Músicas de Protesto Africanas para te inspirar na luta contra o Racismo e o Fascismo

 Músicas de Protesto Africanas para te inspirar na luta contra o Racismo e o Fascismo

Nneka – Foto Por: Getty Images

Músicas de Protesto Africanas para te inspirar na luta contra o Racismo e o Fascismo

Quando se fala em música política na África, o que vem a mente? Fela Kuti? Sem dúvida, e seria uma heresia tocar nesse tema e deixar o grande líder de fora, mas, seu legado merece mais do que uma menção.

Do afrobeat ao punk rock, da coladera ao funaná, do rai ao gumbé, passando pelo soukous e o ragga, nesta edição a Hits Perdidos traz artistas desconhecidos do grande público brasileiro entre bandas, cantores, cantoras, compositores e compositoras em trabalho solo que lutaram e musicaram contra o racismo, e outras políticas conservadoras e segregacionistas, pra inspirar a tua moção de repúdio ou no caminho do protesto: bora ouvir, bora se organizar, Fight the Power.


Músicas de Protesto Africanas - Nneka
NnekaFoto Por: Getty Images

Lidaju Sisters

Emergentes nos anos 1970, as irmãs Kehind (falecida em 2014) e Taiwo Lidaju, ou somente Lidaju Sisters, durante as décadas as cantoras ficaram na obscuridade no Brasil e em outros países quando o assunto é Afrobeat e política.

Nascidas na cidade de Ibadan, terceira maior cidade da Nigéria, primas de segundo grau de Fela Kuti, as irmãs criaram um estilo próprio o AfroBeat Soul, nesta proposta utilizavam de diferentes gêneros o afrobeat, o funk, o reggae, a disco music, guitarras do rock psicodélico e órgãos – acompanhado pelo multi instrumentista Biddy Wright -, a música popular nigeriana; com músicas cantadas em Yoruba, Inglês e Ibo.

Ao todo as irmãs lançaram 5 álbuns: Urede (EMI, 1974), Danger (Afrodisia, 1976), Mother Africa (Afrodisia, 1977), Sunshine (Afrodisia, 1978), Horizon Unlimited (Afrodisia, 1979); e três EP’s\singles: Jikele – Maweni \ Lya Mi Jowo (Decca, 1969), Danger (Decca, 1976).

A Crítica Social

Em suas poesias os temas são críticas a exploração das mulheres, ao relacionamento abusivo e o machismo, a corrupção do Estado, ao mesmo tempo em que clamavam uma agitação política, é o caso da canção Abre Orere-Elejigbo – “Get out! Fight! Trouble in the streets!“.

A canção Cashing in, trazida aqui, inicia com a temática musical e os refrões em um som que alterna guitarras furiosas, para evoluir à uma viagem psicodélica e experimental do órgão, depois retornar, tudo isso, acompanhado pela problematização dirigida a pobreza e a exploração -“We’re cashing in, prostitution, yeah, we’re cashing in, revolution yeah (…) “Poverty is still a common sight“.

Lidaju Sisters “Cashing In”



Em uma entrevista de 2011 para a Fader TV, dizem elas sobre as razões da politização de seu trabalho:

A música nos ensina a fazer algo a respeito do que está acontecendo social, moral, financeiramente, espiritual e politicamente (…) Cantamos essas músicas porque eles [os políticos] não estavam ouvindo. Precisávamos de escolas, estradas, água potável. ”.

Na própria trajetória delas o fato de serem mulheres foi motivo de desconfiança de muitos homens envolvidos com o mercado da música local nigeriano, apesar disso fizeram sucesso no país e internacionalmente, apresentando-se nos jogos olímpicos de Berlim (1972) a convite de Ginger Baker e apareceram no documentário The Nigerian Pop Music Scene (1979) de Jeremy Marre, entre músicas sampleadas e turnes pela Europa e EUA.

Lidaju Sisters “Danger”

Em Danger, o punk-funk é acompanhado de um órgão carregadíssimo, e base para a dupla crítica para a corrupção do Estado Nigeriano dos anos 1970 e os relacionamentos amorosos abusivos – “clap your hands and stamp your feet, be happy“.



Angela Sibongile Makeba e Zenzile Miriam Makeba

Continuamos agora com um dos países mais representativos da luta contra o racismo, a África do Sul, e duas grandes cantoras, mãe e filha, Miriam e Bongi Makeba.

Malcolm X dispensa comentários, poucas pessoas sabem, porém, é o líder norte americano ter sido homenageado na canção “Do You remember Malcolm”, escrita e cantada em coparceria entre Bongi Makeba e Harold Nelson Lee, letrista dessa canção. A música tem o arranjo pesadíssimo no gênero soul music de George Butcher, e foi lançada no início dos anos 1970 pelo celo Syliphone (Production Sonodisc).

Bongi Makeba e Harold Nelson Lee “Do you remember Malcolm”



Tida como uma mulher de sucesso mundial, Zenzile Miriam Makeba se engajou em toda sua vida na denuncia do regime do apartheid que segregava negros e indianos de brancos, política que reafirmava através das leis e das armas a supremacia racial.

A força da resistência das músicas de protesto da Mama África

Atenta as formas de resistência de seu povo, gravou a canção popular Khawuleza, em suas entrevistas ela dizia que esta palavra era a forma como as crianças identificavam a “patrulha” policial, quer dizer, a prática racista de vigiar e punir da instituição sobre a população local. Nesta versão de um show de 1966, Makeba descreve o contexto, os significados e os usos dessa expressão, e claro interpreta-a:

Miriam Makeba “Khawuleza”



A “Mama África”, modo como foi conhecida, levou ao mundo, também, a história de líderes políticos que combateram o imperialismo no continente. É o caso da canção “Lumumba”, escrita por sua filha e lançada no álbum Keep Me in Mind (1974, Reprise) de Makeba.

Assassinado em 1961, a carreira política de Patrice Émery Lumumba, presidente da República Democrática do Congo, é marcada pela luta anti-colonial alinhada aos valores anti-imperialistas e pan-africanistas. A canção conta a história de uma mãe que homenageia seu filho com o nome do líder político esperando que ele reviva, ou seja, suas ideias, sua luta, nessa criança.

Miriam Makeba “Lumumba”



National Wake

Quando a história do Punk Rock é contada, quais bandas te vem à cabeça? The Clash, Sex Pistols, Ramones, The Damned, Dead Kennedys? Embora, a semente da banda de Punk Rock National Wake remonte ao ano de 1976, por iniciativa de Ivan Kaye, foi em 1979 que o grupo iniciou sua trajetória incluindo na formação os falecidos irmãos Gary e Punka Khosa, e Steve Moni.

Músicas de Protesto

O caráter multi racial do grupo por si já era um enfrentamento as relações segregadas na África do Sul da época. As iniciativas em se apresentar em diversos clubes e universidades e os temas de suas canções foram importantes para que o quarteto se tornasse conhecido do público e vigiado pela polícia.

Eles lançaram apenas um trabalho em 1982 com 500 cópias que leva o nome da banda, o documentário Punk In Africa (diretor Keith Jones) traz cenas desses momentos. O National Wake possuía um Punk Rock que não deixava a desejar as principais bandas ocidentais, eram sinceros, tocavam bem, possuíam uma performance virtuosa e desafiante no seu estilo, expressando-se com paixão e ódio.

A proposta musical incluíam além do punk, o reggae, ritmos percussivos e metais. Os temas de suas poesias (que eram verdadeiras músicas de protesto) eram críticas a censura da imprensa da época, a política da segregação, a violência policial e a guerra, sobretudo, eles sonhavam com um país e um mundo livres, é o caso da canção “Everybody Loves Freedom”, o título já diz por si mesmo:

National Wake “Everybody Loves Freedom”



Na canção “International News”, a poesia coloca o ouvinte diante de numa sociedade estranhada e indiferente ao apartheid – “There’s nothing wrong! Going to the movies What do I see? Going to the movies” -, para em seguida contradizer essa sensação diante da condição de insana violência policial – “I feel the bomb yeh, it grows inside me”-, e a guerra – “They sent the troops yeh into Angola They sent the choppers over the border”-.

Os temas da canção são, o dia 16 de junho conhecido internacionalmente como levante de Soweto, quando estudantes em marcha pacífica protestavam por melhores condições para escolas e foram massacrados pela polícia; e as atrocidades decorridas dos conflitos no processo de libertação de Angola.

National Wake “International News”



Nneka Egbuna

Retornando a Nigéria, considerada pela revista Time (2005) como a sucessora legítima da cantora e compositora norte americana Lauryn Hill, Nneka Egbuna hoje é uma ativista e artista de sucesso mundial, desde seu primeiro trabalho “Victim of Truth” (Yo Mama Records, 2005).

Filha de pai nigeriano e mãe alemã, devido a sua condição econômica e outros fatores, ela mudou-se para a Alemanha em 1999, com apenas 19 anos. Antes de se tornar musicista, cursou antropologia, etnologia e estudos africanos, foi nessa época que conheceu o DJ de Hip Hop e produtor alemão afegão Farhot, com quem trabalha até hoje.

Suas canções são cantadas em inglês, Igbo e Nigerian Pidgin (mescla do inglês com línguas nigerianas), ela utiliza do pop, o rap, do roots e o afrobeat, e têm por influências Fela Kuti, Bob Marley, Mos Def, Talib Kweli e Lauryn Hill.

Músicas de Protesto: As Temáticas Abordadas

Os temas de suas poesias são os danos ambientais na Nigéria, provocados pelo comércio marítimo, a exploração de petróleo e a indústria siderúrgica; a história e as condições de vida do povo nigeriano, sua experiência de vida como negra na Europa, a intolerância religiosa e o amor.

Em uma das suas músicas de protesto, “The Uncomfortable Truth”, Nneka utiliza de metáforas opostas para criticar a corrupção e a mentira de governantes autoritários – “You talk about peace, Put it in your mouth, The same mouth you use to declare your bombs” -, frente ao amor como forma de reafirmar a verdade política e a vida: “Tell me oh, please tell me that Love, ain’t what you are talking about on TV Love, ain’t what you practice it to be”, numa estética sonora influenciada pela soul music. A música, também, pode ser lida como críticas a relações abusivas.

Nneka “The Uncomfortable Truth”



Nneka, é cofundadora da Rope, projeto dedicado a incentivar jovens se expressarem com a música superando traumas de guerras, e embaixadora do Fundo de Desenvolvimento da Mulher Africana, fundação pan-africana dedicada a apoiar o trabalho de organizações de direitos da mulher na África.

A preocupação com a população do continente é o tema da canção “Africans”, também, de seu primeiro álbum, aqui ela utiliza do afrobeat, do reggae e do ragga, clamando à todos abrirem seus olhos à situação de alienação, exploração, violência e neocolonialismo que ainda vivenciam.

Nneka “Africans”



Rachid Taha

Falecido em 2018, Rachid Taha foi um compositor, cantor e ativista anti-racista argelino. Seu estilo musical mesclava o gênero Rai da Argélia com o rock. Apesar de nascido no país norte africano, a sua infância foi vivida na França, por esta razão muitas de suas poesias tem por tema a identidade político cultural argelina, as condições desiguais de trabalho, a dificuldade de acesso ao ensino e a saúde que os imigrantes vivenciavam no país, entre outros. Taha, tornou-se ao longo do tempo um militante, e em mais de uma ocasião participou de marchas anti racistas.

Músicas de Protesto: O Imigrante

A canção “Ya Rayah”, tornou-se conhecida por muitos argelinos imigrados ou não devido ao tema, o sentimento de deslocamento provocado pela imigração, história que marca a trajetória de parte da população que foi viver na Europa. Contudo, o tema e a forma, torna-a universal já que os sentimentos mais puros desta experiência foi vivenciado por todos os povos de alguma forma.

Rachid Taha “Ya Raya”



Em 2019, foi lançado seu álbum póstumo Je Suis African que é, também, o nome de uma das canções. Esta obra faz uso de sonoridades de ritmos marroquinos, da musicalidade do oeste africano e as guitarras congolesas do estilo Soukous, entre outros. A música é uma ode a unidade política do continente.

A mescla de diferentes instrumentos e gêneros musicais na mesma canção dialogam com uma poesia que traz referências à multiplicidade cultural, a condição da diáspora negra -“Je suis Africain de Paris à Bamako, Je suis Africain, du Fuji au Kilimandjaro”-, e a existência de líderes políticos africanos continentais e internacionais.

Rachid Taha “Je Suis Africans”



Os Tubarões e Super Mama Djombo

Para terminar essa viagem musical, vamos para dois países de língua portuguesa. O primeiro é o grupo musical Os Tubarões, e o segundo o Super Mama Djombo.

Os Tubarões

Os Tubarões surgiram em 1969 em Cabo Verde, antes da independência do país do julgo português, a 5 de Julho de 1975. Até 1994, quando encerram sua carreira, embora, retornaram recentemente para apresentações pela Europa, eles gravaram 7 álbuns, “Pepe Lopi e Tchon di Morgado” (1976), “Djonsinho Cabral” (1979), “Tabanca” (1980), “Tema para dois” (1982), “Os Tubarões” (1990), “Os Tubarões ao vivo” (1993) e “Porton d’nos Ilha” (1994).

São considerados inovadores da musicalidade da região ao mesclar o groove com a morna, a coladeira e o funaná. Suas poesias abordavam muitos temas, especialmente, canções de trabalho, da migração, da vida no campo, por essa razão, foram um dos grupos mais representativos da música do país no período da transição rumo à independência. A identificação popular com a banda se deve, igualmente, ao fato de o crioulo e a música terem sido utilizados pela população cabo-verdeana, além da luta armada, para mobilização e resistência a dominação colonial portuguesa.

Músicas de Protesto: Inspiração nos Panteras Negras

A canção trazida aqui é cantada em crioulo português, Labanta Braço (levanta o braço), uma referência ao modo como os Panteras Negras se manifestavam, ela integra o primeiro álbum do grupo, e é considerada um clamor e festejo da liberdade – “Levanta o braço e grita o liberdade, grita povo independente, grita povo libertado” -, faz uma reverência a data considerada dia da libertação – “cinco de julho caminho aberto para a felicidade” -, é, sobretudo, homenagem a um dos grandes líderes políticos, Amílcar Cabral -“Viva Cabral, combatente de nossa terra”, tudo isso acompanhado por um teclado que traça a linha melódica e orienta guitarra, bateria e demais instrumentos.

Os Tubarões “Labanta Braço”



Super Mama Djombo

Outro grupo musical que homenageou Amílcar Cabral foi a banda Super Mama Djombo da Guiné-Bissau. Cabral é conhecido em Cabo Verde e na Guiné-Bissau em razão de liderar o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), engajados pelas lutas de libertação nas duas regiões.

O nome da banda se refere a um espírito que militantes reivindicavam como proteção durante a guerra de independência, e essa foi oficializada em 1974, ainda que Cabral tenha falecido em 73, e indica a posição anti colonial da banda. Os próprios integrantes eram militantes antes da formação como conta Dulce Neves para a revista France 24 (2018) – “Dentro da banda, a maioria de nós, quase todos, entrou na política e em organizações clandestinas ”.

Músicas de Protesto e Revolução

As canções do Super Mama Djombo eram cantadas em crioulo português, mandinga e balanta e os temas de suas poesias eram a crítica política voltada a elite e a corrupção governamental, apesar da relação orgânica do grupo com membros do PAIGC, buscavam ainda valorizar a auto estima nacional e de identidades locais marginalizadas devido a colonização, temas esses musicalizados no gênero Gumbé que é a junção dos ritmos Tina, Tonga, Brocxa, Kussundé, Djambadon e Kunduré com guitarras elétricas.

Super Super Mama Djombo “Guiné Cabral”

Justamente, esse é o caso da canção “Guiné Cabral” que trazemos aqui, esta utiliza-se dessa diversidade sonora para homenagear aquele que foi conhecido por Che Guevara africano. Gostaram das músicas de protesto africanas?



Especiais do Hits Perdidos

Por aqui já fizemos listas dos países: Austrália (Parte 1 | Parte 2), PalestinaTurquia, PeruPaíses ComunistasHolandaCoréia do Sul, Colômbia, Artistas Africanos, Porto Rico e Espanha. Confira!

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: O conteúdo está protegido!!