Carabobina revela detalhes da engrenagem por trás do seu incrível álbum de estreia
O Carabobina fez um dos discos de 2020 que você não sabia que precisava ouvir até apertar o play. Minimalista, torto, derretido, pulsante e explorando diferentes frequências, o álbum de estreia lançado via OAR Recordings é um experimento que ganha forma fazendo um elo entre o alternativo e o pop.
Daqueles que você pode ter uma experiência ao ouvir na caixa de som e uma (completamente) diferente ao escutar com os dois fones de ouvido. Reverberante, refrescante e estranhamente delicioso.
O projeto Eletrônico Noise Pop é o fruto da união de duas mentes pulsantes, a engenheira de som venezuelana, Alejandra Luciani, e o goiano Raphael Vaz Costa, o Fefel, dos Boogarins.
O Orgânico do Carabobina
O orgânico se alinha ao tecnológico, e ao futurismo, com muita liberdade e respeitando o espaço criativo alheio como já foi relatado em entrevistas anteriores. O disco do Carabobina ao mesmo tempo que não é linear: te convida para uma viagem espiritual (e psicodélica) através das sensações.
Nele o casal que se conheceu em 2017 em um show mostra a sua química também no estúdio e constrói suas próprias narrativas com a ajuda de ferramentas como o Ableton.
O aspecto lo-fi também ganha o tempero da produção ter sido realizada de forma caseira. Pautado nos sintetizadores, melodias e experimentações na mixagem, de certa forma ele traz consigo aquele espírito das bandas e projetos do MySpace de outrora, olá Washed Out, quem lembra?
O nome do projeto, inclusive, vem até de um trocadilho com o estado de Carabobo, na Venezuela, e “Cara Bobo”, expressão que não precisamos explicar, não é mesmo?
É um forte candidato a entrar na nossa lista de Melhores Álbuns de 2020, acham que o Carabobina merece um espaço em nossa lista de fim de ano?
Carabobina: Faixa a Faixa Por Alejandra
Pedimos para a Alejandra preparar um faixa a faixa um pouco diferente do habitual, ao invés de discorrer sobre significados falamos para ela contar mais sobre os processos e construção das faixas. Um prato cheio para se inspirar e conhecer mais o universo fértil, e pulsante, do Carabobina.
“Pra Variar”
“Pra Variar é tudo sobre uma troca de tensão e calmaria. Já entra com essas linhas de Moog bem tortas, inquietas e flutuantes e solta para o refrão mais harmônico. Tem vários pontos/breaks ao longo da música com a intenção de te sugar. Um beat pulsante que vai te levando junto na doidera.
O Raphael arrasou demais com essas linhas de Moog, tem a linha do baixo e uma linha lead que virou o hook para mim. Em alguns momentos abro as dobras de voz completamente no L-R que dá um efeito bem interessante que diferencia o verso do refrão também. Acho que a música reflete muito o que fala na letra.
Gosto muito de brincar com texturas e timbres diferentes, especialmente no beat. Tem outras sutilezas como uma dobra afinada uma oitava acima no refrão também.”
“Baja del Altar”
A maioria dos synths que tocam em “Baja del Altar” foram feitos no Yamaha Reface DX, desde o baixo até qualquer efeitinho mais agudo. E o beat foi feito na Arturia Drumbrute originalmente, porém acho que na hora da mix acabei trocando alguns samples também.
Então ela foi concebida na sua maioria em hardware, e é uma das músicas que sinto que está com mais pressão. No refrão ela quebra para um clima mais vazio e distorcido, com certeza usei o Devil-Loc para isso, um dos meus xodós de distorção. No fim chegou Raphael e colou as guitarras que deram o charme que faltava e deram uma quebrada na harmonia que tinha.
- Fui deixando o timbre da voz num estilo parecido em todas as músicas para dar uma unidade ao disco, quase sempre usando uma dobra na voz principal. Fiz questão de não usar muitos efeitos de delay e reverb para deixar tudo bem na frente para ficar um pouco mais intimista; minha voz já tem bastante ar, então não se sente tão duro quando está mais clean“
“Deixar de Rodear”
Essa veio de um projeto que o Raphael montou. No momento que ele me mostrou não tinha beat e na hora imaginei um beat industrial que ia crescendo e estourava no final, e foi bem isso que fizemos depois. Os sons têm muito a sonoridade do overdrive do Ableton.
Jogamos muito com efeitos de Pan no disco, muitos feitos de automação na mão mesmo, acho que eles dão uma dinâmica e movimento legal nas músicas. Como a gente curte arranjos mais minimalistas, tem muito espaço para ficar criativo na mixagem, o que eu acho ótimo. Nessa música acabei dobrando a voz do Raphael toda para dar uma textura interessante na voz.”
“Em Dezembro”
Em dezembro era outro projeto do Raphael. A sonoridade dela vem de beat com samples do Ableton mesmo, que eu sempre dou uma alterada no timbre com distorção. O Raphael pediu para que eu cantasse a música. Colocamos um efeito com vibe de chorus na guitarra para dar uma entortada nelas, acho que foi no Echoboy.
O efeito estéreo legal delas vem de uma dobra para cada lado no L-R. Tem vários momentinhos com nuances com uma abertura no binaural, e mais efeitos de pan. A voz do refrão fica mais distorcida, inspirado um pouco no som de voz de The Strokes, que gostamos muito. Tem um momento especial que deixo os instrumentos quase afundados na água, lá no fundo, com uma mistura de filtro e reverb.”
“De Nuevo”
Quando trabalhava na Red Bull, um dia tocando no Roland JP-08 criei essa linha de synth bass, e nessa sonoridade meio lo-fi distorcida que curti muito. Mostrei ela para Raphael e começamos a construir a música toda. Inclusive como não tinha como tocar mais o JP-08 enquanto trabalhávamos nela em casa, criamos outras partes recortando e mudando de afinação a linha da base. Muitos dos nossos sons vem desse desenvolvimento nos loops.
O beat dela foi feito na Drum Brute da Arturia também. Tem um spoken que deixe bem clean e vazio, quase para sentir que a pessoa está sussurrando no seu ouvido. Mais uma vez temos as guitarras dobradas no L-R, gosto muito do efeito que dá no estéreo. E tem umas harmonias que ficam bem afundadas para parecer quase um fantasma também, a ideia é ficar bem intimista mesmo.”
“Better Off”
“Better Off é a faixa mais lo-fi do disco. Gravei a voz e o violão com o microfone do laptop. Ela surgiu no improviso, completamente espontânea, inclusive a letra e a melodia. A ideia do arranjo e da mixagem é um movimento lento quase drone, o bumbo bem aveludado com muito reverb como uma onda que vai chegando e vai embora.
Fui automando o bit crush do hihat no refrão para fluir junto e dar uma dinâmica. Ela tem um hiss constante que eu acho muito relaxante, que vem dos efeitos mais lo-fi, fiz questão de não tirar. E a harmonia no segundo refrão entra sutilmente, como aquela voz que não quer sair da boca. Acho que é uma reflexão de como me sinto quando estou mais para baixo. Raphael fez essa linha de baixo que completou tudo.”
“Viaduto”
“Esse beat chamativo e estranho do Viaduto vem todo das pocket operator do Raphael, quebrando um pouco o bumbo-caixa-hihat padrão. A gente se emocionou bastante fazendo essa música. Eu viajei muito gravando delays no pedal de guitarra, então tem muito som de calda de feedback de delay formando ondas no refrão e enfatizando mudanças.
Do jeito que arranjamos e mixei, o refrão parece te transportar para outro lugar, a base mais aveludada e umas guitarrinhas dobradas com reverb fazendo uma camadinha espacial.”
“Tiriru”
“Tiriru é uma viagem de improviso em camadas polirrítmicas que vai e não volta. O bumbo está em reverso, o que dá uma sensação de sucção que curto muito. Várias camadas de harmonia de voz improvisadas e soltas, como se fosse um devaneio.
Tem um Moog com efeitos em estéreo que vão abrindo para dar uma crescida na hora do batidão. No meio vai para esse lugar mais distorcido e fechado com muita automação em ondas também. As guitarras bem distorcidas e com tone fechado. E depois volta para um violão bem sequinho, quase como te trazendo de volta pra vida real.”
“Mariposa”
“Um pouco depois da Red Bull fechar a parceria com a Roland, peguei um sábado e montei quase todos os teclados e instrumentos que a gente recebeu, e criei as duas partes de Mariposa. Muita coisa no JX-09, que foi um dos que mais curti, fiz o beat na TR-8, e fui viajando criando várias texturas com esses timbres dos synths.
Assim que cheguei num lugar legal de construção liguei um SM57 para jogar umas ideias de voz e veio tudo isso de uma vez só sem pensar, foi tão natural que nem regravei, achei que essa voz pegou perfeitamente a emoção do momento. Depois deixei na mão do Raphael e ele fez esse edit maravilhoso das duas partes numa viagem muito gostosa.”