Pianista e historiadora, Camila Lordy pesquisou narrativas tradicionais do Índia, Grécia, Turquia, Gana e Brasil para recriar histórias e compor músicas inéditas
Foi em meio à pandemia que a pesquisa de quatro anos da multi-instrumentista e historiadora Camila Lordy, sobre contos, mitos e lendas do mundo relacionados ao som (e ao silêncio) tomou forma.
Som Protagonista, contos e lendas do mundo apresenta a estreia da carreira solo da musicista que há mais de 25 anos excursiona pelo Brasil e pelo mundo como instrumentista de artistas e grupos como Fernanda Takai (carreira solo e no Música de Brinquedo), Thiago Pethit, Banda Glória, Junio Barreto, Teatro da Vertigem, entre outros.
O projeto apresenta um livro digital, um álbum musical e três clipes concebido e realizados durante o período de isolamento social vivido pela artista, que já vinha coletando histórias de diversas culturas onde o som tinha papel fundamental. Camila percebeu ser esse o momento ideal para organizar e lançar o material, já que propõe na obra uma reconexão do público com o mundo exterior, mas, antes disso, com o mundo interior.
O disco apresenta um universo que incursiona pela música instrumental, música experimental, poesia e cantos indígenas atravessando a narrativa sonora rica e elaborada da compositora.
“O estudo da linguagem musical contém poesia, a potência de criar outros mundos, dar outras respostas para a vida quando ela está aprisionada na repetição do tempo cronológico e cotidiano. Esse tempo endurecido nos faz ouvintes desatentos se for a única experiência possível.”, comenta Camila, em trecho do texto introdutório do livro
O álbum, que é uma co-produção de Camila e Pedro Ito, tem o caráter da multiculturalidade refletido também em sua ficha técnica, com músicos do Brasil (Pedro Ito, Kastrup, Débora Gurgel, Daniel Reginato, Paula Mirhan, Clara Ito, Fi Maróstica); Moçambique (Selma Uamusse e Cheny Wa Gune); Austrália (Idris Aslami) e França (Jean- Luc Thomas). A mixagem é de Gustavo Lenza e masterização de Ricardo Prado.
Como desdobramento do projeto nasceram ainda os clipes das músicas “Aum“ (realizado e lançado, em dezembro de 2020, por meio do prêmio Edital Prêmio Funarte RespirArte), “Amoa hi” e o inédito “Tansen”– cada um com uma estética própria, em referência ao capítulo do livro e faixa correspondente.
O projeto é um convite que Camila faz aos interessados pela experiência humana que se desdobra a partir da união entre o conjunto de elementos presentes em uma tradição e as múltiplas possibilidades e desdobramentos sonoros originários dessa cultura.
O prefácio do livro é do pianista, arranjador, compositor, produtor e curador, Benjamim Taubkin – que instiga o leitor/ouvinte para um mergulho pela obra.
Tive a oportunidade realizar uma entrevista com a artista onde falamos sobre o processo de construção da obra, sobre o momento de apresentar sua composições e sobre criação na pandemia.
Camila Lordy: “Eu me dediquei a acompanhar o trabalho de outras pessoas além de dar aulas de música, o que sempre ocupou um espaço grande na minha vida. Fiz alguns trabalhos nos quais minha forma de tocar e compor contribuiu no trabalho dos artistas como, por exemplo, na parceria com a Simone Sou em 2009/2010, Thiago Pethit ou a trilha original que fiz junto com Zé Pedro Gollo para o telefilme “A Musa Impassível”.
O projeto Som Protagonista, contos e lendas do mundo não foi exatamente planejado. Ele foi acontecendo durante as aulas da Escola de Música do Auditório Ibirapuera que tem um projeto pedagógico de música brasileira e onde pude experimentar novas formas de ensinar. Me dediquei a colecionar histórias para as turmas iniciantes em que o som desempenhasse um papel fundamental, e que pudesse fazer o contato com outras culturas.
Pedro Ito é professor do primeiro ano (Iniciação) junto comigo há dez anos e temos afinidades na forma de pensar educação musical. Tocamos junto na Banda Glória e admiro ele como baterista. A parceria aconteceu muito pela proximidade cotidiana, pela admiração e boa comunicação que sempre tivemos trabalhando.”
O álbum fiz com recursos próprios e, infelizmente, não paguei como merecido os meus colegas de profissão. Venho trabalhando nesse projeto há quatro anos, então quando o prêmio saiu, muita coisa estava feita. Foi relativamente tranquilo colocar tudo em pé.”
Tenho postado bastante no meu Instagram, camilalordy, no facebook. O livro e o álbum foram disponibilizados no site do projeto camilalordy.com para leitura on line e download do PDF. Em breve, o ebook no formato epub estará disponível nas distribuidoras digitais Google play, Amazon, Kobo etc e som já está nas principais plataformas de streaming.”
Camila Lordy: “Eu acho que a arte tem esse poder de conectar o coletivo. Sempre existirão as pessoas que se recusam a experimentar o diferente, os que preferem a solidão do ódio por imaginarem conseguir traduzir o outro e colocar uma etiqueta que identifique o forasteiro, o estrangeiro, o que não dá leitura imediata… a arte serve, entre tantas serventias, para sinalizar o estranhamento, o que não pode e não deve ser lido imediatamente porque, muitas vezes, a arte fala sem usar palavras.
O que eu gostaria de semear é o respeito pelo diferente num momento em que uns querem construir muros, deportar e proibir imigrantes, sendo que as civilizações são todas filhas de trocas entre culturas… é um loucura tudo isso!!! a única globalização que assistimos nas grandes mídias é a do patriarcado capitalista, da branquitude e do aniquilamento das minorias étnicas… a arte, a música, a literatura são formas de resistir e lembrar que existem muitas formas de viver, muitas visões de mundo, muitas maneiras de estar no planeta Terra, esse planetinha que é nosso.
Nas palavras dos Tupi Guaranis, a única tarefa do ser humano é aprender a escutar, tornar-se um ser de escuta, um avaeté.”
Nasceu e vive em São Paulo, é formada em Composição e Regência, Faam-FMU, 2000. Fez graduação em História na USP e mestrado na linha de pesquisa em História e Cultura Social pela UNESP, 2021. É pianista, compositora, educadora e pesquisadora. Excursionou com a companhia do Teatro da Vertigem em festivais internacionais – Dinamarca, Colômbia, Rússia e Chile.
Como pianista, gravou e participou dos trabalhos de diversos artistas nacionais, Simone Sou, Supla, Junio Barreto (PE), Marina Wisnick, Vanessa Bumagny, Lú Lopes. Com a Banda Glória, realizou uma turnê para Índia, 2009. Com Thiago Pethit apresentou-se em Buenos Aires, Lisboa e Paris. Acompanhou a cantora Fernanda Takai e realizou turnê no Japão, 2017. Há dez anos faz parte do projeto Música de Brinquedo da banda mineira Pato Fu.
Compôs a trilha para o telefilme “A Musa Impassível”, 2011, exibido na TV Cultura, a trilha ao vivo para o filme “O Supersticioso”, IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso na Cinemateca Brasileira, e músicas para os espetáculos “As Roupas do Rei”, 2002, e “Luna Clara e Apolo 11”, 2005, da Companhia de teatro La Leche. Há doze anos leciona música na Escola de Música Auditório Ibirapuera onde também é orientadora pedagógica.
Desenvolveu o projeto “Som Protagonista, contos e lendas do mundo” a partir das experiências em sala de aula. Suas pesquisas buscam as intersecções entre a linguagem oral, a linguagem letrada e visual. Dedica-se a pensar os encontros entre os sons e as narrativas, a música e a história, os produtos e os processos que fazem da arte o resultado de uma experiência do seu tempo histórico.
Baixe o livro em pdf clicando aqui.
Ouça o álbum Som Protagonista, contos e lendas do mundo de Camila Lordy em todas as plataformas digitais.
This post was published on 7 de junho de 2021 12:16 am
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