O amor asmático do clipe de “Cali Dreams” (Vintage Culture) e um bate-papo com o diretor Rafael Kent
A pandemia vem nos propondo desafios desde o começo, seja pessoal ou profissional, estamos tentando nos adequar da melhor maneira enquanto as coisas não melhoram. O que dizer então sobre videoclipes, muitos bem elaborados e lançados. A criatividade voa e esse desafio foi bem costurado pela produtora audiovisual CAVE, que criou um videoclipe cheio de ação e humor para a música “Cali Dreams”, do Vintage Culture com Fancy Inc. A direção contou com Rafael Kent, conhecido por trabalhos com Tiago Iorc, Scalene, BaianaSystem, entre outros.
O lançamento do clipe ocorreu no dia 29 de janeiro, e nós trocamos uma ideia com o Rafael Kent sobre o vídeo, além de uma conversa sobre o trabalho como diretor e fotografo.
O videoclipe de “Cali Dreams” do Vintage Culture
Um videoclipe divertido, com muita ação e uma espécie de amor asmático. A música de Lukas Ruiz aka Vintage Culture foi produzida em parceria com Fancy Inc e com o vocalista britânico George Morgan aka The Beach.
A direção do videoclipe conta com Rafael Kent, que além de diretor, foi corroteirista ao lado de Rafael Miranda, o Mirandinha.
A narrativa do clipe é bem diferente da que vemos no mercado, sem linguagem de manifesto, sem focar em apenas imagens bonitas, mas sim usando o foco para contar uma história. Rafael Kent e Mirandinha já haviam trabalhado juntos anteriormente em alguns filmes publicitários, contribuindo para a boa dinâmica da dupla.
“ Eu já fiz muitos clipes na vida e ouço música, com atenção, sempre que posso.
Por exemplo,
tô no carro ouvindo música e penso em clipe o tempo todo.As vezes é até meio chato, saca? Cabeça a milhão. Mas em “Cali Dreams”….o Mirandinha chegou na CAVE falando assim:
– Ai, tu já reparou que a música tem uns sons de respiração no meio?”.
Rafael Kent conta que passou a ouvir apenas isso, como se a música tivesse virado apenas esse som. O maior desafio estar em Hollywood sem estar em Hollywood, e se o momento fosse mais normal e sem pandemia o mesmo seria filmado em LA.
Além disso, Rafael Kent conta que apesar de ser necessária e o menor dos problemas, uma das coisas que mais incomodou foi a máscara. Uma série de protocolos foram criados para proteger a equipe, o que impactou bastante na produção.
Por exemplo, antes a equipe poderia estourar diárias (pagando hora extra), caso não fosse gravado tudo no tempo estipulado e com isso seriam necessárias as horas extras. Por conta da Covid-19, as diárias eram de 12 horas. Em teoria deveria ser seguido, mesmo sem pandemia, mas é utópico.
“Estava conversando com alguém no Instagram um tempo atrás, acho que era com uma AD (assistente de direção), e ela disse que nosso trabalho na verdade não é filmar, mas brincar de gincana.
Filme é só o termo cool, mas no final é sobre fazer tarefas em menor tempo, gastando menos. E com a pandemia, nossa gincana ganhou novos termos –risos -, além da máscara”, conta Kent.
Apesar de os dias de gravação terem sido legais, a equipe teve que abrir mais de duas diárias depois de um mês, pois eram muitas cenas, o que resultou em quatro diárias. Kent revela que nunca teve esse tempo entre diárias antes, mas reflete que o espaçamento entre as duas primeiras e as duas últimas foram importantes para uma boa experiência.
Durante o processo, o diretor revela que havia começado a maratonar The Office – série da NBC de comédia, exibida nos anos 2000, onde a história se passava em um escritório. Essa imersão trouxe uma linguagem diferente para o clipe, do zoom, da câmera solta no tripé, da comédia despretensiosa e do zoom nos personagens.
Rafael Kent
Fotógrafo, diretor e filmaker, Rafael Kent é bem conhecido e quisto no meio. Ele conta que nunca planejou seguir nessa carreira e nunca sequer passou isso pela sua cabeça. Foram muitos pontos se ligando, a música, universo, bastidores, tudo tem uma certa culpa de te-lo colocado nesse caminho.
“Eu era produtor de bandas, mas também era Designer (me formei enquanto produzia) então tudo era sobre isso. Sobre vivências de backstage, lidar com contratantes, gerentes de casas, iluminadores, seguranças, etc..
Isso me deu uma bagagem humana muito grande – o que é essencial para se contar histórias.”
O Interesse pela Fotografia
Sobre a fotografia, enquanto o mesmo cursava design tinha a matéria de fotografia. Na época, uma das bandas que Kent produzia precisou de fotos para um release (coisa que ele também fazia), ele pegou uma câmera Cybershot e se meteu a fotografar.
Ali ele entendeu que com a fotografia ele conseguiria trabalhar com muitas bandas diferentes, e como produtor ele seria de apenas uma banda.
“A partir dali eu comecei a fotografar. Minha mãe não acreditava, inclusive. Mas bateu. E filmar foi só um pulo. Comecei a filmar com todas as bandas de amigos próximos, éramos cobaias uns dos outros. E o resto é história “, conta o diretor.
Os maiores desafios para o diretor que qualquer profissão tem hoje: se manter relevante.
“A mesma democracia digital que me colocou no mapa é a mesma que hoje oprime a gente 24 horas por dia. Porque é muita gente fazendo muita coisa. Nem conseguimos mais acompanhar, ou curtir, ou entender. Mas, faz parte da evolução.
Talvez a subversão do futuro seja, de fato, sair da internet. Acho que a gente precisa viver mais no presente, sem se preocupar com a relevância. Dá uma bugada. Mas ao mesmo tempo você poder ter a chance de colocar um trabalho na rua, colocar sua cara pra bater, ver até onde seu trabalho chega, é sempre uma aventura.”
Desafios e histórias
A caminhada de Kent é longa, o mesmo sempre quis fazer clipes de todos os gêneros possíveis. Já fez clipe de arroxa à Sepultura, mas sempre com a própria visão, querendo fazer diferente do que geralmente aquele gênero já fazia (até do que ele mesmo fazia). Algumas deram certo, outras nem tanto, o que o despertou a descobrir mais coisas novas, releituras diferentes e etc.
“Eu tenho um tempo sem fazer clipe, os últimos que fiz foram de Bayo (um duo de Salvador muito bacana) todo de drone, o SACI (REMIX) de BaianaSystem, “O Destino Cigano” dos meus amigos Keops e Raony e agora o Vintage Culture.
Isso tudo em 5 anos. Antigamente eu fazia clipe como se estivesse tomando café. Mas o mais desafiador, até então, foi “Cali Dreams” porque a estrutura era gigante, muitos efeitos especiais, pouco tempo e uma narrativa a ser criada. Foi realmente um dos projetos que eu mais entrei, ali era o Rafael, não o Kent. O Kent às vezes é mais solto, é mais freestyle, mas nesse eu quis fazer diferente. Acho que foi uma junção de Rafael com Kent, risos.”
De todas as histórias diferentes, Kent conta sobre uma turnê com Tiago Iorc, mais precisamente no SXSW. Ele pediu para o músico ficar parado no meio da 6th Street com a San Jacinto, onde as bandas estavam tocando ao mesmo tempo, em diversos bares. Ele queria filma-lo enquanto as pessoas passavam e ficaram em torno de 20 minutos com a câmera rodando. Ele não sabia, mas estavam fazendo o clipe de Forasteiro – foi o primeiro clipe que fez com Iorc.
Desejos
Quem não sonha em dirigir o clipe de um artista especifico, ainda mais trabalhando no ramo. Kent diz que não consegue mais dar conta de artistas novos, pois brotam aos montes – “eles brotam que nem gremlins”.
Kent menciona que tem vários nomes, mas que no momento gostaria muito de fazer um clipe do The Weeknd, pois as músicas são incríveis e ele é um ator que ajuda a explorar muitas coisas, além de fazer clipes com narrativas muito legais . “São muitos artistas com talento e conceito que a gente pensa em trabalhar, né? Mas sem dúvida alguma um artista que também curte atuar, muda bastante coisa.
Gostaria também de fazer um clipe de Rock, não faço nada com Rock faz anos, acredito que teremos um revival rock muito em breve. Eu tô meio cansado de instrumentos de botão. Deve ser velhice, risos”