Kiko Dinucci, o homem com a incrível versatilidade em transitar por gêneros, instrumentos e ritmos, é o músico por trás do Metá Metá, Padê, Passo Torto e tantos outros projetos e produções indiscutivelmente importantes como Jards Macalé e Elza Soares. Lançou seu novo disco solo Rastilho em fevereiro de 2020, que também resenhamos por aqui (leia mais).
Assim como todos nós, seu trabalho foi afetado pela pandemia de COVID-19. Houveram poucas oportunidades de assisti-lo ao vivo destroçando seu violão da maneira mais positiva possível. Uma dessas grandes oportunidades, foi o show de lançamento no Sesc Pompeia que teve sua transmissão ao vivo no Sesc Digital meses depois.
Agora ele lança uma segunda prensagem de seu mais novo LP via Mais Um Discos, com um 7 polegadas de bônus incluindo o novo single “Habitual” em colaboração com Ava Rocha e “Gurufim” em colaboração com sua grande parceira nessa estrada da vida, Juçara Marçal.
Entrevista: Kiko Dinucci
Conversamos com o Kiko sobre a carreira, futuro, turnê e o disco, que cada dia se torna mais atual nesse Brasil que vivemos.
Ao longo de tantos projetos que possui, você fundou o Metá Metá com o violão, compôs seu disco solo “Cortes Curtos”em power trio na guitarra e retornou ao violão em “Rastilho”. Poderia falar um pouco sobre essa transição sonora da guitarra ao violão?
Kiko Dinucci: “É uma transição natural, na qual eu não estipulo muitos limites, acho que um instrumento inspira o outro e aponta caminhos e possibilidade, levo isso para percussão, cavaquinho, baixo, sampler, drum machine, eletrônicos em geral. Eles dialogam entre si em algum momento.
Quando no disco MetaL MetaL eu fui pra guitarra, levei muita coisa do violão para o formato elétrico. Claro que cada um tem a sua particularidade e expressão. O violão do Rastilho é diferente das guitarras que fiz nos discos do Passo Torto, Mulher do Fim do Mundo da Elza Soares ou Encarnado da Juçara Marçal. Mas tento não criar muitas zonas de limites entre esses instrumentos. Lá fora que não existe a palavra violão, todos me chamam só de guitarrista.”
Seu novo disco “Rastilho”, tem uma sonoridade mais grave – soa como um baixo tipo em “Exu Odara”-, agressiva e uma percussão executada no próprio violão. Essa ideia foi planejada ou aconteceu naturalmente durante seu processo de concepção?
Kiko Dinucci: “Acho que em todos os meus discos eu exploro mais os graves, tem gente que diz que sou baixista frustrado e de fato acho que isso é verdade. Minha cabeça parte muito das frases de baixos. O Itamar Assumpção e o Michael Jackson também gostavam de partir do baixo, sem querer me comparar, mas fico feliz de encontrar outros artistas que partem de um projeto semelhante.”
Você sempre buscou se recriar a cada novo projeto, sempre buscou novas sonoridades em diferentes nichos – do hardcore ao samba. Como surgiu o interesse na música africana e consequentemente o candomblé na sua vida?
Kiko Dinucci: “Na adolescência comecei a sacar que era estranho ficar ouvindo bandas punks de americanos brancos de Washington DC, não tinha nada a ver com a gente. Mas sacava que o
Bad Brains era uma banda negra e rastafari que tocava
Hardcore e Reggae com a mesma desenvoltura.
Depois fui sendo mais receptivo para as coisas daqui,
Milton Nascimento, Naná Vasconcelos, Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Tião Carreiro, manifestações da
diáspora, comecei a me interessar mais por essa linhagem, isso me levou ao samba que me levou ao candomblé que apareceu como vivência, porque sou da religião, foram muitas madrugadas limpando bicho, então impregnou minha música naturalmente.”
“Vida Mansa”, quarta faixa de Rastilho, é, na origem, um samba do Rio de Janeiro de 1955 lançado por Ciro Monteiro. Assim como as faixas “Foi Batendo o Pé na Terra” e “Tambú e Candongueiro” são composições antigas. Como foi a escolha dessas faixas para serem revisitadas em um novo arranjo?
Kiko Dinucci: “Eu gosto de revisitar coisas mais antigas e experimentar uma outra possibilidade de arranjo. A Música do que o
Ciro gravou eu descobri no único disco disponível do artista nas
plataformas digitais. É muito grave um artista que nem o
Ciro que gravou vários discos e foi o maior interprete do samba sincopado e talvez de todo o samba, ter só um disco na plataforma, enfim, descobri essa faixa, que não conhecia e pensei em fazer uma versão.
Foi Batendo e Tambu são canções minhas que eu cantava em 2006 no bar Ó do Borogodó e me deu vontade de mexer nelas de novo. Eu gosto de criar novas versões ou mesmo ficar tirando sambas, repertório do
Wilson Batista, Geraldo Pereira, Noel Rosa, acho sensacional, são clássicos maravilhosos.”
Alguns meses já se passaram desde o lançamento de Rastilho, e a faixa-título mais do que nunca nos remete ao Brasil de 2020 em sua letra. Como você observa o Brasil em 2021/2022?
Kiko Dinucci: “Eu percebo que o disco só vai ficando atual. “queima, deixa arder” parece o Pantanal em chamas, “as moscas já nos cobrem, ninguém pode parar, nem fé, amor ou sorte” parece a pandemia.
“Os moribundos dançam” eu fiz inspirado naqueles otários fazendo aquela dancinha do
Impeachment. Ele é Brasil do começo ao fim. A letra diz que depois que a gente cagar com tudo, algo novo pode nascer. Ainda estamos no processo de destruição.”
Seu último show de divulgação do Rastilho aconteceu no Sesc Pompeia em fevereiro devido a pandemia de Covid-19. Pretende dar continuidade na turnê quando a vacina sair ou focará em novos projetos?
Kiko Dinucci: “Pretendo explorar o Rastilho ao máximo, não lançarei nada solo por hora. Investi meus trocadinhos e energia nele. Agora ele está dando bons resultados, mesmo com a crise da pandemia, ele está sendo lançado na europa agora e tem rendido boas resenhas, tá traçando um caminho bonito, tem muito assunto ainda. Quero ganhar dinheiro com ele também, poder capitalizar também, colher os frutos, já que investi uns trocados e muita energia. Focarei no Rastilho.”
No twitter você havia mencionado a produção do novo disco de Rodrigo Ogi e sua primeira experiência com hip hop, mas o disco foi adiado devido a pandemia. O disco sairá em 2021? Pode nos contar um pouco desse novo processo de produção?
Kiko Dinucci: “Trabalho com
rap faz uns 10 anos, já dividi palco com
Criolo, Mamelo Sound System, Emicida, Kamau, Sombra, Elo da Corrente, Síntese, já fiz muitas colaborações pra artistas do rap então não me sito tão peixe fora d’água. A galera gosta do meu jeito de trabalhar. Eu respeito muito. E digo, rap é a música mais difícil de fazer que já vi.
No caso do Ogi, ele me procurou pra fazer um disco diferente, traçando caminhos que ele ainda não havia percorrido nos discos anteriores. Estamos fazendo um trabalho de parceria, construindo tudo juntos e estamos gostando do resultado. Ogi é sensacional, um glossário do rap, manja muito da linguagem. E como escreve bem, sempre me assusto. Ele bebe diretamente da literatura do João Antônio, é um artista muito especial.”
Falando em projetos, já possui planos para o futuro que pode compartilhar com a gente?
Kiko Dinucci: “Turnê do rastilho depois do apocalipse, se houver futuro pro mundo, mais uma chance pra nós.”
Ouça: Kiko Dinucci Rastilho (2020)
This post was published on 10 de novembro de 2020 11:53 am