Filme “Brasa” questiona “Porque fazer um disco?” e traz participações de Luiza Lian, Anelis Assumpção, Marcelo Jeneci, Tatá Aeroplano, Negro Léo, Bárbara Eugênia, Rafael Castro, Nana e João Erbetta

 Filme “Brasa” questiona “Porque fazer um disco?” e traz participações de Luiza Lian, Anelis Assumpção, Marcelo Jeneci, Tatá Aeroplano, Negro Léo, Bárbara Eugênia, Rafael Castro, Nana e João Erbetta

Porque fazer um disco? Porque insistir na arte mesmo com tantas dificuldades, medos e incertezas? São perguntas que com certeza todo músico já ouviu ao longo da vida. De forma bastante prática, dando voz a comunidade artística, Marcelo Perdido e Bruno Graziano trazem para o primeiro plano discussões pertinentes sobre o ofício do músico no filme, Brasa.

O músico e videomaker, Perdido, e o cineasta, Graziano, em Brasa analisam a criação musical artística com participações de nomes como Luiza Lian, Anelis Assumpção, Marcelo Jeneci, Tatá Aeroplano, Negro Léo, Bárbara Eugênia, Nana, Rafael Castro e João Erbetta.

“O filme tem essa pretensão de ser inspiracional, seja para artistas fazerem seus discos mas também pessoas continuarem a viver seu sonho e propósito, seja ele qual for”, revela Perdido.


Brasa Filme Marcelo Perdido


A Independência do Brasa

Assim como a maioria dos discos do “Brasa”, o filme foi feito de maneira 100% independente e tem uma narrativa bastante atemporal e instigante que contagia desde artistas iniciantes aos amantes da música.

A discussão sobre o formato, correria do dia-a-dia, perfeccionismo, expectativas, forma do consumo, motivações, contratempos, colaborações, incertezas, verdades entre outros questionamentos, acabam entrando em sua rica narrativa que serve para trazer novos pontos para a discussão.

Conversas que começam no filme mas que merecem ganhar todas as rodas entre os músicos pois são urgentes e extremamente necessárias.

É até difícil assistir Brasa e não querer não fazer mais perguntas para os entrevistados. Filmado em P/B, e com direito aos participantes cantarem trechos de suas músicas em Acapella, a produção audiovisual ganha brilho pela riqueza da sua narrativa e depoimentos.

Sua narrativa faz com que o espectador se sinta entrando na casa dos artistas para um papo sincero e franco sobre o ofício e a realidade do dia-a-dia. A transparência e a forma com que escolheram para contar traz diversos questionamentos e pontos de vista à tona de uma forma leve e bastante pertinente. Discussões que vão da criação ao mercado, passando pela gravação, colaborações e a importância de todo o processo.

Os Momentos

Cada entrevistado estava passando por um momento da vida e carreira diferente e isso agrega bastante para o seu desenvolvimento da narrativa. O que os conecta em si é a visão de criar como ofício.

  • Marcelo Jeneci estava indo para o seu terceiro disco, após fazer uma transição para o mainstream.
  • Nana é uma artista baiana que vive em Berlim e sempre criou no seu homestudio.
  • Anelis Assumpção tinha sido contemplada por um edital e pela primeira vez pode pagar o valor justo aos que trabalharam no disco Taurina.
  • Luiza Lian se despedia de seu segundo álbum para começar a trabalhar no premiado Azul Moderno.
  • Tatá Aeroplano e Negro Léo eram os mais experientes em suas discografias – os dois somados ultrapassavam 20 lançamentos.
  • Com diversos lançamentos e uma trajetória bastante interessante no independente, Rafael Castro não pretendia lançar mais discos.
  • Bárbara Eugênia ia começar a gravar seu quarto álbum.
  • João Erbetta tem inúmeros discos solo além de alguns à frente da banda Los Pirata

Negro Leo por Igor Marques
Negro Leo é um dos entrevistados do filme. – Foto Por: Igor Marques

Marcelo Perdido Não tô aqui para te influenciar

Já o diretor Marcelo Perdido lançou recentemente o divertidíssimo Não tô aqui para te influenciar, seu quinto disco de estúdio. O conceito é ótimo, inclusive, 8 músicas e 18 minutos de duração, falando assim parece até mesmo disco do Guided By Voices, não é mesmo?

O humor é sagaz e a narrativa também ganha as cores das telinhas, já que Perdido sempre traz sua habilidade como videomaker para estender suas narrativas. Em seu release ele conta até mesmo que suas referências vão de “bandas que deixaram de existir como Gram, Moptop, Pullovers mas também clássicos setecentistas como Di Melo, Erasmo Carlos, Tim Maia e coisas mais atuais como girl in red e Clairo.”

Participações Especiais

O disco conta com uma série de parcerias. Desde pianos elétricos de Danilo Andrade (Gilberto Gil/Jorge Ben), bateria por Matheus Souza (Tiê), com exceção de “Santa Clara de Tróia” tocada pelo Matheus Marinho, e ainda participações especiais de João Erbetta (Los Pirata, Jeneci, Clarice Falcão) e sua guitarra envenenada (“bastante” e “meia noite”) e do português Silas Ferreira (Pontos Negros, Samuel Úria) no oboé de “você não está aqui para me influenciar”.

Você pode ouvir o disco clicando aqui.

Brasa – Um filme de Marcelo Perdido e Bruno Graziano sobre o Propósito de Fazer Discos

Brasa, o filme, está disponível para assistir online e gratuitamente no youtube.



Entrevista: Brasa

Conversamos com os diretores Bruno Graziano e Marcelo Perdido para saber mais nuances, pitacos e aprendizados que o processo de construção de Brasa resultou.

Porque seguir na contramão e lançar um disco em 2020? Quão Romântico é esse ato? Porque acreditam que eles estão a cada dia menores?

Perdido: “Acho a contramão se dá pois o disco é visto como produto de mercado e não obra de arte, uma vez que a expectativa de quem faz é ganhar dinheiro, fazer um disco ou um filme se torna uma forma improvável de atingir esse objetivo. A maioria dos artistas independentes que continuam nessa parecem pelo menos no ato da criação ter tirado o fator gerar grana da equação, para voltar a ter sentido.”

Graziano: “Creio que tem uma relação com o formato, assim como um longa-metragem ou um mural, o disco tem um tempo e um espaço no qual alguns artistas se sentem mais a vontade para criar.”

Acreditam que os discos conceituais e grandiosos de outros tempos acabam influenciando nessa vontade de produzir? Como veem o legado de uma produção artística?

Perdido: “De outros tempos e dos nossos também, O Terno é um exemplo de 3 caras jovens fazendo discos conceituais e dentro de suas propostas grandiosos, mas peguemos como exemplo o Emicida, ele faz DISCO com todas as letras maiúsculas, o Amarelo é tão dentro disso que transbordou para um estilo de vida. Emicida nesse sentido parece que tá graduando em kung fu, saca? cada disco uma faixa, tá na preta já.

Graziano: “O disco quando é muito bom muda a vida do realizador e de quem ouve, no efeito e na causa, e o mais incrível é quando um disco altera a própria realidade se fundindo a memória coletiva. Eu lembro agora de três exemplos, o Acabou Chorare do Novos Baianos, o Sobrevivendo no Inferno do Racionais MC’s e o Nó na Orelha do Criolo.”

Como acreditam que esse processo faz um artista crescer? Como observam o ritual que envolve em produzir um disco? E como enxergam o poder da conexão e colaboração entre outros artistas, e demais envolvidos, nas produções?

Graziano: “O que eu percebo é que o segredo está na dificuldade. Fazer um disco é bem difícil, e quanto mais difícil for, mais chances tem de ficar bom.”

Como enxergam as constantes mudanças de formatos, distribuição, estrutura do mercado e “modismos”?

Perdido: “Isso sempre teve a música se adaptar a novos formatos para ser mais acessível, como diria o André Midani do Vinil ao Download, que hoje seria o streaming… quem consome música sempre quis essa sensação de TER a música, o artista corre atrás, mas a maturidade faz com que o artista e o público perceba também que nem todos os formatos são para todo mundo, isso explica a volta do vinil ao mesmo tempo que ele é ignorado pela maioria.”

Graziano: “Quem preza pelo ouvido e pelo ritual ouve o vinil, quem prefere a praticidade e o excesso se conforma com o streaming, quem gostava de colecionar se ligava no CD, o cassete tem sua onda e o download assim como revolucionou já está fora de moda. O que eu acho é que as mídias físicas sempre vão retornar com novas roupagens.”

O filme, Brasa, mostra trechos do jornalista Marcelo Costa lendo releases que revelam a pluralidade do que é produzido no “Brasa” mas ao mesmo tempo na narrativa acaba dando um tom de humor ao mostrar como “vender sua arte”. A ideia era provocar mostrando o modus operandi do mercado?

Perdido: “O filme tem esses momentos surreais para ilustrar o quão fabulosa é a guerra por atenção por parte dos artistas e o quão alucinante é o trabalho de vocês jornalistas musicais recebendo muitas vezes o primeiro contato com a música através de um texto super adjetivado que tenta ser esse rabo de pavão que vai merecer sua atenção.”

Graziano: “Vender o próprio peixe quando o negócio é arte é ao mesmo tempo sublime e patético.”

Como veem a evolução do videoclipe, desde a promoção, até mesmo do menor espaço nas TVs e a transição para o foco principal ser a produção para Web? Como é o exercício de tentar captar a atenção em tempos como os nossos?

Perdido: “Nasceu como um produto de marketing para levar a canção do rádio para a TV que era uma novidade, e de lá pra cá alguns artistas usam isso como ferramenta de divulgação mesmo igual ter uma foto, outros usam esse espaço para transbordarem sua arte do som para imagem.

Hoje não existe quase mais o clipe na tv, o youtube democratizou isso o webclipe pode ser um videoletra feito no celular ou algo mega produzido no canal do kondzilla. Sobre captar a atenção se você for pelo caminho da divulgação talvez seja melhor procurar um esquema Kondzilla que já tem milhões de seguidores, se você for fazer algo artístico recomendo pensar em captar a emoção ao invés de atenção.”

Graziano: “É difícil pra mim encarar os videoclipes de hoje tendo vivido parte da juventude na era MTV, que pra mim é insuperável. Mas tirando a questão afetiva, sem dúvida a liberdade do youtube hoje dá uma riqueza de linguagem que proporciona muita obra-prima e um fenômeno também que é o videoclipe ser mais importante que a canção.”

O que acreditam que motiva em materializar um disco em tempos com tantas dificuldade em conseguir incentivos?

Perdido: “A arte não pode ficar refém dos incentivos, pois de uma hora para outra eles acabam, nos anos 90 o Brasil não produzia filmes longa metragem praticamente, todos os cineastas iam para publicidade..mas ao mesmo tempo chegaram câmeras de vídeo e a galera começou a fazer seus filmes “amadores”, essa palavra amador para filme ou música é muito interessante, pois ela quer dizer que não faz “profissionalmente” ou seja que não faz por dinheiro, toda arte deveria ser então AMADORA e receber por ela uma consequência justa do processo todo.

Eu vejo o artista independente como o artesão popular, ele faz, depois vê se vai vender, se vão gostar, mas existe um propósito na vida que é fazer.

Graziano: “Artistas que tem a arte como ofício nunca deixarão de produzir, nunca, jamais. quem é afetada pela inconstância de incentivos é a indústria, que vai e vem, mas a criação e a feitura jamais podem parar.”

Porque acreditam que músicos continuam a fazer discos, cineastas continuam a produzir filmes, escritores continuam a escrever livros, pintores continuam a produzir quadros…mesmo em meio a tantas dificuldades, expectativas e retorno financeiro?

Graziano: “Porque a vida não basta, já dizia Ferreira Gullar.”

Porque do Recorte do documentário? Qual foi o critério para a escolha dos entrevistados? Porque a escolha pela estética em P/B? No fim convenceram o Rafael Castro a voltar a produzir um disco após o filme?

Perdido: “O recorte de entrevistas foi o possível dentro de uma lista de muitos artistas que eu admiro, as gravações tinham que ser no Rio ou São Paulo e no paralelo de nossos outros trabalhos, no fim o autofinanciamento impôs essas limitações.

A fotografia e o fato dele ser em Mono era para tornar o filme anacrônico, pois a pergunta é atemporal. O Rafa contradisse seu depoimento e fez um disco que adiou o lançamento por causa da pandemia, no fim acho que é isso, é quase que inevitável para nós.”

Graziano: “O PB tem um efeito que é menos distrativo, o 4:3 idem, o som mono idem. É um doc que o que importa é o que é dito e cantado.”

Qual a motivação em mostrar os músicos cantando suas próprias canções acapella?

Perdido: “É uma forma de homenagem a canção, a voz como instrumento, muitas vezes ela nasce assim, né?

Acapella vem do italiano a forma da capela, ou algo assim, no sentido como fazemos isso dentro de uma capela, o que dá uma ideia de fé que acho bonita. E a voz que é o instrumento do artista que canta ou que conta história precisava ser o personagem principal do filme.”

Graziano: “Primeiro que alguém cantando acapella uma canção autoral é uma das coisas mais belas da humanidade, segundo que quando canta um ser humano deixa um pouco a fantasia do discurso de lado.”

Para Vocês: O que é ser independente em nossos tempos?

Perdido: “Para mim é poder investir na minha arte, sabendo que posso demorar um tempo até recuperar (ou nunca recuperar) a grana que coloquei naquele processo, porém a recompensa todas as vezes está em fazer, e depois uma segunda onda em lançar e depois uma terceira onda em receber reconhecimento por aquilo (financeiro ou afetivo)…essas ondas às vezes são tsunamis às vezes são marolas.. o mar da música é assim.”

Graziano: “É agir conforme a vontade, esta substância libertadora. Quem tem vontade de agir independe menos do meio externo, dependendo mais do próprio universo criador.”

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