Entre canções de sebos, antiquários e inspirado pelo Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, Leo Marques apresenta ‘’Flea Market Music’’.

 Entre canções de sebos, antiquários e inspirado pelo Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, Leo Marques apresenta ‘’Flea Market Music’’.

Leonardo Marques – Foto Por: Lucca Mezzacappa

Leonardo Marques lança seu novo álbum Flea Market Music

Leonardo Marques e sua Ilha do Corvo

Foi no fim de 2015, início de 2016 que abri meus olhos, ou melhor, meus ouvidos, para a música que estava sendo feita na minha cidade. Eu tinha acabado de descobrir o Mac DeMarco, Mahmed e Boogarins eram meus novos heróis nacionais e foi com muita alegria que descobri que esse tipo de música também estava sendo feita em Belo Horizonte. Passei semanas ouvindo ‘’Submarine Dreams’’, do JP Cardoso, ‘’My Way Out of Sin’’, do Henrique Cunha (que tinha acabado de sair do Câmera), e outros lançamentos da La Femme Qui Roule antes de descobrir algo que unia aqueles discos. Todos foram gravados por um tal Leonardo Marques, no estúdio Ilha do Corvo.

Eu também tinha músicas próprias, e os Mineiros da Lua estavam com um EP pronto para ser gravado, logo não demorei a ir atrás do moço que gravou minhas descobertas favoritas da época. Fiz contato e Leo me recebeu super bem em sua pequena sala na Galeria Carmo Sion, do lado do Pátio Savassi, falei da banda e mostrei algumas músicas minhas. Mal sabia eu que estava conhecendo uma peça fundamental na música alternativa de Belo Horizonte, e do Brasil.

A começar com sua participação como guitarrista na banda Diesel (posteriormente Udora), com a qual conquistou amantes de hard rock no mundo inteiro no início dos anos 2000. Passando pelo Transmissor, projeto de indie rock iniciado em 2006 que lançou, em dez anos de atividade, três álbuns (o último, inclusive, produzido pelo eterno Carlos Eduardo Miranda) até seu estado atual como compositor solo e produtor musical. Apresentações no Rock in Rio, Lollapalooza, turnês internacionais, tudo que eu imaginava de um astro da música ali na minha frente, sem soberba, em meio a aparelhos analógicos e instrumentos raros, prestando a maior atenção nas músicas que eu tocava.

Desde então gravei várias vezes na Ilha do Corvo (com os Mineiros da Lua, com o Arthur Melo e agora em carreira solo) e pude acompanhar de perto o crescimento do estúdio, que passou por duas ampliações nos últimos anos, e recebeu (e recebe) ícones do cenário brasileiro. Leo assina a gravação e produção de todos os discos do Moons, de BH, do ‘’III’’, ‘’Todas as Bandeiras’’ e ‘’V’’ da Maglore, mixou o ‘’Sim, Sim, Sim’’ do Bala Desejo e muitas outras pérolas da nova safra de música alternativa brasileira. Isso porque nem comecei a falar de seus próprios lançamentos.

Álbuns solo e Flea Market Music


Leo Marques Flea Music MarketLucca Mezzacappa
Leo MarquesFoto Por: Lucca Mezzacappa

Quando o conheci, em 2016, Leo já tinha lançado dois álbuns solo, ‘’Dia e Noite no Mesmo Céu’’ (2012) e ‘’Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas’’ (2015) dos quais destaco as faixas de abertura ‘’Acordei’’ e ‘’Se o Chão dá um Nó’’, ‘’Ele Só Vai a Pé’’ e uma versão do clássico do clube da esquina, ‘’Um Girassol da Cor de Seu Cabelo’’. Em 2018, lançou seu terceiro disco ‘’Early Bird’’ se aproximando do espectro da Bossa Nova, que combinou muito bem com seu estilo nostálgico de produção, deste destaco ‘’Ainda é Cedo’’, ‘’Não te Escuto’’ e , minha favorita, ‘’The Girl from Bainema’’. Em Março deste ano, Leonardo Marques lançou seu quarto álbum, Flea Market Music.

A tradução de Flea Market Music é ‘’Música do Mercado de Pulgas’’ e a ideia cabe como uma luva na proposta da Ilha do Corvo, que tem seu foco em aparelhagem analógica, microfones antigos e instrumentos descontinuados, muitos dos quais Leo comprou em verdadeiros mercado de pulgas.

O disco abre com ‘’Compasso do Desassossego’’, e é como acordar cedo num dia de semana. A música começa devagar, como quem se espreguiça antes de levantar da cama, a dinâmica cresce, como quem se arruma para o dia. Sopros e percussões sutis culminam num refrão envolvente. A pluralidade de timbres já antecipa a riqueza que está por vir no decorrer do álbum. A sequência é ‘’Imperfeita Exatidão’’, minha favorita do disco. Tem uma semelhança direta com músicas do ‘’All Things Must Pass’’ do George Harrison logo no começo. A letra da segunda faixa é tão tocante, fala de rotina, trabalho e o lugar dos sonhos, é especialmente emocionante ouvir uma alusão ao clube da esquina (‘’Soube que sonhos não envelhecem/ Foi tudo que eu ouvi lá de trás’’) de alguém que chegou a gravar o Milton Nascimento. O primeiro ato do disco encerra com ‘’Do Chão ao Céu’’, canção com o refrão mais marcante do disco, até aí dá pra evidenciar muitas referências de Rodrigo Amarante e Cal Tjader.

‘’Tall, Tan and Young’’ é uma faixa em parceria com o produtor japonês Yohei e é uma homenagem ao Maestro Tom Jobim, ‘’Dont need to be tall, tan and young to fall in love/ Just need the breeze, the sun and the stars to change your heart’’ (Não precisa ser alto, bronzeado e jovem para se apaixonar, só é preciso o vento, o sol e as estrelas para mudar seu coração). ‘’Anos Raros’’ carimba o meio disco, começa minimalista com voz, violão e percussão sutil, o refrão entra de surpresa com um arranjo de cordas que te carregam até o segundo verso, de volta ao minimalismo, mas desta vez aguardando a chegada do próximo refrão. ‘’Evaporou’’ traz de volta o shaker e um ritmo contínuo que passa a introdução, o verso e cai num refrão crescente,‘’Siga a estrada sem mim/ Sou o pó do pó que evaporou’’, a letra desta canção é especialmente curiosa, melancólica.

O último ato de Flea Market Music começa com ‘’Pouco a Pouco’’, uma balada com vocais evidenciados. Na faixa, além de uma bateria certeira de Felipe Continentino, há vocais soturnos de Yannick Falisse em francês, que se assemelham a passagens poéticas de canções de Serge Gainsbourg. ‘’Nas Águas de Um Sonho’’ retoma o ritmo de ‘’Anos Raros’’ para terminar o disco em território conhecido, com passagens de banjos e steel guitars. A saideira, ‘’Em Meio a Timidez’’ mistura arranjos de cordas com um ritmo percussivo um pouco mais acelerado e encerra um dia musical num mercado de pulgas com a frase ‘’Nem tudo se perde’’.

O álbum todo carrega um tom nostálgico nos timbres, característico da produção de Leonardo Marques. As letras são todas inspiradas no ‘’Livro do Desassossego’’ de Fernando Pessoa e carrega questões filosóficas, reflexões e retratos da condição humana. É um disco para se escutar muitas vezes e reparar em algo novo a cada audição, fruto de um produtor cuidadoso, e também um compositor de mão cheia.


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