O nome de algumas bandas traz bastante da identidade de seu som. Um caso clássico é o da banda dinamarquesa, Iceage. Este que carrega as trevas e o medo pelo obscuro, artifícios que se traduzem no som que mescla punk rock, noise rock e  post punk.
Como não atrelar dor, culpa e sofrimento em nomes como Joy Division após saber do que se trata o tal do “Joy Division” na verdade?
O Public Enemy por exemplo exala sua ânsia por mostrar seu engajamento político desde o “dia um”, o mesmo acontece com o Rage Against The Machine. Outras bandas já trazem o aspecto sonoro à frente do seu nome como o caso dos garageiros sublimes do The Sonics e do caos – e pesadelo – sonoro do Sonic Youth.
E talvez o nome da banda que falaremos hoje tenha um tanto quanto isso materializado em seu DNA. A mescla entre o rígido e impetuoso inverno se contrastando com a atmosfera das viajantes ondas do rock psicodélico. Iremos falar sobre o Winter Waves, do Rio De Janeiro.

Winter Waves (da esquerda para direita): Renan Cortez (Baixo / Backin Vocals), Iza Martuchelli (Bateria) e Jeff Augusto (Guitarra / Vocais). – Foto: Divulgação

Talvez a primeira coisa que tenha sentido ao ouvir pela primeira vez o trabalho da Winter Waves foi uma sensação de caos calmo. Sim, é uma banda que parece se preocupar com a atmosfera do som por completo. Me senti anestesiado após ouvir potentes faixas como “Glass” do mais recente trabalho, Bee and Bee, lançado no último mês de setembro pelo selo independente TBTCI.
Outro fato que me chamou a atenção foi a mescla do moderno com o antigo. Mas não com aquela obrigação de ter que soar antigo ou vintage que alguns discos tentam te enfiar pela guela. Algo um tanto quanto natural, é como se tudo que estivesse no horizonte servisse como ferramenta ao alcance para a viagem cósmica atemporal que conseguem transmitir.
Acordes mais robustos se chocam com dedilhados mais suaves de maneira simples. O ouvinte por diversas vezes se vê relaxado ao ouvir os derretidos solos de guitarra. Experimentei realizar a audição do disco durante uma caminhada e de certa forma consegui por alguns instantes: esquecer dos problemas da vida mundana. Uma experiência um tanto reconfortante que os convido a fazer o mesmo.
Bee and Bee é um álbum para ser dissecado em camadas. Afinal de contas ele viaja pelas ondas da neo psicodelia, flerta com o rock progressivo, carrega a cartilha do rock experimental, dança ao som da tropicália de uma maneira um tanto quanto moderna e lo-fi. Se antes falamos sobre identidade, ao saber que a banda é carioca: as peças do quebra-cabeça se encaixam.



Bee and Bee que pode ser lido das mais diferentes formas Be and Be, feito um zumbido ou da maneira mais poética possível. Como a própria banda comentará na entrevista a interpretação do disco é aberta. Assim, cada ouvinte conseguirá ter uma experiência única ao longo da audição. De qualquer forma como dito anteriormente, o disco foi oficialmente lançado no dia 19 de setembro pelo selo The Blog That Celebrates Itself (TBTCI).
O álbum de estreia veio após o EP Blue Memories lançado em fevereiro de 2015. Ainda antes do primeiro disco cheio eles participaram do tributo Kill your idols – A brazilian tribute to Sonic Youth, onde fizeram uma releitura da música “Diamond Sea”.
A coletânea ainda contou com nomes conhecidos dos leitores do Hits Perdidos: Loomer, Color For Shane e 3ÉD+ (atual Videocassetes) – que participaram do O Pulso Ainda Pulsa – Travelling Wave, Mudhill, Lava Divers e The John Candy.
O Disco
Para abrir o disco – feito uma peça de teatro onde as cortinas são levantadas lentamente para o espetáculo – temos a introdução da curta canção, “Medusa”. Que soa como se estivéssemos perdendo o contato com um astronauta na órbita de marte.
Assim abrindo caminho para “Glass”, uma faixa atmosférica que mostra a delicadeza entre o peso e a distorção. Não é à toa que a faixa foi escolhida entre os 100 Hits Perdidos do Indie Nacional 2016 em lista organizada pelo Hits no Spotify. Aliás, sigam o perfil do Hits Perdidos por lá pois em breve teremos mais novidades.
Mas voltando a faixa, ela carrega um groovy logo em sua introdução que flerta com o jazz de certa maneira. O interessante é exatamente isso, a cada quebra, parece que feito um camaleão: a canção se transforma.
Bebendo do rock psicodélico uma hora, outrora indo em direção do rock progressivo. A balada vai se embriagando de acordes levemente colocados camada sobre camada. Em sinergia, a catarse sonora entra em ebulição em seu minuto final: onde a viagem ganha elementos mais pesados e experimentais. É claramente um Hit Perdido!
“Cycle” já mistura acordes dançantes com o groovy jazzístico extendendo o braço para uma psicodelia lo-fi um tanto quanto raw. A bateria dita o ritmo quebrado e dá toda energia e vitalidade. Servindo como combustão para o experimentalismo. O zumbido da guitarra – lá pelo segundo minuto – me leva a crer que daí que vem o nome do disco. Porém como disse antes: são só teorias de um ouvinte viajando pelas frequências magnéticas do disco.
“Sleep Away” soa como um rock britânico moderno, não esquece da levada psicodélica mas tem em seu vocal efeito de delay que podemos ver em bandas de post-rock e post-punk atuais. A guitarra soa como um teclado em determinado momento e me faz acreditar que a faixa poderia fácil entrar na trilha da nova temporada de Twin Peaks – que deve sair no começo do ano.
Já “Way Out” te convida para bailar logo em sua introdução. Com fuzz e fade, a canção trata de derreter e congelar o tempo. No refrão ela fica um tanto quanto fantasmagórica feito um rock progressivo setentista – típico das bandas holandesas – mas é apenas um flerte.
O que não tira o brilho da atmosfera alucinante da canção. São 5 minutos de teletransporte para outra época, outra dimensão. É puro êxtase e tem uma carga cármica um tanto quanto elevada, feito uma viagem com apenas o ticket de partida. É como se estivéssemos cruzando o purgatório e observando todas aquelas almas penadas subindo na barca sem saber muito bem o que lhes espera.

E se a anterior serviu como purgatório, a próxima é a porta (“Door”). Feito um portal a faixa se inicia pedindo passagem e relata as experiências cósmicas de cruzar a filosófica porta. Será a passagem para outra dimensão?
O ritmo da batida e sua execução nos leva a entender que sim. Ela tem o poder de divagar sobre portais místicos feito canções do Pink Floyd. Será que tem um mago do outro lado do horizonte?
Se tem uma música que faz o elo com duas bandas um tanto quanto diferentes é “Sea”. Ao menos para mim tem um tanto quanto da astúcia do Velvet Underground cruzando pelos oceanos sombrios e viajantes do Sonic Youth. Pois é, apesar de ter neo psicodelia enraizada ela por diversas vezes flerta com o punk e tem uma progressão de baixo um tanto quanto interessante. Feito o hit “Dirty Boots” (do SY).
O solo de guitarra escancara isso, abusa das viagens apocalípticas que grupos como Color For Shane, The John Candy e Dinosaur Jr. carregam em seu DNA. E é por esse caminho mais solto, lo-fi e porque não dizer, punk que a faixa seguinte chega tumultuando.
No caso a canção é “Sometimes” que tem espaço para o noise rock ir longe com muita epifania e distorção. Consigo até imaginar ela fechando os shows do trio de forma extendida e um tanto quanto apocalíptica. Para mim como fã de noise rock: com certeza é a canção favorita do disco.
A nona faixa é rápida, “Blue House”. Ela tem um tom mais sombrio, ao mesmo tempo que leve. Soa como se estivéssemos chegando aos céus. Os riffs mais pesados de certa forma me remetem ao Black Sabbath, os mais leves soam como viagens guitarrísticas de Joe Cocker.
“Travel” tem vocais sussurados e uma levada introspectiva. Acredito que vai agradar a fãs de My Bloody Valentine e The Vaselines. Ou seja, Kurt Cobain com certeza entre uma canção do The Posies e dos Beatles pararia alguns minutos para escutar “Travel”. De certa forma eu vejo essa canção dialogar com a canção “Door”, principalmente por seu refrão.
Feito uma trip alucinógena de LSD, “Purple Lights” chega para fechar o disco com um espírito de transformação. O sentimento de que coisas tem que mudar para que o futuro seja escrito da melhor forma possível. Resumindo o sentimento do disco, o de purificação. Um sentimento que David Bowie – que nos deixou no começo do ano – já dizia através de outras palavras em “Changes”.

Bee and Bee me surpreendeu após algumas audições. Nas primeiras vezes que escutei, tive um olhar inocente, um tanto quanto vago. Porém ao me aprofundar nos mínimos detalhes vi que ali morava um disco com uma infinidade de portas abertas. Ele é plural, transborda e mescla vários estilos. Deixa o rumo aberto e sem respostas certas.
Tem discos que funcionam justamente desta maneira e crescem de maneira orgânica. Entre um riff mais solto, um pedal mais distorcido, uma sequência de bateria ferroz e uma linha de baixo envolvente a panela está completa. É um daqueles álbuns que você fica feliz por ter tido a oportunidade de escutar. Recomendaria para fãs de Catavento, Marrakesh, Molodoys, Van Der Vous e porque não? Color For Shane!
[Hits Perdidos] Como nasceu a Winter Waves? Vocês têm passagens por outras bandas e/ou projetos paralelos?

Iza: Formei uma banda cover de rock alternativo com dois amigos e precisávamos de um guitarrista, foi aí que conheci o Renan. Depois de um tempo, o Renan me chamou pra integrar uma outra banda cover com uns amigos dele. Nessa banda, o Renan e o Jeff eram guitarristas. Após alguns meses, o Renan disse que gostaria de fazer as linhas de baixo para umas músicas que o Jeff tinha e os dois me chamaram pra completar a banda na bateria.

[Hits Perdidos] Nos últimos anos o termo neo psicodelia/lo-fi tem sido bastante citado e o número de bandas crescido significativamente. Com bandas como The Griswolds, POND, Mac Demarco, Real Estate, etc… Como veem isto?

Renan: É um cenário interessante mesmo. Ocorreu esse revival da psicodelia, tem muitas bandas boas. Aqui no Rio tem uma cena bem legal que está ganhando mais espaço.
Jeff: Acho ótimo que o número de bandas nessa linha tenha crescido ultimamente. Não só pela qualidade das músicas, mas também pela influência que acabam exercendo na percepção das pessoas de maneira geral. A estética lo-fi existe há bastante tempo, mas com uma popularização maior de bandas assim, bandas menores se sentem mais confortáveis para explorar sonoridades diferentes em estúdio, usá-lo como laboratório e tal. Isso é muito positivo, as coisas ficam menos padronizadas.

[Hits Perdidos] Consigo sentir influências do lado mais lo-fi experimental do próprio Sonic Youth, My Bloody Valentine – que inclusive vocês fizeram parte do tributo realizado pelo TBTCI no ano passado – quais outros gêneros musicais e bandas que compõe a panela da Winter Waves?

Renan: Nós ouvimos muitas coisas. Só que fora do alternativo e do psicodélico não sei bem o que influencia o som de fato. Eu acho que o som mesmo é isso aí, alguma coisa entre psicodélico e alternativo. Além das bandas mencionadas na pergunta, realmente influências importantes, eu citaria Flaming Lips e Dinosaur Jr.
Iza: Curto mais o indie rock/pop e rock alternativo. Gosto bastante de Alt-j, Arcade Fire, The Temper Trap, Coldplay, Muse, Florence and the Machine. Talvez algo influencie no som, mesmo que involuntariamente.

[Hits Perdidos] Como foi a experiência em regravar um clássico do Sonic Youth – “Diamond Sea”?

Renan: Foi excelente. Sempre adorei essa música. Mas acho que o mais legal mesmo foi o processo de construção do arranjo. Nós tivemos que adaptar tudo para um power trio.
Jeff: Sonic Youth é uma das minhas bandas favoritas e “Diamond Sea” a música que mais gosto deles, então foi uma experiência maneira pra cacete.

[Hits Perdidos] Como observam a evolução do primeiro EP, Blue Memories (2015), para Bee and Bee (2016)?

Iza: O EP foi gravado ao vivo em uma tarde. Um amigo dos meninos nos cedeu seu home studio para a gravação e fez a mix e a master. Foi uma baita ajuda que nos permitiu ter um material gravado que ajudou na divulgação inicial da banda e na procura por shows. Já no disco, tivemos mais tempo tanto na gravação quanto na edição. O resultado ficou evidente no som.
Renan: O disco mostra melhor uma identidade no som. Uma identidade que se diversifica, claro. É Winter Waves na “Sometines”, uma coisa meio punk lo-fi, música curta. E é Winter Waves em “Way Out”, que é um sei-la-o-que com um perfume distante de progressivo. No disco, a identidade e a diversidade estão mais claras.

[Hits Perdidos] O Brasil é referência desde os anos 60 com grupos como Mutantes e Os Baobás – para citar alguns – algo que de certa forma orgulha e mostra que até os gringos vieram resgatar influências por aqui. Quais discos mais gostam do cenário “brazuca” do estilo?

Renan: Antes de todos acho importante mencionar o disco de 74 do Moto Perpétuo. Eu ainda acho esse disco subestimado, mesmo para a turma que curte revirar som brasileiro 70. Bem, além dele tem muita coisa: o Perfume Azul do Sol, “Matança do porco” do som imaginário, os clássicos mais rockeiros do Caetano e do Gil (“Transa”, “Expresso 2222”), tudo d’Os mutantes (prefiro a fase pré-progressivo com a Rita!), “Paêbiru” do Zé ramalho com o Lula Côrtes…
Jeff: Além das coisas que o Renan falou (gosto bastante de todas), alguns dos meus favoritos são: “Espelho Cristalino”, do Alceu, “A tábua de esmeralda”, do Jorge Ben, “A página do relâmpago elétrico”, do Beto Guedes, “Estudando o samba”, do Tom Zé, “Milagre dos Peixes”, do Milton Nascimento, “A via láctea” do Lô Borges.

A psicodelia encarna até na direção de arte das fotos. – Foto: Divulgação

[Hits Perdidos] Qual o conceito e mensagem do recém lançado Bee and Bee?

Renan: Ah, não tem disso. Ainda que dois integrantes sejam estudantes de Filosofia e admiradores de discos conceituais, o rock da Winter não tem nada de conceitual (pelo menos até agora).
Jeff: Ele não tem um conceito fechado, mas eu gosto da ideia de deixar as coisas abertas para que cada um tenha sua interpretação das coisas. A começar pelo nome do disco mesmo, que na forma oral ganha mais possibilidades, tipo “B and B” e “Be and Be”.

[Hits Perdidos] Tem algum webclipe em vista? Se pudessem gravar com algum diretor de cinema qual escolheriam?

Jeff: Um amigo nosso está produzindo um clipe, só não temos previsão de quando ficará pronto ainda. Em relação ao diretor, escolheria o Godard.
Renan: David Lynch.
Iza: Coline Serreau.

[Hits Perdidos] Como foram as gravações no Zomby Woof Studio e como funciona o processo criativo da banda?

Renan: Foram legais. Simples, caseiras. Gravar e comer um pão com mortadela.
Iza: Sobre o processo criativo, normalmente o Jeff compõe as letras e melodias, grava voz e guitarra e nos envia. Eu vou ouvindo antes do ensaio já pensando o que posso fazer na bateria, crio a minha concepção da música. Algumas vezes é aquilo mesmo que imaginei, outras é completamente diferente. As vezes também acontece de a música mudar de concepção ao longo dos ensaios, vamos testando vários arranjos até chegar em algo que agrade a todos.


[Hits Perdidos] Vocês integram o casting do selo TBTCI, como tem sido a parceria e como vocês vem o papel dos selos independentes?

Renan: A parceria tem sido ótima o TBTCI tem um trabalho muito legal. Andam lançando uns tributos bem interessantes, vale conferir. Os selos são essenciais. Com a internet o poder de divulgação aumenta, né?

[Hits Perdidos] Quais artistas e bandas tem escutado e recomendariam para os leitores do Hits Perdidos?

Renan: Vai parecer uma coisa cult-afetada, mas eu só tenho ouvido música barroca, Bach. De música popular repito o essencial: Yes, Led Zeppelin, Radiohead, Smashing Pumpkins, Milton. Mas se for para recomendar, recomendo Elomar. Principalmente o disco “…das barrancas do Rio Gavião”.
Jeff: Tenho ouvido bastante Steely Dan, Doobie Brothers, BadBadNotGood, Hiatus Kaiyote e Esperanza Spalding. Recomendo muito uma banda de um homem só chamada “Sheep, Dog & Wolf”. Conheci recentemente e tenho ouvido todo dia, é sensacional.
Iza: 65 Days of Static é uma banda de post/math rock instrumental do Reino Unido que eu curto bastante e recomendo. Do cenário nacional tem a Atom Pop, daqui do Rio. Eles já lançaram dois singles e em breve vão lançar o primeiro disco. Tô ansiosa por esse álbum e super recomendo a banda pra quem curte um som psicodélico.

[Hits Perdidos] Quais os discos favoritos de cada integrante?

Iza: “An Awesome Wave” do Alt-j e “Lungs” da Florence and the Machine são dois álbuns que eu curto muito.
Renan: “Sargent Pepper’s lonely hearts club band”, “Dark side of the moon” e “…das barrancas do Rio Gavião”.
Jeff: “The Velvet Underground and Nico”, “Daydream Nation” e “Kind of Blue”.

 
Confira a playlist 100 Hits Perdidos do Indie Nacional 2016 nela temos “Glass” – segunda faixa do Bee and Bee – e outros 99 hits que brilharam no underground brasileiro neste ano.

 


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This post was published on 15 de dezembro de 2016 12:19 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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