A magia da atual safra de música instrumental brasileira é exatamente a de conseguir dizer tanto através de suas densas texturas e camadas. O mérito também está em aliar também todas as perturbações do dia-a-dia a cultura pop para enfim conquistar um resultado belo.
Muitas vezes as inspirações vem dos lugares pouco pensados. Desta vez em Elã os pernambucanos da Kalouv partiram para o universo gamer. Isto fica claro desde o primeiro single – “Moo Moo” que faz uma verdadeira homenagem as trilhas de videogame.
A faixa tem traços de várias épocas de Game Music. Seja de clássicos como a Donkey Kong Country e “Slow Moon” de Streets of Rage 2, até coisas mais recentes como as trilhas de Machinarium, Dungeon of the Endless, Hotline Miami e FEZ. Isso estendeu pra o vídeo, que brinca com imagens de jogos do Super Nintendo, como Harvest Moon e Chronno Trigger.
Isto claro ia se refletir no criativo e divertido clipe para a faixa lançado no dia 11/10.
“O clipe com o Kalouv segue bastante a estética que uso nas minhas projeções. Eu sempre faço coisas com o glitch e o clipe vem dessa busca por novas formas de desconstruir imagens – como sempre gostei muito de videogames, fazer algo relacionado a esse universo funciona como uma homenagem a essa forma de arte”, diz o diretor do clipe Rollinos
Rollinos é VJ e projetista para bandas independentes do Brasil e assinou os últimos dois trabalhos visuais do Boogarins, banda que acompanha na estrada desde 2017.
Prestes as subir no palco do festival No Ar Coquetel Molotov – que acontece no sábado 21 em Recife – o grupo lançou nesta quarta-feira (18) seu terceiro álbum de estúdio, Elã, através do selo independente Sinewave Label.
Desde 2010 na ativa o grupo é uma das grandes referências da nova safra de música instrumental do país tendo na bagagem excelentes discos como Sky Swimmer (2011) e Pluvero (2014). No ano passado o single “Peixe Voador” até entrou na lista de 100 Hits Perdidos de 2016.
O álbum conta com a produção de Bruno Giorgi e o trabalho só foi possível graças aos fãs que participaram através de uma campanha de financiamento coletivo no Catarse. Esta que ultrapassou a meta inicial. O disco foi composto entre dezembro de 2016 e março deste ano no Sítio Santa Fé, em Carpina, interior de Pernambuco.
Inclusive esta é a cidade natal do quinteto formado por Basílio Queiroz (baixo), Bruno Saraiva (teclado), Saulo Mesquita (guitarra), Túlio Albuquerque (guitarra) e Rennar Pires (bateria).
Para dar caldo ao disco e misturar as novas influências eles convidaram uma série de artistas para intervir na obra: Sofia Freire, Yukio (Hugo Noguchi), RØKR (Roberto Kramer). Cada um trouxe a sua perspectiva e deu a sua personalidade a cada faixa.
Neste processo também podemos incluir a mão do produtor, Bruno Giorgi, que crava intervenções através da mixagem nas faixas “Moo Moo” e “O Escultor”. Ele que além de produtor é o responsável por toda a parte de engenharia de som (gravação, mixagem e masterização). Anteriormente ele já havia trabalhado com artistas como Vitor Araújo, Chão e Lenine.
Durante o período de imersão no Sítio Santa Fé (PE) eles passaram a flertar mais com sintetizadores, pianos e riffs menos prolongados como costumavam fazer nos álbuns anteriores. Quem já pode ouvir estes sabe que eles descem a mão no post-rock e se sentem a vontade usando pedais de distorção.
Quem também participou do processo foi a designer paulistana Thais Jacoponi que além de assinar a bela capa do disco ainda é responsável por todo o merchandising do grupo.
A pré produção aconteceu no Sítio Santa Fé, entre dezembro de 2016 e março de 2017. A gravação aconteceu no Estúdio Casona (Jaboatão dos Guararapes/PE), em abril de 2017. Já as gravações adicionais ocorreram entre maio e setembro de 2017 por Bruno Giorgi no Estúdio O Quarto (Rio de Janeiro/RJ), Roberto Kramer no Estúdio CODA (Jaboatão dos Guarapes/PE) e Hugo Noguchi no Estúdio Boca da Mata (Rio de Janeiro/RJ).
Kalouv – Elã (18/10/2017)
A ambiência e as experimentações merecem destaque ao longo de seus 50 minutos. Estas que dão corpo e tiram a banda de sua zona de conforto do post-rock. O universo de possibilidades é mais vasto e eles não se acanharam em procurar mais referências externas para criar algo novo dentro de sua proposta de som. As influências do disco vão dos HQ’s passando pela Vaporwave, videogames e post-rock mas isso não quer dizer que o disco se limita a apenas a isto.
O álbum se inicia com “Pedra Bruta” esta que conta com a participação da Sofia Freire. Ela que é cantora e pianista de Recife – tendo lançado em 2015 o disco Garimpo (Ouça no Spotify).
Segundo a banda a canção tem muita influência da música oriental, consigo ver também uma áurea do pop dos anos 80 de grupos como A-ha. Os recursos são vastos além do piano temos as palmas que pela primeira vez na história da banda auxiliam na percussão.
Ela tem uma calmaria e destila suas linhas de guitarra de maneira matemática. Mesmo que não seja um math-rock propriamente dito sua construção para chegar no seu ápice é de certa forma progressiva. Tudo isso de maneira que o peso da “Pedra Bruta” vire poeira cósmica no ar.
Como já dito anteriormente na resenha, “Moo Moo” transcende por universos imaginativos e paralelos do vaporwave aos jogos de Super Nes. Tanto que conseguirá agradar de um fã de Mac Demarco a um amante dos jogos Ocarina Of Time do Zelda.
Ela começa leve e vai ganhando elementos que criam na mente do ouvinte estas muitas dimensões. A natureza de uma floresta encantada cheia de possibilidades e obstáculos em 16-bits para serem destroçados, feito um cenário de Minecraft.
Os 5 minutos e meio de canção acabam por si só passando rápido por conta de suas perspicazes transições e guitarras “derretidas”. Tanto é que a percussão ganha bastante terreno junto aos sintetizadores. O recurso dos delays também deixa a atmosfera ainda mais densa parecendo por certas horas um dub jamaicano. O interessante é misturar post-rock com sintetizadores oitentistas e os detalhes sinfônicos dos jogos de videogame.
“Máquinas”, favor não confundir com a ótima banda cearense Maquinas, já é uma canção mais “torta” e cheia de experimentações. Tem um lado de experimentar funk/jazz e downtempo aliado ao interessante recurso dos pianos que criam aquele tipo de atmosfera que gostamos de ver nos principais nomes do post-rock mundial como o Mogwai e o Sigur Rós. Os efeitos de space-rock também nos deixam flutuando. É uma das canções mais ousadas do disco, arrisca sem medo de errar.
Uma curiosidade fica por conta de exatamente o nome da canção ser uma homenagem ao grupo cearense. A banda conta que eles se conheceram durante uma turnê e isso criou uma proximidade como comenta o guitarrista Túlio:
“Tocamos com eles no ano passado e desde lá ficamos muito próximos. Eles colocam muitos acordes “tortos” nas canções e assim que apareceu um durante a composição dessa faixa, decidimos fazer a homenagem”
Assim chegamos a faixa título. Outra que conta com a parceria com Sofia Freire. Nesta os pianos ganham sim protagonismo desde sua introdução. Ela também experimenta o fato da ambiência, sim ela parece ter uma preocupação muito presente na ópera e no jazz que é a de criar uma tensão que paira no ar entre uma calmaria e outra.
Gosto bastante de como a percussão consegue transparecer esse fatos “raivoso” e “aflitivo” que “Elã” carrega em sua sinfonia. Em certo momento por exemplo ela consegue te passar uma sensação forte de vazio, tristeza e libertação. Isso que fica muito marcado no cantarolar de Sofia que acompanha a melodia.
Um fato curioso é justamente a origem do nome do disco que o guitarrista frisa que nasceu durante o processo de pré-produção:
“Um dia, durante a composição dessa faixa, fomos surpreendidos por gritos do caseiro, Manoel, chamando os cachorros do sítio. Lá de longe ouvimos um “Vem cá, Elã! Elã!”. Era o nome de um deles. Achamos muito curioso que o cachorro tivesse esse nome e ficamos com isso na cabeça, colocando o título provisório da faixa. Chegando em Recife, paramos pra pensar nisso tudo e no significado da palavra. “Movimento súbito, espontâneo; impulso. Emoção, calor, vivacidade. Entusiasmo criador; inspiração, estro. Movimento afetuoso, expansivo”. Tudo isso representava muito o momento que estávamos vivendo. E desde lá começamos a chamar esse projeto de Elã. E assim ficou” – comenta o guitarrista Túlio.
A quinta-faixa do EP é “Hotline Miami” segundo a banda estava praticamente pronta antes mesmo da pré-produção. E mais uma vez o universo dos filmes, videogames e séries ganha destaque. Jogos como GTA, filmes como Miami Vice e séries como Stranger Things fazem parte da inspiração para a faixa que carrega no ar um tom enigmático e muita disrupção.
Roberto Kramer que comanda o projeto RØKR também procurou elementos que conversassem com a temática tão anos 80 desta faixa trazendo segundo eles elementos como os do Daft Punk. Com certeza temos um amplo estudo de trilhas sonoras interessantes na faixa, quem acompanha o trabalho de Ennio Morricone sabe bem do que estou falando.
Quem sabe se este disco fosse lançado alguns meses para sempre a trilha de Mr. Robot e Blade Runner 2049 não pudessem dar ainda mais recheios para esta canção. O flerte com a cultura pop realmente dá um charme a faixa que consegue viajar por outros planos.
Foi só falar em Blade Runner que a seguinte já chega com ares futuristas e muito mistério no ar. Me lembrando muito a saga Matrix. “Depois do Escuro” tem requintes de mistério, sagacidade, volume, constância e guitarras ligeiras. Mais uma daquelas que abraça o universo dos videogames e a áurea oitentista. A explosão da bateria também me remete bastante a grupos como Explosions In The Sky e Toe. A curiosidade desta vez fica por conta do nome da faixa:
“O pai de Basílio foi gerente do local e nos contou muitas histórias sobre as noites dessa época. Isso acabou ficando no nosso imaginário e bateu com todas referências estéticas da faixa” – conta Túlio.
Outra canção com dedo do produtor do disco é exatamente a seguinte, “O Escultor”. Esta que mais uma vez a mixagem deu novos ares. Muito disso por conta dos delays e experimentações. Os noise, glitches e texturas me lembraram bastante o clássico álbum OK Computer do Radiohead e talvez seja por aí mesmo a viagem eletromagnética que te transporta para algum cenário tenso de Arquivo X.
A canção até gera uma indicação de literatura geek, já que o universo de um famoso HQ reverbera:
“A inspiração direta para o título é a de um quadrinho homônimo, do americano Scott McCloud. A narrativa traz muitas reflexões existenciais e acaba dialogando intensamente com quem trabalha com arte. Isso ocorre na HQ através da história de David Smith. Ele faz um pacto com a morte, onde troca a vida pela habilidade de criar esculturas com as próprias mãos, moldando qualquer tipo de material. Daí surgem inúmeros paradoxos que nos fazem pensar sobre o processo criativo e a definição do que é arte, do que define um artista. Vale demais a leitura” – indica o guitarrista.
Este momento já próximo do fechamento do disco mostra que os HQ’s estão em alta no campo imaginativo e de consumo dos pernambucanos. Esta que se chama “Rei Sem Cor” e parece viajar por campos da mente onde moram o medo e a autodescoberta de sua essência.
O título segundo os membros da banda foi inspirado no quadrinho Ye, do brasileiro Guilherme Petreca. A fábula conta a história de um menino que foi tocado pela chaga do Rei Sem Cor. A jornada dele na procura pela cura tem uma riqueza simbólica fantástica, trazendo reflexões sobre o processo de amadurecimento e a capacidade de enfrentar os próprios fantasmas.
Algo que novamente é percebido e se repete pela terceira vez no disco é a procura por melodias do oriente. Para nintendistas isso será mais que um convite para apreciar a obra. Apenas feche os olhos, ponha sua imaginação para viajar e mergulhe no universo de sua imaginação. Consigo imaginar até o álbum virando trilha sonora de algum jogo de Oculus Rift (realidade virtual).
A densidade do disco só poderia desembocar mesmo em uma faixa como “Mergulho Profundo”. Esta que tem a missão de fechar o álbum de uma forma intensa e plástica. Este mergulho tem a co-produção de Hugo Noguchi (Ventre, SLVDR, Posada e o Clã), que ajudou trazendo novos ares para a canção.
Tudo seguindo a linha do que ele faz no seu projeto solo, Yukio. Os samples e o noise são marcantes e de certa forma a canção consegue emanar a energia da calmaria após o apocalipse. Fãs de trip-hop e post-rock irão se deliciar com as experimentações e imprevisibilidades das transições da faixa. Feito uma batida de coração parando o álbum se encerra.
O terceiro disco dos pernambucanos do Kalouv, Elã, é carregado de excentricidade, notas matemáticas, viagens cósmicas e passeia pelo universo gamer, geek e da cultura pop. O campo das séries, das trilhas sonoras, HQ’s, filmes e séries servem de base de sustentação para o processo criativo.
As parcerias também fazem as peças do quebra-cabeça se encaixarem feito um plot twist. Tem audácia, tem coragem, tem experimentalismo, tem jazz, tem post-rock, tem tempo quebrado, sintetizadores, violência, calmaria e coração. Ouvindo o disco eu só consigo pensar: quando é que esse disco vai ser adaptado para uma trilha sonora de videogame?
This post was published on 19 de outubro de 2017 1:02 pm
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