O que é ser artista dentro da estrutura da sociedade contemporânea? Um dos discos que chegou a encostar no tema logo em seu título foi Artista Igual Pedreiro, do Macaco Bong, que assim como o novo álbum do sergipano Lauckson, que assina seus trabalhos como Lau e Eu, disserta sobre a criação e o consumo da arte em nossos tempos. Para ilustrar isso o músico escreveu um Manifesto (confira no final da matéria).
O EP O Futuro Está Distante (YB Music, Matraca Records) conta ainda com um curta-metragem conceitual e participações especiais. “Se O Nosso Amor Fosse São Paulo”, tem vocais de Laura Lavieri. Enquanto isso, Julia Valiengo (Trupe Chá de Boldo) e Marcelle participam da faixa “Fiquei Ali Pensando”. A faixa introdutória também conta com trechos de Alex Sant’Anna.
Na bateria Theo Cecato, no baixo Pedro Bienemann, nas guitarras de Dreg (Phill Veras/YMA) e Bienemann também, Synths do Leon Sanchez (YMA) aparecem em faixas como “Se o Nosso Amor Fosse São Paulo” – os músicos costumam acompanhá-lo durante as apresentações ao vivo. No projeto o músico se multiplica e assina a direção de todas as atribuições e formatos explorados dentro da narrativa.
Das suas 9 faixas, que conta com uma versão alternativa, a única já conhecida do público é a pop e açucarada “Amor Cê Me Fudeu”. Sobre o conceito Lau salienta.
“Nesse mundo, quem faz arte cava buracos, solda peças e varre o chão. Essa é vida da maioria dos artistas. As pessoas que criam os padrões, aliás, estão mais preocupadas com os lucros do que os seres humanos. Dessa forma, sonhamos ser justamente quem mais odiamos”, conta Lauckson, o Lau e Eu
São 18 minutos de duração e o artista tenta recriar camadas para contar sua odisseia, algo que se reflete desde a flutuante “Trans-parente Como Sempre Foi”. O campo da realidade se confunde com o plano dos sonhos em faixas como “Se O Nosso Amor Fosse São Paulo” que faz um dueto intenso.
O EP continua explorando ambiências que passeiam pelo universo mágico dos sintetizadores, evidenciando a arte dos encontros e suas possibilidades criativas. É suave e áspero em diferentes momentos, feito a arte de criar dinâmicas, diálogos e explorar a essência da vida – e suas constantes transformações.
O chill, o dream pop, o groove e o campo visual acabam sendo parte da experiência imersiva que o registro se propõe. O lado poeta de Lau ganha ainda mais espaço dentro da narrativa que se propõe a mostrar novas perspectivas sobre o modus operandi da nossa sociedade e o peso das relações humanas. A repetição e a linearidade contando, por sua vez, uma história viva e em constante transformação.
Humanizando o papel do artista como um proletário como qualquer outro. Explorando sua essência, se despindo dos medos, e distanciamento, para mostrar um pouco mais sobre suas origens, lugar, ofiício e papel no mundo.
Pedimos para o próprio Lauckson contar um pouco mais sobre o conceito e desenvolvimento do novo lançamento do Lau e Eu e ele preparou um textinho explicando um pouco mais sobre o manifesto e seus desdobramentos artísticos.
“O Futuro Está Distante” é o resultado de 3 anos de trabalho, eu diria que é a manifestação inicial do meu processo de entendimento e análise, o ponto de partida de uma nova persona artística, consciente pela primeira vez. Quando colocamos nossos corações em ideias nos tornamos personas, é involuntário. Neste trabalho meu personagem é a persona que questiona a persona, ou qualquer outra coisa que você possa tirar disso, o benefício da dúvida é um dos objetivos a serem alcançados.
As músicas são um compilado das “melhores” demos que tenho postado ao longo desses anos em meu canal. Desde 2017 tento gravá-las de várias maneiras, mas sempre tive a sensação de ter alguma coisa faltando, era como se juntas, as músicas fossem vazias e bobas demais, sem nenhuma cara, cor ou cheiro.
Essa sensação de vazio me tomou 1 ano, até eu entender o que ele significava e transformá-lo no próprio conceito do trabalho. A questão primordial é a de que o ambiente das minhas músicas vs o ambiente do mundo real começou a me causar um incômodo terrível, é como se eu estivesse mentindo pra mim mesmo a respeito do mundo, foi a partir daí que comecei a trabalhar numa ideia de conceito no qual as músicas poderiam servir de trampolim pras ideias as quais eu não conseguiria expressar nas letras de minhas músicas.”
“Na questão do curta fui muito inspirado pelo filme Compasso de Espera de Antunes Filho, é o único filme dele e é lindo, vanguarda mesmo, de um bom gosto que só vendo pra entender.
No quesito conceitual mais geral fui inspirado por algumas leituras, esse processo foi fundamental. A descoberta do materialismo histórico, do marxismo e de um melhor entendimento crítico e teórico de nossa situação. Posso citar aqui “Silenciando o Passado” de Michell Trouillot, onde ele aborda a história e a memória através de uma perspectiva interessantíssima e com argumentos muito bons, ajudou bastante a construir os parâmetros estéticos de tempo no trabalho. Também tem um texto muito bom chamado “O Homem e a Cultura” de Levontiev que também passa rente aos objetivos de “O Futuro Está Distante”.”
O Manifesto
“Tem o Manifesto, que usei como um módulo de escape, é um comunicado mais direto aos interessados na obra, enquanto obra, porque tem o lado da maioria das pessoas que só querem ouvir aquela(s) música e não pensar em mais nada, acho ótimo também, ao mesmo tempo isso não me inibe de criar outras maneiras de comunicar minhas ideias ao mundo.
Existem muitas outras concepções que trago pra frente ao longo da obra, como o questionamento ao ideal do artista burguês, as noções de base e topo, seja nas relações ou na praticidade daquilo que nos rodeia, enfim, a gente acumula muita ideia em 3 anos.”, conta Lau e Eu
“Faixa introdutória, é o primeiro movimento, uma caminhada que vai se intensificando até a segunda ordem. A voz do começo é de Alex Sant’Anna, um amigo artista, querido, entusiasta das boas coisas, uma referência muito forte pra mim.”
Existe um lance sobre essa faixa, não consegui criar outros versos que pudessem corresponder a ideia dos que já estão na música, então, ficou desse jeito simples e hermético como todas os outros elementos presentes na identidade. Nessa temos a voz linda de Laura (Lavieri), acabou que virou um repertório de nossos shows, desde então tenho composto músicas pra cantar com ela, é só ficar de olho nos próximos lançamentos 😉 Na bateria Theo Cecato, no baixo Pedro Bienemann, nas guitarras de Dreg (Phill Veras/YMA) e Bienemann também, Synths do Leon Sanchez (YMA).”
“Conclusão do primeiro arco, cume, explosão.”
“Vinheta com as intervenções de Julia Valiengo (Trupe Chá de Boldo) e Marcelle Disconexa, prelúdio.”
“Quando compus essa a ideia era focar 100 % nas palavras, a harmonia estava no quarto ou quinto plano, é um daqueles sonhos que se sonham acordado, a banda é a mesma das faixas anteriores e tem a voz da Marcelle sussurando a letra, na verdade a Marcelle quem me fez acreditar nessa música, quando escrevi não vi muita graça, hoje é a minha preferida.”
“É o ponto de encontro com o segundo momento do EP, que a partir daqui toma um ar mais melancólico. a faixa conta com a fala de BEATRIZ DO NASCIMENTO que também aparece no curta. Beatriz foi uma historiadora sergipana que viveu no Rio de Janeiro e tem uma obra interessantíssima, embora eu discorde de muita coisa, tenho uma enorme admiração e respeito, de maneira que alguns de seus apontamentos surgem como rota principal em “O Futuro Está Distante”.”
“Não lembro como nem quando essa música apareceu, acho que ela sempre esteve em mim de alguma forma, daquelas ideias que a gente esquece mas sempre retornam. Tem a figura do Tom Zé que também é uma referência como figura do nordestino escrevendo a respeito de São Paulo. Aqui temos Rafael Carneiro na Bateria e Arthur Dossa (The Raulis) no baixo.”
“Uma espécie variação do primeiro tema, mais arrastado, como uma onda que vai perdendo força.”
“Essa quase saiu no Selma, mas depois pensei que seria meio bizarro colocar uma músicas dessas num álbum que tem o nome de minha avó. Então acabou que a questão dos prédios, São Paulo, cidade calharam muito bem com o resto das situações do trampo.”
“A ordem das faixas obedece um valor inverso de interações do público para com as composições apresentadas, uma vez que as demos estavam (e estão disponíveis na internet.
A capa é de Milena Magoga, tem o vídeo-álbum completo com todas as letras produzido por Carolina Sako.
Tem o manifesto artístico escrito por mim e editado por Gabriela Magalhães e Bruno Pi.
Tem muitas coisas, de maneira que falei tanto que me cansei, como o prazo é curto fico por aqui, com certeza esqueci de várias outras coisas importantes, mas deixo a caráter de seu interesse e imaginação, um grande abraço querido, obrigado pelo espaço.
A verdade sempre está na hora!”
2. O modelo capitalista vigente no Brasil dos anos 20 (assim como na maioria dos países do mundo) faz da arte movimento de mercado, expressão burguesa,
“branca”, com ideais liberais/progressistas (na melhor das hipóteses), concentradas na região Sudeste e com proeminências estéticas europeias/estadunidenses.
3. Diante dessa conjuntura, o lugar do “outro”: o negro, o pobre, a mulher e tantas outras subjetividades periféricas que não se encaixam no “padrão” acima citado e que servem como modelos meritocráticos de sucesso.
4. Nesse contexto, as classes médias/altas, segmentos dominantes no setor cultural, apoderam-se do discurso identitário. Transformam o sentimento de opressão em mercado, no qual o senso de representatividade se converte em produto estético e ideológico. Essa mecânica em nada interfere nas dinâmicas estruturais, tanto da arte como da sociedade em geral.
5. Esses constructos ditam as formas de ser (modelos de subjetividade burguesa)
através das mais variadas ferramentas de comunicação, sendo o mercado
midstream de música uma delas.6. Reconhecido, dividido e conquistado: então vem a catarse possível oferecida pelo capital: o orgulho de fazer parte de um consumo coletivo, que pende para um lugar de especificidade, excentricidade, lugar delimitado pelo colonizador.
7. A fronteira da representatividade é devidamente vigiada, cuidando para que as demandas dos grupos sociais não ultrapassem um limite tácito: é suficiente que alguns alcancem o “topo” e a esmagadora maioria esteja na base.
8. É um fenômeno estrutural de longa data, aceito e consolidado nos espaços culturais.
9. Está diretamente ligado ao modelo capitalista de produção.
10. Por isso queremos propor uma nova ideia de artista.
11. Ordinário consciente da sua posição na cadeia social.
12. Entidade que rejeita constructos hierárquicos e o ideal estético burguês.
13. Que entende o sucesso como uma construção ilusória e individual — de que importa ter um iPhone se a maioria das pessoas não tem uma vida digna?
14. Sujeito ativo, catalisador de mudanças que usa de sua arte para apontar as
contradições que permeiam o modelo de exploração do homem pelo homem.
15. Uma pessoa comum, como todas as outras.
This post was published on 25 de setembro de 2020 1:52 am
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