FBC e VHOOR revisitam o espírito dos bailes funks dos anos 90 em “Baile”
Quando anunciada a parceria entre FBC e VHOOR a expectativa era alta. Afinal de contas FBC conquistou o posto de ser uma das maiores referências do prolífero e inventivo Rap Mineiro tendo na conta 16 anos de estrada e dois discos aclamados (S.C.A. – 2018 e PADRIM – 2019); já o beatmaker VHOOR acumula na bagagem parcerias com artistas como Esculpido a Machado e 40o.40, dos cariocas LEALL, SD9, de tracks do disco do Hot e Oreia, Crianças Selvagens (2020) – além de ser versátil em trazer referências de grime e do drill, do funk e da percussão afro-latina para seus beats.
A mistura deu liga e faz do disco um dos mais interessantes do ano justamente por captar um espírito nostálgico que parece ser o zeitgeist do momento após dois anos marcados por muito medo e desconfiança.
“É um álbum que eu fiz da forma mais divertida e despretensiosa possível. Eu quis fazer uma parada que lembrasse mesmo os bailes que eu colava quando era mais novo. Eu fiz para a galera dançar e tocar na balada! Eu acho que a dança também cumpre esse papel social de unir a galera da periferia, da favela”, comenta FBC.
É justamente do espírito dos bailes funks marginalizados nos anos 90 e que caíram no gosto popular na década de 2000 que o disco flutua trazendo referências que passeia pelo miami bass, gangsta rap e uma era onde o BPM era mais desacelerado mas que as letras com seus refrões chiclete e beats pulsantes envolviam do jovem da comunidade ao playboy. Claro que a denúncia social e o respeito pelas mulheres no baile acabam de certa forma atualizando toda nostalgia para nossos dias de uma forma bastante educativa mas sem perder o espírito de malandragem e azaração.
FBC e VHOOR Baile
Para guiar o ouvinte FBC e VHOOR trazem junto do disco um storytelling que facilita a audição.
“BAILE” se desenvolve com o relato da história do personagem Pagode: pai de família, morador da favela, trabalhador, que frequenta o baile da UFFÉ. A história começa quando, na saída do baile, Pagode é surpreendido pela polícia, que o prende acreditando que uma arma encontrada por perto pertence a ele quando, na verdade, foi escondida por Paulinho, que dissimula, assiste a cena e nada faz.
Ainda na narrativa do projeto, já com Pagode livre, meses depois ele retorna ao baile e encontra um antigo amor platônico, Jéssica. Os dois conversam, riem e dançam todas as vezes que se encontram, até a noite em que Pagode encontra a encontra fazendo passinho com outra pessoa. Paulinho, o “falador”, vive de pequenos golpes e receptação de cargas, até o fatídico dia em que atrai para a favela a operação policial que mata a filha de Jéssica.
A trágica história revive a atmosfera dos anos 90 onde raps e melôs evidenciavam o cotidiano dos moradores dos subúrbios, abordando temas como a violência e a criminalização de seus jovens, a mistura entre a realidade estadounidense do Miami Bass e a brasileira acaba dando origem ao que conhecemos popularmente como funk carioca.
“Esse é o meu primeiro álbum com o FBC, eu sou um beatmaker de Belo Horizonte. Ele já tem um trabalho muito sólido lá e a gente se encontrou nessa convivência de estúdio para fazer o último EP, “Outro Rolê”, que também fizemos em conjunto.
“BAILE” é uma homenagem à cena de Miami Bass do Brasil, que é uma cena de funk e hip hop dos anos 90 e 80 que nos inspiramos muito. Em Belo Horizonte e em muitos estados do Brasil, ainda é muito forte essa cena, uma cena de dança, uma cena da cultura negra, que tem muita gente ainda que se espelha, que pratica e que passa para frente. Nós, como artistas brasileiros, nos inspiramos nisso para resgatar e também dar mais um capítulo nessa história do Miami bass no Brasil”, conta VHOOR.
O Baile está tomado!
O disco conta com 10 faixas e apenas 27 minutos o que faz com que ele passe rápido e uma faixa emende na outra para contar a história de Pagode. “Vem Pro Baile” já traz em seus versos o medo pela repressão policial, a realidade do tráfico e o alívio que o baile tem como papel de construção social e lazer. Os beats em baixa frequência nos levam diretamente para o Miami Bass e a realidade social dá o tom.
“Quando o DJ Toca”, parceria com UANA, faz referência ao clássico “Som de Preto” do DJ Marlboro ao citar “quando toca ninguém fica parado”. A canção que tem o espírito de love song que nomes como Claudinho e Buchecha levaram para todo Brasil flutua em uma energia positiva para falar sobre flerte e azaração. “Rap da UFFÉ” vem com um beat mais eletrônico para falar sobre os conflitos e impasses do dia-a-dia de uma comunidade.
“Melô do Vacilão” resgata o espírito dos melôs para denunciar os também conhecidos como “X9” e as rixas que estimulam conflitos que muitas vezes podem terminar nada bem. O espírito do encontro Run DMC e Deize Tigrona aparece forte em “Se Tá Solteira”, uma das mais selvagens do disco.
O lado “Gangsta Rap” ressurge em “Eu Sou o Crime” e resgata em suas letras o espírito do gênero que se consolidou no momento e teve conflitos históricos que levaram grandes nomes do rap como Tupac a perderem a vida. “Delírios” faixa lançada antes do disco como single conta com o feat com Djair Voz Cristalina. Outra faixa para emendar o romance entre Pagode e Jéssica, entre o flerte e os delírios.
O fim da Odisseia de Pagode e o Rolezinho de Kenner
“Não Dá Pra Explicar” é mais uma que conta com feat, desta vez com Mariana Cavanellas (Lamparina e a Primavera, Rosa Neon) trata sobre desilusão de um coração partido mas sem perder o respeito. A canção traz até versos que filosofam com frases como “Não não era amor, eram suas projeções em mim”, na qual Jéssica descarta e desilude de vez Pagode. Talvez homenageando “Cilada” do Molejo? é uma das possibilidades.
A reta final e o destino selado se materializam em “Polícia Covarde” onde parece que é o fim da linha para a filha de Jéssica – mais uma vítima da violência policial, uma constante nas favelas brasileiras. Mas quem fecha com chave de ouro o disco é com certeza um dos hits do ano, “De Kenner”.
Já dá para ver os passinhos e a música ecoar de boca em boca cantando os versos “os cria da VIP tão de Kenner, 9 em 10 no baile tão de camisa do Messi Cyclone, bigodin finin, corrente e juliette da mesa cor pra combinar com o Kenner“. É simplesmente impossível ouvir apenas uma vez, como o próprio som diz “é foda quando toca essa no som do baile, geral desce o passo”.