Thiago Nassif faz a trilha sonora da era da pós-verdade política em “Mente”
Uma mente em rotação…em busca por novas frequências e experimentações. O novo álbum do Thiago Nassif ironiza até mesmo o conceito de tentar se encaixar para agradar um público. Na sombra ainda tem a fase de Berlim de Bowie, a produção do icônico Arto Lindsey, diversas colaborações, um magnetismo e um espírito sem amarras de uma mente pulsante.
Passeia por estilos da mesma forma que apresenta cenários e perspectivas. Tem política, tem drama, tem contornos, experimentalismo e uma mistura interessante que vem para agregar. Ritmos como o No-Wave, Música Eletrônica, Tropicalismo, Jazz e Rock, Funk Carioca e a Bossa Nova acabam se fazendo presentes em seu quarto álbum, Mente.
O cartão de visitas para o novo disco foi o videoclipe para o single “Soar Estranho” em que teve a companhia de amigos como o cinegrafista Geraldine Paztor, Jonas Sá, o guitarrista Pedro Sá (e seu filho, Nino) e a cantora Luiza Casé.
O clipe integra o álbum que está sendo lançado hoje pelo selo inglês Gearbox digitalmente e também em LP e CD. Já a faixa contou com Vinicius Cantuária (O Terço, Bill Frisell, John Zorn) na bateria e Ricardo Dias Gomes (Kill Shaman, Caetano Veloso) no Minimoog.
Thiago Nassif Mente (2020)
A pós-verdade de um Brasil que navega em Trevas onde ser otimista é um desafio diário, escancara de maneira plástica estes caminhos tortos que essa estrada foi nos levando. Ele também não tem muitos problemas em lidar com a facilidade de trocar de idiomas e mistura faixas em inglês e em português. De São Paulo, ele vive já tem algum tempo na capital carioca.
Sobre a escolha do título o músico até brinca:
“Eu escolhi esse nome principalmente pois o português é a única língua que conecta duas possibilidades semânticas: pensando e mentindo. E também porque agora estamos vivendo em uma era da pós-verdade política, onde o Brasil no momento está no topo das paradas neste movimento.”, conta Thiago Nassif
Mente em Rotação
“Soar Estranho” tem o papel através de sua sonoridade pós-apocalíptica eletromagnética de abrir os trabalhos fazendo a ponte entre a NO-Wave e o universo de filmes futuristas.
Com backin vocals açucarados, a faixa passeia pela fase alemã de David Bowie. Ela transgride da mesma forma que o rapper Edgar faz só que a sua maneira, misturando ritmos, códigos, linguagens e idiomas. Não é nada linear. É como se uma imensidade de vozes ecoassem em sua mente…em uma verve titânica de ser.
Em “Pele de Leopardo”, o funk e o groove ganham o ritmo da pista. Ao mesmo tempo que traz um lado cabeçudo – e robótico – um tanto quanto DEVO e Kraftwerk, ela apresenta o piano e versos escorregadios. Uma faixa para se deixar levar em meio a falha no sistema.
A bossa nova eletrificada fala mais alto em “Voz Única Foto Sem Calcinha”. Trazendo provocações, diálogos e a natureza política e social de nossos estranhos tempos. Subvertendo a arte pela forma através dos contornos e dos cenários cariocas.
“Plástico” acabou entrando em nossa lista de Melhores Singles do Semestre e continua na sua linha tênue entre crítica social e as metáforas envolvendo nosso uso do plástico. Você pode entender ela de mais de uma forma e aí que mora a sua genialidade. A percussão e os arranjos também se destacam na música que ao mesmo tempo que te chama para dançar….te desconvida.
“Feral Fox” também absorve a linguagem apocalíptica de Ava Rocha, Tantão e os Fita e Maria Beraldo em virar a chavinha para a abstração. Na letra até mesmo Hendrix é citado e o cenário é caótico….feito uma grande queda.
O Lado B do LP
O lado B começa com “Trepa Trepa”, uma das mais experimentais do registro. Parece até simular as batidas de um coração e utilizar os vocais como mais um instrumento dentro da faixa. “Transparente” mostra o clima de mistério, e tensão, desde sua primeira nota. Cresce aos poucos e tem toda a energia de trilha sonora de filme, mais uma vez a inspiração na era de Berlim de Bowie ganha novos contornos.
Depois da mais longa canção do disco vem a mais rápida e eletrificada, “Cor”. O piano se choca com os sintetizadores criando imagens visuais e a coragem pela luta acaba ainda mais clara. Coração, Coragem, Ação, Corporação, Combate, Fúria, Caos, Desunião e Apocalipse acabam entrando como elementos da sua sagaz narrativa.
A penúltima faixa “Rijo, Jórra, Já” traz diferentes caminhos e narrativas como se estivéssemos num limbo, ou espectro, de tempo diferente. Algo que séries como Dark e Stranger Things abraçam dentro de suas narrativas atemporais. O portal se abre para diversas sensações, ações e reações sejam invocadas. É o antever, e a consolidação, do retrocesso.
Quem fecha é “Santa”. Robótica, pulsante e até mesmo toma emprestado elementos do Funk Carioca, Samba, Jazz, No-Wave através das suas diversas colagens. Uma trilha sonora de um futuro que certamente não estamos prontos para viver…como podemos enxergar em universos de discos como Pq (2019) de Saskia.
O álbum definitivamente já é um dos Melhores Álbuns Nacionais de 2020.