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Mundo Video bate no liquidificador referências da cultura pop em irreverente EP de estreia

Mundo Video estreia misturando gêneros como o indie, o metal, o reggae e até mesmo samples de videogame

Uma vez vi um músico experiente cansado com os caminhos comerciais plastificados, e regras exaustivas das “formuletas da música pop”, dizer que o de mias interessante que acontecia se você quer conhecer realmente a música do hoje, era necessário olhar para o underground. Não lembro exatamente qual músico era. Mas era um inglês que vivenciou os tempos da Creation Records e toda aquela inquietação cheia de exageros e experimentações que eram viáveis numa roda para poucos, mas que por alguns anos concentrou um caminho bastante singular, admirado mundo afora.

Essa gama de possibilidades e músicos que brincam com os recursos que tem, muitas vezes oriundos da porta para dentro dos seus quartos, na década seguinte explodiram com toda facilidade de produção e páginas como o Myspace – e programas como o mIRC. O acúmulo de música estranha que nunca ouviremos feita por jovens entediados acabaram transformando toda uma geração de curiosos, se tornando desde projetos adolescentes que ficaram pelo caminho ou até mesmo que originaram carreiras.

Exemplos não faltam, mas de fato é sempre curioso encontrar projetos que parecem que se divertem procurando referências, feito colagens, para tentar criar algo novo sem repetir clichês ou seguir tendências. De Cansei de Ser Sexy passando por Washed Out, Metz, The Drums, The Big Pink a Jaloo, várias possibilidades acabaram sendo abraçadas pelo independente tendo seu flerte (mesmo que momentâneo) com as paradas do pop.

Então, quando chegam discos como o novo EP do Mundo Video, novo lançamento da Seloki Records, acabamos observando essa vontade de criar um universo repleto de referências, colagens, estéticas e colaborações único que acaba nos fazendo olhar para um trabalho com um ar de esperança no caminho torto, e propositalmente errático, escolhido.


Mundo VideoFoto: Divulgação

Mundo Video MUNDO VIDEO

O duo carioca formado por Gael Sonkin (Ovo ou Bicho) e Vitor Terra não coloca limites para as experimentações sonoras muitas vezes abstratas e com um bom toque de dadaísmo. Passando por uma gama de referências que vai do hyper pop, passando pelo do indie, metal, samples de vídeo games, reggae e muito mais com o intuito de materializar sua música como um conceito aberto a novas possibilidades e linguagens sem se prender a qualquer corrente ou tendência.

Vitor e Gael se conheceram no Rio e hoje são radicados em São Paulo e como proposta central tem a de criar canções desprendidas de regras e amarras, tudo isso com estética de produção caseira e independente como eles mesmo frisam.

A ideia desde os três singles disponibilizados ‘’Minha Cara’’ , ‘’Amanhã a Noite Quando Eu Acordar’’ , que conta com a participação do alagoano Bruno Berle e ‘’Sol Gelar’’ , interpretada por Gab Ferreira, já deixavam claro que o caminho escolhido seria sinuoso e cheio de referências da cultura pop.

A Experiência

O que esperar da audição? Um mix de guitarras distorcidas, sintetizadores, melodias, experimentações entre riffs e vocais, possibilidades e texturas em que cada música tem sua própria órbita e explosão sonora. Os caminhos não óbvios do storytelling da estreia mostram como eles até mesmo querendo fazer algo experimental flertam com o pop. Caminho esse tão bem explorado pelos Titãs nos anos 80, em que mesmo tendo hits açucarados, lados B’s estranhos e ruidosos faziam parte da mente insana do coletivo paulista.

Nostalgia, romance, dissonância, apelo pop, explosão, melodia, ironias, samples de videogames, sincronias, poesia, quebras de estruturas de harmonias e cacofonias tem espaço e essa talvez seja a graça do EP. Com produção com estética caseira feita por dois amigos que também direcionam as participações vocais, executadas por Nina e Carol Maia, Marina Nemésio e Janine Price, além dos feats supracitados, a mistura do EP foi feita por Thiago Fernandes (Rosa Bege) e a masterização por Pedro Garcia (Planet Hemp).

É até irônico “Mundo Video” que abre o disco ter riffs de Heavy Metal indo de encontro com sintetizadores (quase) épicos abrindo o caminho torto e electro para o Hyper Pop. Algo que com certeza os Moblins em um universo paralelo gostariam de conhecer. Essa estrutura quebradiça meio Cabeça Dinossauro vai na sequência flertar com o math rock e o universo abstrato – e degradê – dos games que faz todo um canal mágico co-habitar a epifania sonora proposta por eles. Entregando feito um tapa na cara seu cartão de visitas.

“Minha Cara” vai buscar referência no reggae, nos videogames, na mixagem e no jogo vocálico possibilidades explorando camadas e possibilidades pops. É praticamente um anti-pop com ares radiofônicos. Ironia essa que a transformam numa boa trilha para animes.

“Tonel” feat com Janine explora a teatralidade e a confusão como elementos para criar toda uma atmosfera que vai do pós-punk, hardcore techno, noise ao pop de canções de programas infantis dos anos 2000. É complexo, e até mesmo distópico, mas ouvindo faz sentido.

“Sol Gelar” foi a primeira faixa que pude ouvir do projeto e essa dose powerpop abstrata chiclete logo me chamou a atenção justamente pelo brincadeira com ritmos como o dub e elementos percussivos que tem todo aquele clima de verão. O título da faixa deixa ainda tudo mais ensolarado e ironicamente tropical. Os backin vocals funcionam como um instrumento à parte, algo como Ana Frango Elétrico espertamente costuma fazer em suas criações.

Com textura de música de filme romântico da sessão da tarde, como Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990, Jerry Zucker), é nos anos 80 que a canção faz reverência. Tears For Fears? Echo & The Bunnymen? as melodias que acompanham os vocais de Bruno Berle dão toda a profundidade, e nostalgia, que a canção que se contrapõe com a anterior converge em si.

“Mimi (Sinto Sua Falta)”, faixa com vocais da catarinense Gab Ferreira, vai explorar um lado entre o synthpop e o R&B, onde novos caminhos se tornam possibilidades, com direito a vinhetas, harmonias e sintetizadores emprestados do Miami Bass.

Quem tem a missão de fechar o registro é “Continuação de Sol Gelar” que trás batidas que flutuam de forma pulsante flertando entre a guitarrada, o universo dos videogames, riffs despretensiosos feitos os de Mac DeMarco e o eletrônico raver do Underworld de forma divertida e esquizofrênica.

Tudo isso e muito mais em pouco mais de 21 minutos. Eu sei. É muita coisa.


This post was published on 14 de abril de 2023 12:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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