Boogarins lança Manchaca Vol. 2 e encerra o ciclo de Austin, TX
Desde 2017, com o lançamento de Lá Vem a Morte, a banda goiania Boogarins, vinha com a sequência de gravações na cidade de Austin (Texas), onde também gravaram o Sombrou Dúvida, lançado em 2019. Com uma intensa agenda de shows antes da pandemia, muitas gravações, improvisos e demos foram sendo acumuladas durante esses anos. Manchaca (A Compilation Of Boogarins Memories Dreams Demos And Outtakes From Austin, Tx) já estava sendo preparado antes da quarentena, mas sua chegada durante a pausa nos shows não só adiantou esse processo, como o reformulou por completo.
Após reunirem todos os materiais, eles perceberam que isso daria muito mais que um álbum e por isso dividiram o Manchaca em dois volumes. Quem já assistiu o Boogarins ao vivo sabe que o setlist é muito mais do que as músicas já lançadas, com muita improvisação e experimentação.
Esses dois volumes trazem ainda mais a essência da banda, mostrando um pouco mais do que passa em suas cabeças para a criação das músicas.
Entrevista: Boogarins
Conversamos com Dinho, Fefel e Benke sobre esse lançamento, o fechamento de mais um ciclo e o futuro dos Boogarins.
Depois de 1 ano de pandemia, onde vocês estão e o que vocês estão fazendo?
Benke: “1 ano depois a gente tá bem. Acho que desde janeiro que a gente não se encontra, tá cada uma na sua, só cuidando dos Manchaca, fazendo as sessões de Cura e Libertação. Estou em Recife faz um tempo, trabalhando em um monte de disco dos outros, pronto para trabalhar num disco nosso.”
Dinho: “A gente (Dinho e Fefel) estamos aqui em São Paulo, avançando no Manchaca e cuidando das sessões.”
Como vocês estão se virando no sentido financeiro nesse período? O streaming consegue dar uma renda ou é muito pouco?
Benke: “Vish…Matando um leão por mês, quase. Segura o leão no pescoço e espreme o que dá, agora a gente tá de boas por 3 meses, depois vai saber o que que acontece. Mas sempre acontece alguma coisa, pinta uma live, um showzinho, cai um dinheiro de não sei onde e vai empurrando. Mas dinheiro de streaming graças a Deus a gente não depende dele para viver.”
Esse ano, quando eu parei para ouvir todos os álbuns do Boogarins, a música me levou para uma memória pré-covid. Para vocês, o que ouvir seus sons mais antigos causam? Até pensando que Manchaca Vol. 2 foi gravado num cenário totalmente diferente, muitas memórias vieram à tona?
Benke: “Foi um processo diferente para cada um. Eu como fico mixando as faixas, acho que eu fico meio saturado de tudo. Esse Manchaca II foi um pouco diferente, porque a gente conseguiu delegar outras pessoas para mixar, teve vários dos nossos engenheiros mixando. Mas eu tenho escutado uns discos antigos, meu carro não tem pen-drive, então eu escuto só CD, já escutei “As Plantas que Curam” e “Lá Vem a Morte”. E nessa coisa do pré-covid é realmente engraçado, fico lembrando das situações… O “Lá Vem a Morte” nem tanto, por ele faz parte desse pacotão do Manchaca, que tá bem fresco assim na cabeça. Mas “As Plantas…” e o “Manual” são de tempos que para mim às vezes parece até outra vida. Como teria sido se fosse de outro jeito? Enfim, a história foi muito doida e muito generosa com a gente.”
Fefel: “Para mim eu lembro muito da nossa vida na estrada, a gente sempre fez muita turnê sem parar e agora lançamos dois discos sem fazer turnê, que é uma coisa completamente diferente. Mas a lembrança que fica é de estar junto com os amigos, rodando, estrada, palquinho, monta, desmonta, conhece muita gente. É isso, a nostalgia da vida pré-covid está presente nos lançamentos recentes também.”
Dinho: “O Manchaca veio para fazer isso mesmo, a gente deu esse uso para ele, querendo ou não. Demos esse nome, botamos ele pra ser essa coisa de fazer lembrar, de você ouvir ele e lembrar que nessa época a gente tava fazendo o Lá vem a Morte e o Sombrou Dúvida.”
A primeira música, “Começa em você” no final dela o Dinho comenta “fui bobo né, era melhor ter feito separado” e alguém responde “não, mas foi bom, quer dizer tá aí né, a gente nem sabe se vai usar”. No momento vocês já tem ideia do que vai ou não entrar nos álbuns?
Dinho: “Foi porque eu fiz o violão e eu toquei a música de cabo a rabo, aí o Benke chegou e “pô”, não precisava ter feito esse finalzinho, podia ter feito separado”. Era uma parada, que eu podia ter, em vez de ter tocado a música inteira, ter feito o final só separado. Aí eu fiquei alongando muito naquele finalzinho e foi por isso que ele chegou e falou “não precisava”, aí eu me senti bobo de ter tocado aquele tempo todo.”
Benke: “É mais sobre isso. Mas eu gostei dessa interpretação. Quando a gente fez a live do lançamento eu já vi o pessoal comentando “porra, nem ia usar essa música”. Ficou parecendo realmente que o comentário era sobre isso, já que também é um disco de sobras, e a música não estava em nenhum disco oficial. Realmente deu esse tom de que tava falando da própria canção, não sabe se vai usar a canção mesmo. Essa versão é mais legal. Pode deixar essa [risos]”
Benke: “Teve esses momentos em São Paulo, que a gente tava ensaiando para ir pro Texas fazer a última sessão do Sombrou Dúvida e nessa coisa do estúdio que surgiu a música mesmo Sombrou ou Dúvida nesse estúdio em São Paulo. Tem vários improvisos. Acho que o Manchaca traz essa coisa de desaguar mesmo tudo para a gente poder ir com a cabeça, os dedos e os ouvidos frescos, para um próximo disco.
Era muita música que já soa muito bem, praticamente todas as outras do Manchaca, mas ou que a gente tava guardando porque não cabia no disco ou então porque a gente queria regravar para um próximo material ou então porque a gente queria gravar mais coisas em cima. Isso acaba virando um ciclo vicioso, de tanto ficar com essa mentalidade de que tem uma música que é muito boa e que para isso ela tem que ser deixada para um próximo material, que vai ser mais bem feito do o que está sendo feito agora ou então que vai se encaixar esteticamente no conceito.”
Como é que vocês descobrem que a música está pronta?
Benke: “Confiando nos amigos de banda. E também tem o Gordon [Raphel], que é nosso empresário, que desde o As Plantas que Curam sempre tem alguma interferência sonora no trabalho. No As Plantas… ele fez uma vinhetinha com a gente, Manual ele já mixou várias faixas, no Lá vem a Morte mesma coisa, ajudou na mixagem de algumas faixas. E desde o Sombrou que ele vem assinando a produção também por conta dessa mão mais ativa nessa decisão do que é a versão final do disco ou não final também.
Então acaba que a gente tem esse time bem fechado de pessoas que sabem pontuar. É como o Dinho sempre fala, quando ele tá escutando uma música muito ruim de alguém “pô, essa pessoa não tem amigo não?”.
O massa desse volume II a gente ter tido essa ideia de delegar as mix para outras pessoas. E no caso foram nossos engenheiros de som no Brasil. O Bernardo (Pacheco) que é dono do estúdio, Fábrica de Sonhos, quem já tinha feito essa mixagem de “Começa em vc”. A Alejandra (Luciani), companheira do Fefel, também já tinha mixado “Inocência” e “Tanta Coragem” do Manchaca I, mixou “Eixão”. “Supernova”, que foi a outra faixa que quem mixou foi o Renato, que é quem faz a maioria dos nossos PA em turnê, mesmo fora também, está sempre viajando com a gente.”
Como vocês organizaram e conceberam os dois volumes do Manchaca? Como foi essa dinâmica de garimpo.
Benke: O Manchaca começou como um disco de extras, para fãs, que a gente ia postar só no Bandcamp. Uma coisa antes da pandemia, inclusive. A ideia era reforçar essa história do Texas, reforçar de termos feitos os dois últimos discos lá. Mas a questão é que a gente já tinha várias músicas bem gravadas para começar um próximo disco de estúdio.
Eu acho que quando foi ficando mais claro que a pandemia era uma coisa que não ia ser resolvida tão rápido e também que a gente queria começar um trabalho do zero, começar um novo processo de composição. A gente também desapegou de canções que estavam prometidas para próximos trabalhos. O que definiu o que era Volume I e Volume II foi mais a circunstância mesmo.
O que tá no volume I acaba por ser coisas que a gente ia soltar num disco de extras naturalmente, faixas que a gente não tinha terminado direito, um ou outro single que a gente gostava e que a gente achava que já poderia estar nos shows. Então acaba que o Manchaca mesmo, na ideia inicial era basicamente o que está no primeiro volume. Depois que a gente se sentiu nesse lugar de “vamos botar tudo pra fora mesmo”.
Fefel: “Até porque a gente definiu o I era antes de covid, foi em 2019 ainda.”
Dinho: “Quando a gente fechou o I, nós conversamos que ia ter II, mas não tinha essa lista fechada de música do que ia ser II. Mas quando a gente fechou o I, e conversou e pensou que tinha que ter o II, demorou mais uns 3 meses até nós termos essa lista de falar “não, as músicas do II é essas. Isso foi ali por setembro.”
Quando vocês estão em estúdio conseguem se policiar para focar em criar músicas, ou todas elas vem das “jams”?
Dinho: “Você acha que é bagunça? Por exemplo, vamos pegar esse Manchaca vol.II, que a gente tava falando sobre esse exemplo de pré-produção. Ele tem muita coisa dos improvisos que fizemos em show mesmo, era uma ideia boa. No último encontro nosso a gente ficou ensaiando as músicas certinho, depois no final nós falamos “bora, três rodadas de improvisos seguidas”. E nessas rodas de improvisos saí algumas coisas que é quase música.
Acho que nessa altura do campeonato a gente divide bem as coisas. Mas cada canção é uma canção. Às vezes a gente vai escolher uma canção para fazer e ela falta uma parte. Então, a gente faz as jams, para sair as músicas, mas nós também tentamos tocar nas músicas, nós decidimos fazer tal música para chegar no resultado. É organizadinho. É bagunçado mas é organizado.“
Desde a última década, teve um hype em volta da música psicodélica. Vocês se sentem limitados com esse rótulo ou gostam de ser referência?
Dinho: “Nem um, nem outro (Risos)”
Fefel: “Estamos esperando a volta do estouro, de 10 em 10 anos tem uma.”
Dinho: “Tem esse lado que é bom, é verdade. Se teve essa onda do psicodélico agora, significa que um dia ela volta. Quem vai ser os grandes bixão (sic) dessa onda, a referência?
Nós gostamos de ser referência, mas a gente não se sente limitado, não. Por que a gente sabe que nossa música é muitas coisas. Cada vez tá sendo várias coisas. Mais do que a gente entender, não é nem um bagulho que a gente entende. Acho que quem gosta do nosso som entende isso mais do que nós.”
Benke: “Quem gosta de verdade. Porque tem meio que essa coisa. Na verdade, você ser banda, ser artista, aquilo que vai fazer você se destacar, às vezes não é aquilo que é o mais interessante em você também. Talvez se não tivesse rótulo, a galera não ia entender, não ia saber valorizar a coisa, então uma coisa que, como Dinho falou, nem um, nem outro. Acho que a gente não se sente limitado ao mesmo tempo, não é como se a gente levantasse a bandeira.”
Vocês acham que por estarem separados, vai ser mais difícil sair um álbum de estúdio, já se planejam para isso ou tá muito cedo para falar?
Dinho: “Acabando essa entrevista a gente vai pra uma reunião combinar esse encontro. Aproveitar o momento. Mentira. Acho que tá fácil, né, Benke? Tá difícil porque tá longe, toda vez que for pra ser um encontro tem que gastar dinheiro e não tá fácil ter dinheiro. Então, respondendo de uma forma prática, é uma dificuldade a mais. Mas nada que a gente se planejando, não consiga fazer.
Benke: “Acho que a dificuldade está mais nessa mini depressão com banda, com essa pausa da pandemia, essa distância, a falta de fazer as coisas, o excesso de tempo, a mudança da percepção do tempo faz a coisa ficar diferente. Eu particularmente tô muito atolado de trabalho de outras paradas, fico querendo fazer coisas com os meninos, mas também não tem essa liberdade.
Mas o que a gente não quer fazer é um disco de quarto de novo, a coisa lo-fi. Só que não tiro essa possibilidade da cabeça, depende, como o Dinho falou, do que vai rolar assim naturalmente, com as condições financeiras e que o mundo permitir. A gente acha massa demais se encontrar, tocar, fazer improviso, ensaiar música, fazer vídeo de música, não sei o que. As circunstâncias ditam muito mais do que a gente vai fazer do que o contrário. Mas ano que vem deve ter disco novo.”
Fefel: “A gente tá com muito tempo e muita vontade de fazer rolar. E agora que a gente lançou esse Manchaca II, mais do que nunca tudo que estava guardado já foi. Realmente, é começar de outro jeito, talvez de uma forma que a gente não tenha feito ainda enquanto banda, acho que tem tudo para ser muito interessante o próximo disco, que a gente tem que aproveitar a estrada com ele.”
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[…] mundial e na pandemia parece que ganhou ainda mais força. Destes encontros a Pluma e Boogarins (leia entrevista) puderam tirar proveito das sonoridades bastante convergentes dos grupos. Aliás há duas semanas […]