Balaclava Fest tem show virtuoso do Dinosaur Jr. e cada vez mais “brasileiro” do BADBADNOTGOOD
Programado para o fim de semana dos dia 9 e 10 de novembro, o Balaclava Fest reuniu em dois dias artistas com propostas sonoras bastante diversas, mas que se encontram dentro do universo alternativo. Entre as atrações do festival que aconteceu no Tokio Marine Hall, no domingo, o line-up reuniu Dinosaur Jr., BADBADNOTGOOD, Water From Your Eyes, Ana Frango Elétrico, Nabihah Iqbal, Raça e Paira.
Além de no dia anterior, no sideshow, realizado na Casa Rockambole, no sábado (09), pudermos acompanhar as apresentações do Water From Your Eyes, Mundo Video, Gal Go e terraplana.
Sideshow na Casa Rockambole
terraplana
Ter a oportunidade de rever o terraplana é algo muito significativo para mim enquanto jornalista e pesquisador musical. Lembro bem quando toquei pela primeira vez na Mutante Radio, um som deles, acredito que em 2017, e já enxergava um potencial a ser lapidado.
Ver de camarote todo processo que levou a consolidação do som e a enfim chegada o primeiro álbum de estúdio, olhar pra trás (Balaclava Records), é daquelas coisas que adoramos presenciar, e de certa forma participar, dentro da cena independente brasileira.
Tendo a missão de abrir os trabalhos no sideshow realizado na aconchegante Casa Rockambole, os curitibanos aproveitaram a apresentação para além de tocar sons que nunca tinham performado ao vivo, ainda apresentaram músicas novas. Já ambientando e observando a reação do público ao ouvir suas canções atmosféricas e com a frieza tímida (quase blasé) mas cheia de técnica do shoegaze.
Gal Go
Sendo bem sincero quando confirmaram o show do argentino que toca sax com o King Krule, eu fiquei animado na mesma proporção de não saber o que esperar. Primeiro por não achar registros das suas músicas na internet, segundo por saber da sua capacidade em criar ambiências durante as apresentações do projeto inglês.
A verdade é que a apresentação foi um pouco de tudo isso. Do lado experimental de criar no improviso, algo que me remeteu até as esquetes humorísticas da série Portlandia, visto que, logo na primeira improvisação, ele liga um barbeador para tirar um som enquanto movimenta sua guitarra.
As abstrações com seu sax, em que faz questão de se despedir do show andando sem rumo e interagindo com os presentes, também mostram a verve propositiva do projeto em criar um anticlímax na apresentação. Em certo momento, não sabia se estava numa terça madrugada a noite no Nossa Casa, ou se estava num pequeno club do Soho em uma mostra de artes.
Fato é que quando não faz improviso as poucas músicas que apresentou em um set de aproximadamente 40 minutos foram boas, uma até me lembrou um pouco Pavement, e em outras ele canta em castelhano. Sempre tímido, mas gentil com o público. Fala “obrigado” algumas vezes. Durante a apresentação o mais interessante foi ver as caras dos músicos das outras bandas presentes tendo seu momento de fã de música, admirados pela capacidade de abstração e técnica do argentino.
Water From Your Eyes
Tendo a chancela da Matador Records, e a liderança de Rachel Brown e Nate Amos, a proposta da banda de Chicago que atualmente está radicada em Nova Iorque, Water From Your Eyes, é fazer art-pop. Conceito tão abrangente que o Wire é mestre, é um gênero que entrelaça vários estilos e ambiências que vão do indie pop ao post-punk. A apresentação te leva para diferentes lugares justamente pela capacidade do grupo em ter várias armas. Em uma música, aquela vibe frágil, mas punk minimalista poderosa do Bikini Kill se mistura com o lado soturno e sádico, do Gang OF Four.
A música do oriente e suas linhas chill também se fazem presentes em um show que você fica esperando um pouco de tudo, de um espetáculo com as dancinhas Cansei de Ser Sexy, a pequenos solos de guitarra garageiros para nenhum presente colocar defeito. Sua capacidade camaleônica de explorar as possibilidades dentro do rock alternativo levaram o trio a ser comparado até mesmo com o Ween.
Com liberdade, eles até em uma música do mais recente álbum lançado em 2023, Crushed By Everyone, eles interpolam uma canção do Neil Young (“Cinnamon), em uma canção em que durante o show eles brincam que eles iriam mais para um momento folk. Com direito a programações, eles tentam acompanhar os beats para fazer os inúmeros solos de guitarra com experimentações dignas dos chiados do Sonic Youth.
Talvez o momento que quebra qualquer protocolo foi o quando a vocalista decide pedir cigarros, diz que está sem fumar por estar cuidando da voz, mas que não teve tempo desde que chegou. O pedido foi uma ordem e feito fãs de Serge Gainsbourg, os presentes começaram a jogar cigarros no palco. Quando ela viu, prontamente sorriu, e começou a colocar nas orelhas que também seguraram seus óculos, aqueles que ganharam o apelido de “óculos do Kurt Cobain”. O show na Casa Rockambole foi daqueles que surpreende e que a banda se mostra melhor do que nos discos. É assim que gostamos.
Mundo Video
Em pouco tempo tive a chance de ver duas vezes o duo carioca Mundo Video. A primeira durante o lançamento de 27, novo álbum do Raça que se apresentaria no domingo (10) no Balaclava Fest. O segundo na noite do sábado (9) no sideshow do festival. Gostei mais dessa segunda vez. O tempero? Eles mais a vontade e sem pressão. Tocaram para os pouco mais de 40 remanescentes na casa já na virada do dia.
O duo que brinca de misturar gêneros musicais, entre samples e bateria eletrônica, mostra que veio para confundir e não para explicar nada. Leve, solto, entre o peso do heavy metal, a malemolência carioca, o spoken-word e o reggae, eles se divertem fazendo música. Essa atmosfera captada no estúdio não é bem fácil de reproduzir ao vivo, ainda mais tentando não errar o timing. Dando chance ao improviso e até mesmo articulando os dois instrumentos de forma orgânica.
É bem verdade que a intensidade de tudo isso às vezes faz com que problemas além do controle, possam ocorrer. Como o caso do cabo P10 da guitarra da Gael que ficou preso e não deixou ele continuar o show. Algo que foi contornado com o empréstimo de uma guitarra e a insistência do público para continuar. E não foi nada mal após isso.
O que fez com que eles fossem parar mesmo foi quando a guitarra de Vitor Terra teve a corda estourada, bem na mizinha. Aí não teve jeito, foram para as dancinhas e cantar numa espécie de karaokê com autotune até darem o show por encerrado.
Tem dias que problemas acontecem, mas com esforço e uma boa dose de carisma, acabam ficando mais marcantes do que um show tecnicamente perfeito.
Balaclava Fest no Tokio Marine Hall
Paira
Confesso que tava animado para ver Paira pela primeira vez ao vivo. Já tinha visto alguns vídeos em um formato enxuto e tinha ficado na dúvida se valeria a pena. Para minha sorte pude assistir à apresentação no formato de quarteto, o que definitivamente deu mais potência para o som futurista dos mineiros. Com o EP01 (leia mais) e o single “Preciso Ir” lançado às vésperas do festival na bagagem, a expectativa era de um show curto, mas intenso.
É bem verdade que o palco do hall do Tokio Marine Hall atrapalhou a experiência de quase todas as bandas que se apresentaram durante a tarde do domingo, mas eles tiveram a sorte de fazer um bom show. Algo bem próximo ao material de estúdio.
Agora é acompanhar o desenvolvimento do projeto. Quem sabe com mais um EP, ou um disco cheio, com um repertório mais vasto, consigamos ver mais propostas estéticas e soluções sonoras por conta do duo que diverte com essa mistura que vai do indie, passando pelo emo ao drum & bass.
Por aqui sempre apoiaremos novos projetos e vai ser incrível ver a evolução show após show.
Raça
Pude acompanhar o show de lançamento do disco 27 tem algumas semanas no City Lights Music Hall. Sorte a minha, pois senão ia me frustrar com a apresentação no festival. E zero culpa da banda. Muito pelo contrário, os paulistanos levaram participações especiais, inclusive do argentino Gal Go, que gravou uma música com eles recentemente.
O repertório deu ênfase ao último disco, mas também contou com faixas dos álbuns anteriores, como “Bandidos & Divas”, que tem a participação da goiana Brvnks, e “Dez”. Só que o som abafado do hall do local deixou a experiência ruim. Antes de encerrar o show, as portas para o palco principal foram abertas e boa parte do público foi correndo garantir um lugar onde logo menos se apresentaria Ana Frango Elétrico.
Ana Frango Elétrico
Parece que cada vez que assisto a uma apresentação, tenho uma nova percepção ou reparo em um novo detalhe. Ana Frango Elétrico é daqueles seres que abraçam o evoluir como um processo. Terceira vez que assisto e com uma terceira banda diferente.
A primeira vez foi no Sesc Avenida Paulista ainda na turnê do Little Electric Chicken Heart, daquela vez com uma banda com sopros. Inclusive com Marcelo Calado na bateria e uma inclinação sonora mais próxima ao ska para acompanhar. Um show ainda com Ana tentando tatear a melhor forma de lidar com o público.
Na segunda, foi no lançamento de Me Chama de Gato que Sou Sua no Sesc Pompeia. Daquela vez com uma banda com groove lá em cima, muito soul e natureza de Motown nas veias. Definitivamente foi algo divertido e ver o artista mais solto e dançando de forma esquisita, mas de maneira espontânea foi deveras marcante.
Nesta terceira oportunidade a banda que acompanha tinha uma maior aproximação ao jazz, a bossa nova e a Tropicália. Um show focado nas luzes. Vermelhas, amarelas, azuis e verdes, mas tudo muito escuro, misterioso. A atitude de Ana Frango foi algo que me chamou a atenção. Um palco daquele tamanho poderia facilmente intimar, mas foi lá e aproveitou a estrutura para exercitar o canto e a dramatização ao cantar com uma espécie de capa de chuva e véu.
Dividindo o show em quatro quartos como mesmo definiu, o repertório abraçou principalmente os dois últimos discos, deixando para o bloco final as mais dançantes, como, por exemplo, o cover para “Dr. Sabe Tudo”. Chamam a atenção dentro do repertório as interpretações de “Camelo Azul”, com muita intensidade, e o abraço que dá ao seu público em “Insista em Mim”.
Nabihah IQBAL
Confesso que não conhecia ainda o trabalho da instrumentista, produtora, DJ e locutora londrina com ascendência paquistanesa, Nabihah Iqbal. Mas nem por isso tinha menos interesse em acompanhar a apresentação da artista.
Não fui atrás de ouvir antes para ter alguma surpresa no ao vivo. Algo raro nos dias de hoje com tantas ferramentas disponíveis para quem pesquisa sobre música. Depois fiquei sabendo que ela tem programas de rádio na NTS e BBC como Radio 1 e 6Music, o que me deixou àvido a pesquisar para saber mais.
Com dois álbuns de estúdio DREAMER (2023) e Weighing Of The Heart (2018), o som mistura dream pop, pós punk e música eletrônica. Muito doce, ela entra no palco tímida com sua guitarra, acompanhada de uma tecladista. Demorei duas músicas para entender para que lado a sonoridade da artista ia explorar mas de fato quando deu o click, senti que um show em um local como o Madame Satã faria o maior sentido para a gama sonora que a artista explora.
Soturno, misterioso, cheio de experimentações, noisy, áspero e punjante, a natureza do som é de introspecção e combina com a sua personalidade no palco. Adorei a experiência de ver o andamento do projeto, que mesmo sendo executado de forma minimalista, com teclado, guitarra e voz, nos leva para inferninhos dos anos 80. Não é a toa que a versão para “A Forest”, do The Cure, já na parte final do show, fez todo o sentido. Na segunda (11) ela ainda fez um show solo no Sesc Carmo.
BADBADNOTGOOD
Enfim, as pazes. Em 2017 pude assistir a primeira apresentação dos canadenses do BADBADNOTGOOD em show no Cine Joia. Elogiados por artistas como Kendrick Lamar, Snoop Dogg, e Tyler, the Creator, e com uma legião de fãs no meio artístico, o grupo que funde jazz, hip-hop e música eletrônica, esteve em sua última passagem no festival MITA onde pode tocar junto do lendário Arthur Verocai. O brasileiro, inclusive, amado pelos rappers norte-americanos, que adoram sampleá-lo, participou dos arranjos de quatro canções presentes em Talk Memory (2021).
Desde então eles parece que se conectaram ainda mais com a música brasileira. Mid Spiral, álbum lançado em 2024, conta até mesmo com uma música chamada “Sétima Regra” e nos últimos dias eles lançaram uma parceria com Tim Bernardes, “Poeira Cósmica“.
Este ano, inclusive, a formação que conta com Alexander Sowinski (bateria), Chester Hansen (baixo) e Leland Whitty (guitarra e instrumentos de sopro), completa 9 anos juntos. Todos se conheceram ainda no Humber College, em um programa de jazz, em Toronto. No palco, com músicos de apoio, eles viram um potente formação com 6 músicos.
No repertório eles ainda contam com o álbum de estreia, BBNG (2011), III (2014), Sour Soul (2015) e IV (2016). Mas voltando um pouco. Quando vi a primeira vez, em 2017, senti uma banda com energia de conservatório. Tudo muito calculado e bem executado mas com pouca interação com o público, com excessão do baterista sempre falante (algo que não mudou com o passar do anos).
A segunda vez tinha tudo para ser melhor, com discos ótimos lançados em sequência. Mas no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. No caso, um festival muito desorganizado e com uma escalação duvidosa. A apresentação do MITA, em 2023, conseguiu encaixar o show deles debaixo do sol e antes da Lana Del Rey. Combinação essa que não ajudou em nada.
Primeiro porque mais se ouvia as pessoas conversando e desinteressadas, segundo porque “como se animar a fazer um show grandioso nessas condições?”. Não é a toa que eles já falara algumas vezes não serem muito fãs de festivais. Mas qual banda é?
Enfim, Balaclava Fest
A redenção aconteceu no último domingo em um show com quase uma hora e meia de duração. Mesmo com fãs do Dinosaur Jr. já posicionados, e muitos curiosos na plateia, o cenário foi completamente diferente. Toda essa natureza brasileira de imersão que tiveram nas trocas com músicos e vindas para cá, deixou tudo mais tropical.
Esse compasso em sinergia faz com que a distância entre Toronto e Rio de Janeiro fique pequena, das colaborações com tupiniquins fizessem com que a banda enfim estivesse pronta para esse reencontro. O show tem de tudo, do groove, a interação, de um baixista, que hora toca metais, ora também fala com o público chamando para cima, como também para os momentos de fusões sonoras de música brasileira e extensões de músicas com direito a solos e abstração. O show empolga e boa parte do público compra a ideia entre as luzes psicodélicas e os telões com filmes de resistências que passavam ao fundo.
Redenção essa que teve momento até onde eles pediram para os presentes se abaixarem e pularem ao comando antes de entrar em uma explosão sonora. Um show de troca mas também de muito respeito por nossa cultura e diversidade. Ficou aquele gostinho no ar deste show ter algum nome brasileiro junto no palco, seja ele Verocai, como Azymuth, Amaro Freitas, ou até mesmo Tim Bernardes que no momento está no Japão com O Terno.
Dinosaur Jr.
Ter a oportunidade de assistir ao show do Dinosaur Jr. no ano em que a banda completa 40 anos de estrada, é para poucos, mas São Paulo estava na rota. Não vou nem entrar no detalhe de ser uma das percursoras de tudo que conhecemos como rock alternativo, nem toda a idolatria de Kurt Cobain com o trio de Amherst, Massachusetts.
Do álbum mais recente, o décimo segundo álbum da carreira dos estadunidenses, Sweep It Into Space (2021), o set controu apenas com “Garden”. O que dá espaço por si só a um repertório de clássicos para nenhum fã colocar defeito.
É bem verdade que “Watch the Corners”, do I Bet on Sky (2012), poderia entrar no páreo mas um show que tem canções como “In a Jar”, “Little Fury Things”, “Feel The Pain”, “Start Choppin”, “Freak Scene” e a clássica versão destrinchada de “Just Like Heaven” do The Cure, não há muito do que reclamar. Aliás, quem não tá surtando com o novo álbum do The Cure, e primeiro em 16 anos, está maluco.
Os contratempos e a intensidade
O baixista Lou Barlow, que voltou a formação em 2005, veio ao Brasil nos últimos anos com o seu projeto paralelo Sebadoh, e em um momento no mínimo curioso da apresentação fez um pequeno desabafo. Como todos sabem, a vida em estrada não é nada fácil, com direito a jet legs e perda de voos, entre translados difíceis, intoxicações alimentares e pouco sono. E foi bem por aí o que aconteceu.
Após errar a entrada do show que controu com 19 músicas e se encerrou com “The Wagon”, ele que em algumas músicas até tocar guitarra tocou, pediu desculpas e soltou “estamos a dois dias sem dormir”. Isso aconteceu na primeir parte do show, o que deu a entender que o clima estaria pesado.
Mas isso não foi nenhum problema para o caladão J Mascis (voz e guitarra) que estava mais preocupado em mostrar quão guitar hero ele é, inclusive, extendendo sempre que podia as versões de estúdio. Já o baterista, Murph, sempre muito intenso, parecia que em qualquer momento ia derubar a bateria. Inclusive, o paredão sonoro de amplificadores ao fundo dos músicos impressiona, assim como a coleção de pedais e as horas que decide utilizar.
Para mim rever o show deles após 10 anos foi algo nostálgico. É bem verdade que foi menos ensurdecedor que o do Cine Joia, onde se apresentaram dentro da programação do Converse Rubber Tracks, mas nem por isso menos imponente, ou deixando de inspirar uma nova geração de guitarristas. Pude assistir ao show bem perto de dois integrantes do terraplana e eles tavam olhando todos os detalhes, daqueles detalhes legais de se observar.
Daqueles show por agradecer e reverenciar uma das bandas que formou toda uma geração de amantes da música alternativa e seu infindável ecoar de guitarras dissonantes.