sua cidade natal, Indaiatuba (SP), após anos vivendo na capital paulista, ao lado da esposa e da filha.
A essência do projeto trema¨ é também uma busca por explorar tendências presentes nas redes sociais que nos últimos 2 anos viu o TikTok virar uma plataforma imprescindível para músicos e produtores de conteúdo. Com referências e vivências do indie, tanto atuando ao lado das bandas, como no selo Sinewave, assim como experiências no Music Business, Lucas se propõe a fazer a combinação um tanto quanto diferente de condensar músicas com referências de No-Wave, noise, experimental em canções um minuto – ou pouco mais. Tendo como principais influências nomes como Sonic Youth, Big Black e Einstürzende Neubauten, assim como nomes do hardcore como Slint, Shellac e Fugazi.
“Diria que a ideia do BR-Lockdown surgiu devido a vários acontecimentos pessoais. Em 2021 me mudei para Indaiatuba (SP) com minha esposa e filha, Paula e Marina, o que causou um choque cultural para nós, principalmente pela cidade ter um perfil bolsonarista e negligenciar a pandemia em si.
Por estar isolado no interior, comecei a sentir necessidade de produzir música. Comprei uma interface, instalei o GarageBand num Mac antigo da Paula e comecei a produzir. Todos os recursos saíram disso, até mesmo foi utilizado uma IA baterista do software para a composição das linhas de bateria, o tal ‘Max’”, reflete Lippaus sobre a concepção do debut do trema¨
A produção ainda conta com onze videoclipes, um para cada faixa, todos eles produções da Bad Chinchilla, assinados por Fábio Salvador e Paulo Valentim.
“A criação da história visual de cada vídeo tinha como inspiração a própria música, que tanto a parte instrumental quanto a vocal continham sentimentos em relação a pandemia. O processo de ilustrar essas músicas e unir os nossos próprios sentimentos em relação a esses dois anos de COVID-19 – até o momento – foi encarado como um desafio criativo e ao mesmo tempo um desabafo. Vale dizer que os vídeos tiveram a limitação de serem feitos a partir de bancos de imagem para respeitar o distanciamento social”, explica Fábio sobre os vídeos para o trema¨
As Participações especiais de BR-Lockdown
Apesar da característica D.I.Y. e tendo composto o disco em apenas 3 dias, ele contou com uma vasta gama de convidados que tiveram total liberdade em contribuir para o processo de criação dos vocais do projeto. Entre eles integrantes das bandas Supercordas, In Venus, Bratislava, Der Baum, Giallos, Twinpine(s), Deafkids, La Burca, The Readymades, Kid Foguete, Cristo Bomba e Crime Caqui.
“Para cada música eu tinha em mente um estilo de vocal, já pensando também em quem poderia fazer algo interessante para as mesmas. Todos os convidados compraram o a ideia do projeto, entregando letras e linhas de vocais, ao meu ver, incríveis. São músicos e musicistas muito talentosos, mas que vêm sofrendo consequências trazidas pela pandemia. Acredito que exista um desabafo da parte deles também. Por tudo isso, creio que o BR-Lockdown seja tanto deles quanto meu. As músicas não seriam o que são se não fosse pelo trabalho dos convidados”, comenta Lippaus.
Liu sobre a participação em BR-Lockdown
Conversamos também com a Liu Anno (Kid Foguete, The Readymades, Na Fila de Banheiro) para saber mais sobre a perspectiva dos convidados para o disco. Ela nos contou um pouco mais sobre o convite, o processo e as vivências compartilhadas.
“Eu e o Lucas ficamos mais próximos por conta da Fluhe e funcionava muito bem. A gente compunha juntos e inclusive uma das letras de música que eu mais gostei de ter feito saiu de um riff que ele trouxe. Compartilhamos muitos momentos massa e ele é super super parceiro.
No lockdown, a gente começou a mandar uns sons um pro outro, coisas que cada um tava inventando. Quando eu voltei do Amazonas isso se intensificou, foi quando surgiu também o podcast (Na Fila de Banheiro). Lá eu tava fazendo umas experimentações audiovisuais e tava super inspirada. Quando ele me mandou a base de “Pouco a pouco”, eu tava – como todo mundo – de saco cheio da quarentena. Eu coloquei pra ouvir e na hora saiu uma letrinha chorosa. Gravei no celular mesmo, joguei no GarageBand e mandei pra ele (risos). Não teve bem um convite, teve uma troca, sabe?
O Lippaus colocou a gente pra tocar na rádio. Nada do que eu fiz saiu em rádio. Com a Readymades a gente tocou no SP na Rua, no MIS, passou na PlayTV em comercial com o BNegão (risos). Com o Kid a gente ficou na final pra tocar no Rock’n’Rio. A Fluhe viajou bastante, rolou Bananada… mas rádio nunca tinha rolado. Foi assim que a minha família entendeu como era importante pra mim, esse é o jeito dos véio consumir e entender música né?
Ele me incentiva muito a continuar fazendo meu som e a trampar com música, é um dos que mais faz isso e que eu vejo que acredita em mim de verdade. E se não fosse a distância, muito provavelmente a gente tava com uma banda e shows marcados. Mas vamo esperar baby Marina crescer um tico pra pensar nisso.”
Entrevista: Lucas Lippaus (trema¨)
Você precisou de apenas 3 dias para equacionar, produzir e fechar o conceito do que viria a ser o BR-Lockdown. Isso não te assustou um pouco? Pergunto porque muitas vezes o preciosismo coloca muitos projetos na gaveta por meses, como enxerga que foi condensar tantas influências tortas num só projeto?
Lucas (trema¨): “Pra ser sincero, só de pensar em preciosismo já me dá vontade de cair fora! (risos).
Já tive muitas experiências ruins com coisas do tipo. Para você ter ideia, já toquei em uma banda onde ela ficou produzindo um disco por mais de 10 anos e ele sequer foi lançado. Pelo menos serviu de experiência pra vida (risos).
Mas sobre o BR-Lockdown, pra mim foi tudo muito natural. Desde o processo de composição já tinha em mente a estética que desejava, com as referências e tudo mais, tornando a produção muito rápida. Eu nem pensava muito se o riff soava parecido com alguma banda, mas sim o “mood” que ele passa.
Mas fui bem direto no processo. Gravava e ouvia a gravação. Se eu não visse problema, já partia pra próxima. Claro que sempre rolava depois um pensamento como “puxa, poderia ter feito melhor em tal lugar”, mas no fim não achava que valeria a pena se esgoelar para arrumar um detalhe que só eu iria perceber (risos).”
O projeto também tem muitos recursos de programação, você acabou aprendendo muito mais sobre durante esse período “preso” em casa? Como observa essa tendência de pesquisa que motivou muitos jovens a cada vez mais explorarem e descobrirem novas formas de produzir arte? Se tivesse 20 anos hoje em dia, qual instrumento se aventuraria a aprender a tocar primeiro?
Lucas (trema¨): “Com certeza! O GarageBand foi perfeito pra mim, até por eu ser adepto a fazer as coisas com aquilo que tenho na mão. Se eu ficasse esperando os “recursos perfeitos” como gravar em estúdio X entre outros, certamente nem começaria a fazer o disco.
Nesse processo descobri que o GarageBand é um ótimo software para produzir, pois é extremamente didático e fácil de aprender. Por exemplo, você não precisa saber programar uma bateria nele, ele possui bateristas I.A. que podem fazer uma levada para ti.
Foi nessas que conheci o meu baterista I.A. favorito “Max” (risos). Sem falar que nele tem bons simuladores de amplificadores e pedais a ponto de só usar os recursos do software. Por não ter um baixo disponível em casa, acabei simulando um, usando o próprio software. Gravei a linha na guitarra, depois usei um efeito oitavador mudando as notas do instrumento para mais graves e um amplificador de baixo. Depois dessas gambiarras, pronto! Tinha agora um “baixo” (por isso que sempre me refiro ao instrumento entre aspas).
Essa tendência é maravilhosa! Arte tem mais é que ser produzida e em todos os meios possíveis. É incrível ver estéticas, propostas novas surgindo de acordo com o avanço e acessibilidade da tecnologia.
Eu gosto muito de guitarra, acho um ótimo instrumento que dá para encaixar em bastante coisa. Acho que se eu fosse jovem hoje, talvez tentaria tocar algo pras teclas como piano/teclado. Acho que são instrumentos que não só ajudam muito com a manipulação de midis, como também conseguem uma noção mais geral de preenchimento musical.”
Como vê que o lado cinza desses tempos somado com as mudanças radicais do período em sua vida acabaram contribuindo para deixar o resultado ainda mais vivo?
Lucas (trema¨): “Vejo tudo como uma consequência.
Desde o início da pandemia tenho usado mais redes sociais, justamente pra saber como andam os amigos e familiares. Vendo que muitos artistas chegavam aos ouvidos de uma galera via TikTok e Instagram como Marina Sena e FBC, comecei a pensar “Por que não fazer música pensando no formato de post das mesmas?
O usuário nem precisaria abrir uma plataforma de streaming para consumir minha música, ele já poderia ouvi-la diretamente completo na própria rede social”. Se esses meios são os principais hoje, porque não fazer música pensando no formato de mídia imposto pelas mesmas? Comecei então a estipular a fazer músicas de um minuto para caber num post, também decidi envolver vídeos para conseguir chamar a atenção do usuário da rede social. Nas participações dos vocalistas, entendi que não só iriam acrescentar na música em si, mas como também no engajamento e compartilhamento dentro das próprias redes sociais.
Escolhi pela estética mais experimental no-wave de “moods” mais sombrios, perturbadores e agressivos por não só ser algo que gosto muito, mas também por ela conseguir canalizar melhor um sentimento que tinha no momento. Não digo que fui a maior vítima da pandemia, mas eu senti muito com isso.
Em 2020, pra mim e Paula (minha esposa), foi um ano desesperador, pois ela havia perdido todos os trabalhos e logo depois descobrimos que teríamos uma filha, a Marina. Lembro que tive muitas crises de choro diante de toda a situação, me vendo em uma situação em que estávamos sem dinheiro, com uma filha chegando e em um momento de pandemia com o pior governo possível.
No fim acabamos vindo para Indaiatuba (SP) no começo de 2021, onde rolou um choque cultural forte conosco. A cidade simplesmente ignorava que existia o vírus, cheguei a bater boca com o síndico do prédio que moramos pra ele falar para os outros moradores usarem máscara nas áreas comuns (o que não deu em nada). Como se não bastasse, depois de um tempo que nos mudamos tive a notícia que um tio que eu gostava faleceu de COVID-19. Ao recebê-la, fui dominado por sentimento de raiva e tristeza, por ter perdido um parente e por toda uma galera tacando o foda-se (perdão o palavrão).
No fim eu vejo que o BR-Lockdown foi um desabafo, uma forma de tocar com pessoas e até mesmo sendo esnobe, de propor uma nova forma de consumir música. No que poderíamos chamar de “No Wave TikToker” (risos).”
Apesar de toda característica anárquica e D.I.Y. e até mesmo cercada por um niilismo, trema¨ acabou ganhando contornos da coletividade com tantas participações especiais de nomes do alternativo do sudeste. Como foi chegar na seleção e como foi a reação de cada um ao receber o convite? Teve alguma que você já imaginou certa pessoa e rolou ou outra que você mostrou e falaram “quero essa”?
Lucas (trema¨): “Foi uma coisa muito de “feeling”.
Quando eu tinha o instrumental pronto, começava a imaginar quem poderia fazer um vocal legal. Logo eu falava com o/a vocalista, explicava o projeto e fazia o convite. A pessoa topando, eu enviava a gravação e dizia “Você tem carta branca total! Faça o que quiser que eu vou botar no disco”.
O/A vocalista podia gravar onde, como, quantas linhas vocais que quisesse. Dei total liberdade pra eles pois sabia que todos são extremamente talentosos e iriam fazer algo legal, também para entenderem que a música não é só minha, mas deles também. Fiz até questão de reforçar isso, registrando as obras musicais, mostrando que a autoria é de ambas partes.
No geral todo mundo adorou a ideia, ficou super feliz pelo convite. Entendo que assim como eu, eles também sentem a necessidade de desabafar. Até porque muitos sofreram consequências da pandemia, seja de perda de trabalho, ter de se mudar, ou até mesmo ter perdido familiares. Não foram todos os convidados que conseguiram participar por questão de agenda, mas fica pra uma próxima. :-)”
Aliás, as participações também mostram uma timeline de mais de uma geração de artistas do cenário. Como é para você enxergar as mudanças ao longo do tempo e as transformações do rolê?
Lucas (trema¨): “É bem curioso na verdade. Vivi um movimento de bandas surgidas na internet e mais tarde, seu processo de “profissionalização”.
Comecei nesse rolê de bandas quando tinha 17 anos, lá pra 2007, período que surgiu plataformas como Trama Virtual ou Myspace. Como morava em Indaiatuba (SP_, amava essas plataformas. Não só por conseguir botar minha música pra ser ouvida ou baixada na internet, como também poder conhecer bandas de outros lugares, conseguindo assim agilizar shows em outras cidades. Não é à toa que nesse período surgiu a Sinewave, que foi o primeiro selo virtual do Brasil (sem exageros).
O Elson Barbosa e o Luiz Freitas na época perceberam que nessas plataformas existiam muitas bandas brasileiras em comum, porém faltava algo que estabelecesse um nicho, que seria o papel do selo virtual. Foi um período que surgiu também muitos portais de música e blogs, todo mundo de repente poderia falar sobre música, o que era maravilhoso.
Porém, no final dos anos 2000 até meados de 2014 era impensável se tornar algo rentável, pois o foco era ser divertido e tudo mais. Na verdade lembro que era até mal visto como coisa de “coxinha” querer se profissionalizar. Pagar por serviços como assessoria de imprensa, booker, mídias sociais, ter bons merchans, entre outras era desnecessário para época.
Muitas bandas nos anos 10 perceberam que para se tornar rentáveis, entrar em circuitos de festivais, casas de shows e serem ouvidas de fato precisavam se profissionalizar. Logo, pagar por serviços tornou-se algo essencial. Também foi um período em que muitos selos naturalmente deixaram de existir. Seja por muitos dizerem que estava virando um hobby cansativo, ou em muitos casos, muitas bandas não viam mais sentido de estar com os mesmos. Afinal, porque ela precisaria de um selo que oferece um mínimo que ela muito bem pode providenciar sozinha? Hoje o papel do selo é bem amplo e híbrido, algumas atuam como produtoras de shows, coletivos, prensadora de vinis, entre outros.
É incrível presenciar tudo isso. Quando a galera vai se profissionalizando, a tendência é que tudo funcione muito melhor.”
Você também trabalha dentro do chamado “music business”. Como observa que a falta de conhecimento dos mecanismos de profissionalização do artista independente atrapalham na longevidade dos projetos? E como vê que esse período de aceleramento transição do ao vivo para o digital, de 2020 para cá, que já deveria ter acontecido antes, acabou transformando a perspectiva de começar ou continuar projetos?
Lucas (trema¨): “Atrapalha por você simplesmente não conseguir fazer muita coisa com a banda.
Hoje em dia, se uma banda quer progredir, ela é obrigada a se “profissionalizar”. Claro, ninguém é obrigado a saber tudo, mas precisa estar aberto e procurar entender o que é cada coisa e como funciona. Não digo apenas de contratar uma galera para terceirizar funções, mas também de postura, documentação, entregar o que é requerido dentro do prazo, entre outras coisas.
Lembro que por conta dessas coisas, passei muito sufoco quando trabalhava em uma empresa de Music Branding. Não conseguia fechar contratos com artistas por eles simplesmente não me entregarem um contrato assinado, sendo que eles já estavam cientes como funcionavam a empresa, o quão eles poderiam ganhar com ela e até mesmo topado. Na editora musical que trabalho hoje não é diferente, chega a ser cansativo, isso porque muitas vezes comunico a banda que ela possuía receitas de direitos autorais para receber. No fim , todo mundo perdia por puro desleixo.
Na verdade eu vejo que a galera deu uma desencanada de lives, principalmente agora com essa sensação de falso fim da pandemia, onde geral tá indo pra tudo que é evento. Mas acredito que muita gente, seja público ou artista, tenha entendido que existe esse recurso e ele pode ser muito bem usufruído. Vamos ver o que está pra rolar. :-D”