Apeles se arrisca nas garras da noite no globalizado e complexo “ESTASIS”

 Apeles se arrisca nas garras da noite no globalizado e complexo “ESTASIS”

Apeles – Foto: André Dip

Um disco pensado, idealizado, desenhado, divulgado aos poucos e que encerra uma trilogia. Longe de ser pretensioso, mas com características globais. É esse o sentimento que ESTASIS parece ter sido esculpido. Eduardo Praça, conhecido por seus projetos da cena independente paulistana, Ludovic e Quarto Negro, assumiu a alcunha de Apeles em 2017 quando trouxe ao mundo o álbum de estreia solo, Rio do Tempo.

Após isso veio o Crux (2019) e quase quatro anos, entre uma pandemia, e muitas trocas com o produtor e amigo de longa data Hélio Flanders (leia entrevista), do Vanguart – e também escritor – que de certa forma ajudou a criar a narrativa, visto que seu livro, dialogava bastante com o conceito que o músico paulistano gostaria de passar com ESTASIS.

Para sua jornada ganhar ainda mais sotaques, choques culturais e ruídos, Apeles convidou artistas de diferentes cantos do mundo, incluindo Itália, Coreia do Sul, Reino Unido, Argentina, Grécia e Brasil, para colaborar em torno do conceito de um clube noturno imaginário de mesmo nomes.

As Narrativas de ESTASIS

ESTASIS ainda ganha uma narrativa audiovisual que conecta as histórias de forma sutil com direito a vários clipes, dirigidos por Daniel Barosa e José Menezes, gravados em Super 8, e lançados ao longo de um período de quase um ano. O que faz com que a absorção de um disco conceitual seja gradual, sem perder o choque de dar o play quando as peças do quebra-cabeça enfim se conectam.

Na parte de referências, além das suas raízes roqueiras, a música eletrônica, entre seus diversos gêneros, acaba ganhando mais corpo nesse trabalho. A narrativa transmídia faz o elo entre música, poesia, audiovisual e o campo da boemia, da dor, passando pela solidão, agitação, angústia, às transformações mundanas. Tudo se entrelaça.

São várias camadas que tem como ele, sua figura e suas experimentações artísticas como centro, mas que não se limitam as suas experiências pessoais em sua jornada. Um disco solo, mas muito coletivo, do começo ao fim. E talvez por isso tenha tantas camadas, silhuetas, valsas e suor despejado.

Do La Femme ao LCD Soundystem, da house music a moda de viola, da dance music ao rap da Eritreia, dos Talking Heads ao techno, do Pink Floyd ao Wilco, tudo se conecta em uma frequência bastante particular.


Capa - Apeles - ESTASIS (2024)


Apeles ESTASIS

Conversamos com Eduardo Praça, aka Apeles, que conta mais detalhes sobre o encerramento dessa trilogia para lá de distópica, confessional, dançante e com alma noturna.

Esse é o seu projeto mais global e também um dos mais espaçados até aqui, em termos de maturação e divulgação, como foi a construção de todas essas camadas?

Apeles: “Definitivamente o mais global! Quando comecei a desenhar o que seria o álbum, tudo sempre partiu do princípio que ele seria descentralizado em mim, queria contemplar e desfrutar de todos os encontros maravilhosos que esse disco me trouxe, a ideia de fazer 9 singles do álbum funcionou muito bem por que cada faixa tem um personagem diferente, sonoridade diferente, idiomas, seria injusto escolher só algumas.

Foi a primeira vez que fiz isso, nunca tinha lançado mais de 2 ou 3 faixas antes do álbum. É trabalhoso, mas estou muito satisfeito e feliz de ter a mesma exposição pra cada faixa. Agora com o álbum vem “Fragment”, com a cantora francesa Chewy She!”

A iconografia e a produção de videoclipes sempre foi algo impactante e importante dentro da sua estética e linguagem. Neste projeto cada vídeo parece ter uma linguagem, apesar da sua própria história, se conecta visualmente ao anterior através das lentes Super 8, algo um tanto quando dreamy e lo-fi, conte mais sobre isso.

Apeles: “Sempre tive esse carinho estético mesmo, às vezes até demais! Queria que o disco/lugar ESTASIS fosse atemporal, embora o Super 8 seja um formato mais antigo, entre todos os outros eu acho que é o que mais me passa a sensação de nostalgia. Queria que o álbum habitasse os lugares que o ouvinte quisesse.

Somados aos Super8 brilhantemente dirigidos por Daniel Barosa e José Menezes, o músico e amigo Hélio Flanders (Vanguart) fez comigo essa direção artística conceitual do disco, então cada vídeo acompanha um personagem que frequenta o Estasis e Hélio escreveu os mais brilhantes versos sobre cada um deles, uma honra enorme.”

Aliás, tem artistas de diferentes cantos do mundo, como isso aconteceu? Teve algum artista que bateu na trave de entrar ou que algum dia gostaria muito de colaborar?

Apeles: “Queria muito brincar com as sonoridades e isso não passa só pelos instrumentos, o idioma é muito poderoso em sua fonética, causa uma estranheza gostosa de desbravar. Também quis que a música pudesse chegar fora do eixo do rock alternativo, casos como a artista grega Lena Platonos que é uma lenda da música experimental/eletrônica dos anos 70 grega, nunca imaginei ouvir alguém declarando um poema em grego, mesmo caso do duo Coreano HAEPAARY, que abre o disco.

A gente conversou com muita gente durante o processo, foram 4 anos de “scouting” e contatos, indo desde amigos de amigos à completos desconhecidos. Alguém que bateu na trave foi a pianista e compositora polonesa Hania Rani, da qual conheci por que ela postou uma música minha em 2020 e ficamos amigos virtuais, daí em 2023 a convidei pra cantar algo em polonês no álbum, ela prontamente aceitou, mas foi impossível de conciliar a agenda dela com estúdio e acabou esfriando, quem sabe na próxima :).”



Em termos de sonoridade, esse está mais eletrônico do que nunca. Como foi a pesquisa nesse sentido?

Apeles: “Verdade, boa parte do álbum puxa pra música eletrônica, ou até diria mais pra algo de disco music do fim da década de 70 que já estava muito mais para baterias eletrônicas e sintetizadores do que propriamente uma banda. O produtor do disco Thiago Klein, meu parceiro de Quarto Negro, tem uma escola na música eletrônica, então foi um caminho bem natural.

O show está um pouco mais orgânico, tem uma banda completa tocando os arranjos. Esse vai ser um grande desafio porque a pesquisa passou por formatos que geralmente não toca-se ao vivo, mas estamos montando algo híbrido lindo pra apresentar na turnê, que irá tocar o álbum na íntegra nos shows.”

Como se sucederam às trocas com Helio Flanders na produção ao longo do processo? Teve algum fato curioso ou história inusitada na produção?

Apeles: “Hélio é um grande amigo há quase 20 anos e a parte de “Clérigo” do meu primeiro disco, ainda não havíamos trabalhado de forma mais profunda juntos.

Durante a pandemia ele lançou seu livro “Manual para Sonhar de Olhos Abertos” do qual fiquei fascinado e devorei em 2 dias. O livro conta a história de vários personagens e tinha absolutamente tudo a ver com a minha ideia de um disco club fictício, então só juntamos as peças e começamos a escrever. Helinho teve um processo muito espontâneo na escrita dos textos, basicamente eu enviava o clipe dias antes de lançar, ele escrevia o texto na hora, não tinha nada planejado, o que me rendeu bons risos de alegria, todos os textos são brilhantes!”

Como está sendo o processo de construção do espetáculo? O que planeja na cenografia para dialogar com esse conceito tão poético e audiovisual da narrativa?

Apeles: “Ideias não faltam, agora estamos tentando viabilizar a turnê com uma estrutura que seja de acordo com nossa realidade. No próximo dia 27 de julho faremos um show/ensaio aberto pra testar a estrutura do repertório, em um mundo ideal queremos trazer os super 8 pro palco, figurino de época, luzes, etc.

Ainda é um pouco cedo pra ter tudo operando, mas o que mais quero é trazer o meu mundo particular de ESTASIS para todos os espectadores, que seja um lugar a ser frequentado e não apenas um show. Veremos o que será possível!”.

Quais são as suas faixas favoritas do disco e, por quê?

Apeles: “Gosto muito de todas a sua maneira, mas tem algumas que envelhecem cada vez melhor, no sentido de canção acho que “Pax, Patz, Paz” tem uma estrutura harmônica nova na minha carreira, fiquei muito orgulhoso de escrevê-la.

“Ossos em Chamas” também creio que carrega uma das minhas melhores letras. No lado mais eletrônico do álbum, creio que “Fragment” é irresistível e envolvente, pergunta das mais difíceis e elas vão envelhecendo de formas distantes, é um processo muito gostoso!”



Uma trilogia se encerra por aqui, como sente que os três discos dialogam e como vê o encaixe desse capítulo final? Já está pensando no que vem pela frente criativamente?

Apeles: “Penso parecido, é um ciclo se fechando de Apeles, o que não quer dizer o fim de qualquer coisa, mas é definitivamente o fim do processo de maturação da minha estética. Foram muitos anos no estúdio, no caso 4, a pandemia que tirou todos os artistas dos palcos teve um impacto muito grande.

Por hora estou obcecado em voltar a tocar o máximo possível, em todos os formatos, acho que o criativo agora passa justamente na pergunta anterior, como trazer a atmosfera do álbum para os palcos. Não vejo a hora de levar o álbum para todos os lugares possíveis.”

Ficha Técnica ESTASIS

Produção: Apeles, Thiago Klein
Mixagem: Thiago Klein
Master: BTG Studio
Estúdio: Havok Lab, YB/Matraca
Engenharia: Apeles, Thiago Klein, Fernando Rischbieter, Pedro, Roberto Kramer, Zeca Leme, Heitor.
Direção Musical: Apeles, Helio Flanders
Músicos: Apeles, Thiago Klein, Leo Mattos, Lucas Gonçalves, Guilherme de Almeida.
Direção Gráfica: Izabel Menezes
Selo: Balaclava Records


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