Quando foi confirmado o show do Travis no Brasil, pouco tempo após o anúncio do novo álbum L.A. Times, a primeira coisa que pensei era: tem público? Tanto é que foi uma divulgação realizada com o termômetro de “está vendendo pouco”. De fato, a banda fez certo barulho nos anos 90 e 2000, empurrada por trilhas de novelas e por clipes nas paradas da MTV Brasil, esta que apesar de cultuada, nunca teve mais de 2 pontos.
O sucesso secundário não faz deles uma banda menos competente, chega até ser um pouco revival em um período de pouco mais de uma semana termos Travis, The Smashing Pumpkins e Keane no Brasil. Recentemente tivemos Goo Goo Dolls, outra que ao lado deles se faz frequente na programação de rádios como Antena 1.
Seus principais hits “Sing” e “Slide”, este último com melodias no banjo, fazem da banda de Glasgow tudo que as gravadoras da época gostavam. Fácil de encaixar nas rádios, com ar alternativo, mas, ao mesmo tempo, pop com melodias que grudam na cabeça. E por estarem no Reino Unido, naturalmente foram catalogados na esteira do Britpop.
Todo mundo quando vem para o Brasil ou grava boas memórias, ou sabe que terá boas histórias para contar, certo? No caso do Travis nesse departamento acontece justamente o contrário. O trauma tem nome e sobrenome: Planeta Terra Festival (2013). Eu mesmo estive presente no show dos caras e não foi daqueles que o público comprou.
O motivo, embora eles não imaginem, era justamente: tocarem antes da Lana Del Rey (e seu mar infinito de coroas de flores). Quem já viu show dela sabe como o público, em festival, é desagradável com quem toca antes.
O line-up completo contava com The Roots, Blur, Travis, Palma Violets, Lana Del Rey, Beck, Clarice Falcão, Hatchets, BNegão & Seletores de Frequência e O Terno.
Mas agora o cenário era completamente diferente. Show solo, sem ter que dividir ou até mesmo, conquistar a atenção de um público que não está lá para te ver. Em entrevista para a CNN, o vocalista relembra o caso e no show ele voltou a comentar sobre a frustração para os presentes que lotaram a Audio. Uma espécie de incentivo como um “eu sei que vocês podem mais que isso.”
“Não foi muito bom. Percebemos que o público simplesmente não estava interessado em nós. Estávamos tocando e dando o nosso melhor, mas ninguém ligou. Ninguém cantou conosco, as pessoas estavam de braços cruzados esperando a próxima atração. Espero que desta vez seja diferente.”, comentou Fran Healy a CNN
E de fato foi muito diferente. Com palco com uma espécie de tela, eles adentraram o recinto com uma iluminação azul, que em alguns momentos ficava vermelha, amarela e que dava a sensação deles estarem tocando em uma caixa de sapato. Feito “fazedores de música de brinquedo” prontos para impressionar. E o visual deles é digno da comparação.
O repertório do show foi justamente como eles prometeram, passando por várias fases da carreira. O que fez com que o álbum de estreia Good Feeling (1997), lançado sete anos depois da fundação do grupo, tivesse 3 canções no set (“Good Day to Die”, “Good Feeling” e “I Love You Anyways”).
Talvez o maior sucesso comercial do Travis, The Man Who (1999), teve também outras três presentes no show em momentos estratégicos, por assim dizer. “Driftwood”, logo no começo, “Turn” antes do BIS e “Why Does It Always Rain on Me?” para fechar. O que mostra a maturidade de uma banda de 34 anos que sabe jogar jogo mesmo sem ter referências se “ainda alguém ouve vocês no Brasil”, como a mãe de Fran Healy o indagou após confirmarem o show por aqui.
Embora o trauma parecia estar ali presente como um elefante branco na sala, isso influenciou em nada o carinho nas falas de Healy sempre que puxava o microfone mais perto para ter uma prosa com quem o assistia. Contemporâneos, e encaixados por osmose, no cenário de Britpop, as comparações aos Oasis sempre aconteceram. E assim, eles também tem sua parcela de culpa nessa.
Antes de tocar o medley “Writing to Reach You / Wonderwall”, Fran faz questão de contar uma breve história a respeito da composição que tem inspiração justamente na banda dos irmãos mais rabugentos de Manchester. Ele comenta que em 1995 estava em Glasgow, na época do Natal, e o Oasis estava tocando em todos os lugares com o lançamento de Morning Glory.
Ele pegou o violão e começou a tirar a canção. Eis que Healy resolveu usar o raciocínio criativo pregado no livro Roube Como Um Artista (2012), de Austin Kleon, muitos anos antes dele ser escrito, é bem verdade. Roubou aquela sequência de acordes e encaixou nas melodias que estava testando. Daí nasceu “Writing to Reach You”.
O escocês mesmo admite que nunca imaginou que a banda faria sucesso e que eles se encontrariam. Pois a vida foi lá e fez isso.
Três anos depois eles estavam tocando junto e Noel chegou no backstage e comentou: “Belos acordes”. Admitindo não saber onde se esconderia depois dessa.
Claro, quando conta isso o público cai na gargalhada. O motivo do medley, até comum no repertório, nesta data em específico, se dá também pela coincidência do anúncio da volta do Oasis ao Brasil após 16 anos, bem no dia da apresentação do Travis por aqui. Ele até brinca dizendo: “Dane-se eles, hoje é nosso show” antes de tocar.
Para quem não sabe, Oasis e Travis não tem nenhum conflito, inclusive, já fizeram três turnês juntos e cultivam muito respeito.
Mas nem tudo é relembrar o passado, porque banda, independente dos anos de estrada, se faz do momento. Da tracklist do L.A. Times (2024), eles encaixaram no setlist 5 canções, “Alive”,”Bus”, “Gaslight”, “Naked in New York City” e “Raze the Bar”.
E, como música sempre tem um caráter bem pessoal, e Healy é daqueles que ama contar histórias, o músico comenta antes de tocar “Gaslight” que ele não costuma escrever músicas para uma única pessoa no mundo… mas que essa música, em específico, fez para uma pessoa – e ela sabe que é para ela e ninguém mais. Talvez o momento mais “misterioso” da apresentação.
Já “Raze the Bar”, o vocalista que deu trabalho para o roadie com as diversas trocas de violões e guitarras durante o show, comenta antes de executá-la que se trata de uma homenagem a um bar em Nova Iorque. Este frequentado por artistas e músicos de bandas como Strokes, Coldplay, e um tal de Travis, em que todos se sentem em casa.
Inclusive, ressalta, que o Jack e o Johnny citados na música, realmente são pessoas que existem e frequentam o bar. Fran completa que eles nessa música “musicaram um bar”, basicamente.
O clima do show estava leve, o público que acompanhava em sua maioria era mais velho e formato por casais. Foi uma grata surpresa ver a casa cheia, principalmente por lavar a alma dos músicos 11 anos após o fatídico dia do Planeta Terra.
Um pouco antes do BIS eles tocaram “Turn”, em que já tradicionalmente o baixista Dougie Payne que tem um visual todo David Bowie, faz os vocais no segundo verso, onde todos da banda posam para admirá-lo em uma espécie de brincadeira interna, e ainda recebe, de tabela, um beijo roubado do guitarrista Andy Dunlop.
Após isso eles votam para o BIS apenas com um violão, em que Healy faz questão de chamar os parceiros de banda para se apresentarem e depois para cantar em coro como uma banda dos anos 40, “Flowers in the Windown”. Inclusive deixando de tocar algumas partes da música no violão, apenas estendendo os dedos para os acordes e permitindo o baixista tocar feito uma espécie de ventrículo. Naquele mesmo estilo do vídeo viral de “Somebody That I Used to Know”, do Gotye com a Kimbra.
Para quebrar qualquer expectativa ou clichê, Fran pega outro violão. Enquanto os outros se ajeitam com seus respectivos instrumentos, ele solta a seguinte frase: “Algumas bandas quando estão começando fazem cover de The Beatles, outras de Led Zeppelin, outras de David Bowie, nós fazemos de Britney Spears.” E desta forma tira da cartola uma versão de “…Baby One More Time”, esta bastante celebrada e cantada pelo público.
Tudo parecia estar dando certo na noite para os escoceses. Mas como diria aquela máxima, o jogo só acaba quando termina. Após tocar “My Eyes”, na introdução de “Selfish Jean” o baixo de Dougie simplesmente dá pane. É o fim do show para o baixista que para contornar a situação finge estar tocando, depois relaxa, pega uma cerveja, e assiste praticamente os músicos terminarem a música. Mas nada muito dramático, já que eles já estavam ganhando o jogo por goleada.
Como show deste calibre tem que acabar com hit, eles escolhem fechar com a radiofônica “Why Does It Always Rain on Me?”, algo que costumam fazer com certa frequência em seus shows. Mas neste quesito ganhamos dos europeus, já que por lá em show solo o quarteto costuma tocar 19 músicas, e por aqui foram… 21!. Os integrantes do Travis encerram o show prometendo voltar e levam na bagagem excelentes memórias dos paulistanos que receberam eles, desta vez, da forma com que merecem.
“Ei, São Paulo, esse foi um show tão emocionante. Ficamos tão comovidos com seu calor e gentileza esta noite. Por que demoramos 11 anos para voltar? Não vamos deixar para lá por tanto tempo novamente. Nós amamos vocês!”, tweetou Fran Healy após o show
Bus
Driftwood
Love Will Come Through
Alive
I Love You Anyways
Good Feeling
Good Day to Die
Writing to Reach You / Wonderwall
Side
Closer
Sing
Re-Offender
Raze the Bar
Gaslight
Naked in New York City
Turn
Encore:
Flowers in the Window
…Baby One More Time (Britney Spears cover)
My Eyes
Selfish Jean
Why Does It Always Rain on Me?
This post was published on 6 de novembro de 2024 3:11 am
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