Nietts coloca os post-punkers para dançar em “Disco Inferno”

 Nietts coloca os post-punkers para dançar em “Disco Inferno”

Nietts – Foto Por: Fernanda Gamarano

De vez em quando a vida promove encontros que com sorte amadurecem ao ponto de se tornarem projetos. Sinergia, conexão, afinidade, chame como quiser, o fato que André Guimarães (Muff Burn Grace) encontrou nessas idas e vindas do rolê independente Allan Colosso que já há algum tempo procurava um novo projeto para se envolver. Os ensaios e preparações para o que viria a se tornar a Nietts vieram no começo de 2019 em um mundo pré-pandemia.

Sempre que eu perguntava para o André sobre como estava a banda ele dizia: “ainda não tem nome” ou algo como “ainda não tenho nada para mostrar”. Mas a empolgação pelo que viria estava já estampada no brilho dos seus olhos.

Após a concepção das referências do projeto que passeiam pelo post-punk, new wave, grunge, rock alternativo e a disco music, eles sentiam que precisariam de um baixista que entendesse a proposta sonora. Foi aí que André convocou um amigo de longa data Luiz (vulgo Zezito), que até então tocava baixo em uma banda Punk, a Lata do Lixo da História.


Nietts Foto Por Fernanda Gamarano
NiettsFoto Por: Fernanda Gamarano

O Significado de “Nietts”

“Antes de qualquer coisa, é “níts” que fala. Depois de dias procurando nome pra banda, sem sucesso, porque todos os nomes que você imaginar já tem alguma banda no mundo usando, o Allan disse “então não põe nada”.

Boa! Só que “Nada” já existe (pra variar).

Aí procuramos em outras línguas. Niets é “Nada” em Holandês. Também já existe. Pra não desistir de ter um NOME PRA BANDA, estilizamos com mais um T, então ficou NIETTS.”, conta André, vocalista e guitarrista da Nietts

Particularmente por aqui o nome me remeteu a canção “Neat, Neat Neat” do The Damned banda clássica do punk inglês que com o passar dos anos foi cada vez mais flertando com o post-punk e a new wave.

Nietts Disco Inferno (2020)

Disco Inferno foi gravado em Janeiro de 2020 no Caffeine Sound Studioque após 15 anos de atividades fechou as portas devido a pandemia – e contou com a produção, mixagem e masterização de Kleber Mariano e Andre Leal; ambos do Estúdio Jukebox e da Stone House On Fire, de Volta Redonda (RJ).

O EP conta com 4 faixas e mostra um pouco da energia pulsante dos primeiros dias do grupo que também carrega uma carga ideológica muito forte dentro da concepção do projeto.

Uma prova disso é o single com mensagem bastante direta em relação ao desgoverno Bolsonaro, “Bad Times”, que abre o EP mesclando guitarras estridentes, o clima das pistas de dança e linhas de baixo no mais alto volume. Bats Out!

A faixa acabou ganhando um videoclipe concebido em meio as limitações da Quarentena. “A ideia do clipe é passar para as pessoas algo que quase todo mundo viveu na pandemia, assistindo seus próprios demônios e mergulhando em seus pensamentos mais obscuros.”, conta a Nietts

A Luzes Vermelhas da Pista de Dança

“Antihero” vem para exorcizar mitos e como diria uma clássica banda Kill Your Idles. A idolatria e a egolatria acabam sendo decepadas nessa faixa que traz uma atmosfera de suspense dark, de bandas como IDLES e Iceage, para o primeiro plano.

A pista esquenta em “Fire In Your Eyes” feito as curvas da noite entre seus altos e baixos. O clima de “pixxtinha” do Madame Satã ganha luzes vermelhas, caos e fúria. Entre a tensão, a vibração, a pulsação, a empolgação e os black & blue hearts.

“Soy Lo Que Soy” traz a sensação de liberdade, aceitação, desejos, conflitos internos e a esperança por dias mais claros. Se você gosta da atitude de Jehnny Beth, da melancolia do Placebo e da capacidade de adaptação do Silverchair, provavelmente essa será a sua favorita do Disco Inferno. Eles optaram por fechar o primeiro lançamento com uma progressão de acordes frenética e muita reflexão sobre  o seu lugar no mundo.



Entrevista: Nietts

Conversamos com a Nietts para entender melhor sobre os primeiros dias do trio paulista.

Queria que contassem mais sobre o nascimento da banda, principalmente porque o André vem da Muff Burn Grace com sonoridade Stoner Rock e o Allan já vinha buscando um bom tempo uma banda com referências post-punk para iniciar uma trajetória.

Como rolou esse encontro? E como foi esse processo de gestação deste primeiro EP?

Allan: Eu estava há um tempão sem produzir nada, um tanto frustrado rs, mas sempre acompanhando o que estava rolando. Já conhecia a Muff, fiquei apaixonado pelo André num show que assisti no 74club.

Minha última banda oficial mesmo, foi o Deavollo. Era um projeto que tinha bastante influência de stoner, e que rolou até 2010. Apesar de termos lançado alguns sons no comecinho ali do streaming, mas sem nenhum álbum ou EP oficial, chegamos a tocar nuns eventos legais na Funhouse, no Outs e conhecemos bastante gente.

Por conta dessa influência no stoner, o Daniel Cardoso (batera do Toro Roco) me apresentou formalmente ao André.

Conversamos bastante naquela noite, e nos encontramos em praticamente todas as ideias. Falei da minha vontade de buscar uma sonoridade inspirada no pós-punk e no new wave anos 80, mas também na possibilidade de não ficar muito preso a uma mesma estética.

O Ponto Chave

E acho que esse foi o ponto chave, porque nossas influências são bem parecidas e bem diversas, do punk ao disco, passando pelo grunge, new wave.

A partir disso fomos atrás de um baixista. A proposta precisava de alguém com palhetada forte e que respondesse essa nossa salada de referências. Foi aí que o André citou o Luiz (vulgo Zezito), que até então tocava baixo em uma banda Punk, a Lata do Lixo da História. Os quase 10 anos de amizade entre eles trouxeram essa conexão musical, pela troca de conhecimento no decorrer dos anos. Eles até chegaram a montar uma banda Doom. Olha a audácia!

Escutando a gente, vejo como essa liberdade refletiu na auto-descoberta da nossa identidade.

O EP é bem sincero e conta com as 4 primeiras músicas que compusemos, tem bastante punk ali. A atmosfera do nosso ABC operário influenciou demais na Antihero, e a partir disso fomos mesclando a energia dançante com um lirismo que expressasse o momento que estamos vivendo.”

A sonoridade remete ao post-punk mas também flerta com o alternativo e ao menos para mim bandas como Einstürzende Neubauten, Sky Down, Christian Death, Photomartyr, The Fall, IDLES, Iceage entre outros acabam respingando. Qual foi o norte no campo das referências para a sonoridade neste primeiro momento?

Allan: Essa pergunta nos deixa muito contente. Eu pelo menos sinto que consegui me expressar direitinho (risos).

Nossas principais influências conscientes pra esse EP vieram da mescla de bandas como o The Fall, Idles, Gang Of Four, Shame, Christian Death, Belgrado, Killing Joke… O Disco Inferno foi bem pautado em sintetizar nossas influências do punk 77 e do pós punk com a nossa veia pixxxtinha pop new wave. O nome faz referência (e reverência) ao Disco Inferno do The Trammps (1976), mas também traz uma alusão aos nossos hábitos noturnos hahaha.

Inconscientemente também vieram as referências do industrial do Neubauten, com certeza… a gente gosta muito de Placebo e Interpol também, consigo ver que eles nos influenciaram bastante. E o lance de estarmos sempre junto do Caio e da galera do Sky Down acaba sendo tornando uma referência inevitável, né bixo? Acredito que com esse EP entendemos bem melhor nossa identidade, e temos um bom norte pra seguir trabalhando.”

A política também bateu forte no single “Bad Times” então vou deixar o espaço para vocês comentarem sobre a motivação tanto para a letra como para o videoclipe de quarentena.

André: Só nesta pergunta daria pra escrever um livro, porque além de nossa sintonia musical, o que mais uniu a banda foi o campo ideológico. A consciência de classe, as pautas identitárias. “Bad Times” fala da onda fascista não só no Brasil, mas no mundo. A ascensão da extrema direita de uns anos pra cá tem nos dado esse sentimento de tempos ruins.

A eleição do Bolsonaro como presidente foi o estopim. A música é também uma compreensão de como os discursos de ódio de um representante nacional deixam essa marca aterrorizante aos que se opõem, às minorias, aos mais pobres.

O videoclipe serviu para potencializar ainda mais esse sentimento, pois além de tudo o que eu citei acima, veio uma pandemia. Em nível nacional temos o Bolsonaro, minimizando uma doença que até então matou quase 90.000 pessoas só no Brasil.

Em nível estadual temos “O Lobo em pele de Cordeiro”, com seu “ótimo” marketing pessoal, que só falou, falou, e no final das contas reabriu tudo e não apresentou nenhuma medida de controle efetivo do Covid. Enquanto isso a gente senta e espera o desfecho, dentro de nossas casas, conversando com nossos demônios. Tem quem cai na onda de volta à normalidade, o que não é o nosso caso.”



As outras canções tiveram quais inspirações?

“Antihero”

Allan: “Tem um lance de Iconoclastia nessa música, de quebrar as imagens idólatras, fazendo valer para qualquer âmbito. Temos isso na política, na religião, nas artes e também nas relações pessoais.”

“Fire In Your Eyes”

André: Essa música fala de envolvimentos afetivos hahahaha. Algo vivido comigo e paralelamente com o Allan. O título e refrão da música é de um momento em que as luzes da pista escura refletiram no olhar da pessoa. É bom se apaixonar, mas as vezes machuca, né?

”Soy Lo Que Soy”

André: Esta música foi inspirada em um homem trans. Ele tem uma banda. Em um show de São Paulo, ele falou sobre sua transição e da aceitação social de pessoas trans. Infelizmente essa é uma luta que ainda vai durar por muitos anos, até que todos entendam algo tão simples, que é respeitar o que as pessoas são.

André: Tudo isso foi motivação ou inspiração. O significado real vale mais com a interpretação de cada um. A pessoa pode ver a letra com outro entendimento. É isso que vale.

Luiz: Acho legal que as letras são em primeira pessoa. Possibilita a individualidade da interpretação de cada um que ouve o som. São letras “abertas”, com forte carga existencialista. Versos como “I am what I am” . Falar muito, dizendo pouco rs como em um poema curto, um haicai. Passar a mensagem direta, sem esticar o chiclete.

O EP de certa forma também tem um tom de despedida, tanto do Caffeine que infelizmente fechou as portas, como também pela despedida mesmo que simbólica do Luiz.

Contem mais sobre este momento, como estão sentindo, lidando com redes sociais e observando os obstáculos desta realidade, vocês têm conseguido compor ou planejar uma divulgação online para entreter os que estão em casa?

André: Acho que despedida foi só de coisas que fizeram parte do nosso processo, sabe? Porque na verdade esse EP veio com a ideia de nascimento da banda mesmo. E estamos muito firmes e empolgados.

Nos despedimos do Luiz, através de um show no 74Club, pois ele foi morar em Rio do Sul (SC), o que o impossibilitou de continuar na banda. Chegamos a fechar a substituição com a Debb da Gran Tormenta, mas logo na sequência veio a pandemia e não chegamos nem a sair pra trocar uma ideia definitiva sobre isso. Pelo momento de incertezas e surgimento de outros projetos da Debb, isso acabou esfriando e então veio a decisão de lançamento do EP, que já estava gravado.

Por isso, considerando que não temos perspectivas de shows ou mesmo de nos reunirmos para ensaiar, decidimos divulgar todo o lançamento considerando o Luiz como baixista, já que tudo aconteceu com ele.

O Caffeine e o Momento

Sobre o Caffeine, também é muito triste, pois é um espaço que devia ter uns 15 anos já, sempre na resistência. Foi um dos primeiros estúdios que eu tive contato na vida. A notícia boa é que eu falei com o Renato e ele está montando um outro espaço, na mesma região do Caffeine.

Neste momento de pandemia a banda praticamente estacionou. Estávamos tentando entender tudo o que estava, e ainda está, acontecendo. Por motivos financeiros também preferimos pausar mix e master. Retomamos tudo isso no final de Junho. Em paralelo não fizemos nenhuma composição considerável, mas temos coisas que haviam sido criadas no ano passado.

O Lançamento desse EP aumentou ainda mais a chama da banda, o que trouxe uma euforia para cada um em suas caminhadas pessoais também. Eu e o Allan vamos continuar criando, mesmo que à distância para colocar mais novidades na internet.”

Luiz sobre a transição, pandemia, saudade e despedida

Luiz: As redes sociais, a internet em geral, pra mim, e pra boa parte das pessoas, neste momento de quarentena, tem sido uma ferramenta de contato com o mundo externo. Vim morar em Rio do Sul (SC) em fevereiro. De certa forma, já estava meio isolado desde fevereiro. Mato a saudade dos amigos da Nietts, de familiares e outros amigos de SP/ABC, do mundo, desta forma. Como ferramenta de divulgação do EP acho que tanto pra gente como pra boa parte das bandas, tem sido o único instrumento nesse momento.

Aliás, aproveito pra agradecer vocês pelo espaço. Valeu memu! Sobre a minha despedida, foi com chave de ouro, no 74club, nossa casa, onde ensaiamos essas músicas que lançamos. E foi lindo. Toquei também, como baixista sub com os manos do Sentimento Carpete e Avante, lá no 74, meses antes de vir pra cá.

Só não imaginava que todos esses amigos também ficariam sem tocar, por tudo que veio depois. Daqui, de longe, só espero que as coisas voltem ao normal o mais breve possível.

2020

Mó saudade de colar num show, e aglomerar com os amigos. Mas essa pausa é necessária. Existe um projeto político genocida que está aí escancarado. Muita gente pagando com a própria vida, essa indiferença do projeto político que aí está. A gente lamenta se revolta e se posiciona contra tudo isso.

O Renato (Caffeine), o 74club, e a própria Nietts, todos seguirão a caminhada no underground, após essa fase passar, pois são todos focos de resistência artística/política. É nisso que a gente acredita. E que a arte seja ao menos um suspiro em meio ao caos.

Valeu à vocês; e aos meus irmãos da Nietts; André e Kleber que produziram a parada, nossos hermanos de Volta Redonda; 74club; e todo mundo que fortalece a parada. Arte é amor em forma de resistência. Valeuuuuu!”

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