[Entrevista] Inspirado pelo Lollapalooza, Circadélica chega a sua terceira edição
Ir a um festival é algo um tanto quanto diferente. Não é apenas um show. Não é apenas um dia conhecendo e celebrando a vida com novos – e velhos – conhecidos e definitivamente pode ser uma experiência que transforme a sua vida.
Foi assim com Perry Farell, que antes de ser o dono do Lollapalooza e vocalista do Jane’s Addiction, era apenas um jovem na flor de seus 18 anos querendo ouvir música e se divertir com os amigos.
O músico de 59 anos contou durante a coletiva de imprensa do Lollapalooza de 2012 que no fim da década de 70 esteve em um festival na Califórnia. Este que contava com descidas e subidas, feito as curvas do Autódromo de Interlagos. Ele afirma apenas se lembrar de ter compartilhado um quarto de “doce” e ter tido um dos momentos mais marcantes de sua juventude ao assistir ao vivo pela primeira vez a bandas de rock que amava (ou acabara de conhecer).
Foi este o ponto de partida para o que no começo da década de 90 viria a ser chamado de Lollapalooza. Como nossos amigos sempre nos dizem: “Nunca fiz amigos bebendo leite”. E esta é a história nua e crua que pude ouvir da boca do Perry durante aquela coletiva.
Montar um festival é também o sonho de milhares de fãs de música mas não é uma tarefa das mais fáceis. Visto que é necessário pensar em todas as demandas e imprevistos que podem acontecer no dia – e mesmo assim poder ter a chance de ver tudo ir por água abaixo.
Apesar do Lolla ir satisfatoriamente bem em sua primeira edição, ele foi engrenar mesmo lá por sua terceira edição. O mesmo ocorreu quando o evento veio para o Brasil, mesmo com os preços altos, dias cheios e o apelo mainstream, a conta começou a ficar no azul mesmo apenas nos últimos anos.
E se tratando de Brasil e de lidar com um cenário independente que mesmo efervescente ainda demanda muito esforço e dificuldades, em 2001, Mario Bross e alguns amigos inspirados pelo festival californiano criavam o Circadélica.
A edição daquele ano reuniu 2000 pessoas por dia e segundo matéria da Folha Ilustrada: “Além dos shows, as barracas de selos independentes e demais produtos do underground fizeram a alegria dos indies.” Ao todo foram 22 bandas em dois dias de festival.
O programa Hangar na época fez uma cobertura e podemos ver um especial (Parte 1 | Parte 2) do festival que reuniu em seu line up bandas como: Thee Butchers Orchestra, Astromato, Maguerbes, Prole, Wry, Biggs, Maybees, Holly Tree, Garage Fuzz, Muzzarelas, Dropy, Autonomia, El Cabong, Detetives, Snooze, Initieities, Madeixas, Automatic Pilot, Hateen, The Book Is On The Table, Blemish, Red Eyes, Spots, Mechanics, PELVS, Grenade, Walverdes, MQN.
A Volta do Festival!
16 anos depois o festival voltava a Sorocaba (SP). O retorno que aconteceu no ano passado, recebeu cerca de 7 mil pessoas e nomes de peso, como Liniker e os Caramelows, Kamau, Francisco El Hombre, Vivendo do Ócio, Boogarins, Dead Fish e Far From Alaska.
Em um line up que contou com artistas em diferentes fases da carreira e voltou para a rota do independente. O sucesso do evento definitivamente deu gás para que a edição de 2018 fosse ganhando molde.
Circadélica 2018
Nos dias 28 e 29 de julho Sorocaba receberá a terceira edição do Circadélica e o line up que conta com 28 artistas dos mais diversos estilos reflete bem o momento pulsante do cenário independente.
A diversidade dos estilos e bandas ao meu ver é o grande trunfo da curadoria desta edição. Visto que condensa bastante do que tem rolado dentro dos festivais e pequenos shows Brasil afora.
Diferente de 2001, hoje com o streaming e discos a poucos cliques, podemos observar em playlists muitos destes artistas. Se por um lado são vendidos menos discos, por outro vemos o público consumindo mais do que um certo “nicho”. E o melhor de tudo isso é que o nível das produções independentes tem sido a cada dia melhor. É até difícil acompanhar a velocidade (e você que acompanha o Hits Perdidos sabe bem do que estou falando).
Line Up
As atrações são: Tropkillaz, Emicida, O Terno, Flora Matos, Vanguart, Fresno, Jaloo, A Banda Mais Bonita da Cidade, Selvagens à Procura de Lei, Zander, Tagore, Menores Atos, Baleia, Zimbra, Jonnata Doll e os Garotos Solventes, E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, Gorduratrans, My Magical Glowing Lens, Kill Moves, Bike, Hierofante Púrpura, Deb And The Mentals, Miêta, Fones, Sky Down, Paramethrik, Benziê e Os Pontas.
O interessante é observar justamente a pluralidade. Temos Tropkillaz, Emicida e Flora Mattos representando a força do rap/hip-hop e trap nacional (que vive ótimo momento). Nomes mais conhecidos do público de massa como O Terno, Fresno, Vanguart, A Banda Mais Bonita da Cidade, Zimbra e Selvagens à Procura de Lei.
Zander e Menores Atos representando o hardcore. Tagore, Bike e My Magical Glowing Lens representando a música psicodélica que teve um boom significativo no independente nos últimos anos. O ritmo paraense e cativante de Jaloo também vem para agregar ao line up.
E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante e Gorduratrans como nomes que vem se destacando nos últimos tempos. Além de bandas mineiras como Miêta e Kill Moves. A Sky Down que está prestes a lançar novo disco também está no line up, a banda que começou como punk rock misturando referências dos anos 70 e 90, já tem um tempo que está caminhando para um território mais “shoegazer“.
O line up é interessante pois tem Baleia e Hierofante Púrpura, bandas admiradas pelo público indie mas aposta também em bandas locais como é o caso do Fones.
O punk oitentista sujo e inescrupuloso do Jonnata Doll e Os Garotos Solventes – que a performance é um show a parte – também ganha terreno. Assim como o rock alternativo do Deb and The Mentals e o surf rock d’Os Pontas. Já o metal está representado pela Paramethrik. Benziê terá a responsabilidade de representar a MPB no festival.
Quando questionado sobre o processo de montagem do line up Mario comenta:
“A definição demorou um pouco. Gosto de pensar bastante, como se estivesse escolhendo as músicas para uma pista de dança. No fim chegamos a um resultado que nos agradou bastante”, conta Mario Bross, um dos organizadores do festival.
Experiência além da música
O Circadélica 2018 será realizado na avenida Comendador Pereira Inácio, 1771, em Sorocaba (SP). Além das atrações musicais, o espaço contará com diversas lojas, food trucks, dois palcos, tatuadores e artistas circenses interagindo com o público. O Asteroid, conhecida casa de shows da cidade, também receberá eventos ligados ao festival.
Ingressos
Os ingressos do primeiro lote custam R$95 (válido para os 2 dias na arena) e podem ser adquiridos aqui.
Entrevista
[Hits Perdidos] Em 2018 o festival completa 18 anos e por consequência chega a sua “maioridade”. Gostaria que comentasse sobre a trajetória, altos e baixos, o que mudou de 2001 para os festivais atuais e como enxerga o futuro do Circadélica?
Mário Bross: “Oi Rafael, tudo bem cara? Olha, apesar de termos feito aquela edição em 2001, o festival tem apenas dois anos. Foram duas edições, primeira em 2001 e a segunda no ano passado. Pelo contexto no qual a música alternativa brasileira estava em 2001, eu diria que não mudou em relação a edição de 2017. Mas sim, foi maior, pois tivemos mais palcos. Mas já em 2001, tivemos os shows na arena, na tenda, e os shows em um bar, durante a noite, que chamamos de palco 2 na época. Ainda não tivemos altos e baixos, pois por enquanto fluiu legal, vamos ver a partir de agora (risos).”
[Hits Perdidos] Uma das preocupações de vocês é fomentar a forte cena musical da região. Como você observa o atual cenário independente de Sorocaba e todo seu ecossistema criativo? Quais as maiores dificuldades atualmente?
Mario Bross: “Num país monopolizado por sertanejo, acho que as bandas, e não só de Sorocaba, mas do Brasil todo, não têm tanto problema, até dá pra tocar, se virar bem. As bandas são bem criativas se viram bem, como o WRY já fazia no final dos anos 90 e começo dos 2000, organizando as suas próprias coisas, sem reclamar e ficar no mesmo lugar. Talvez esse monopólio seja, no final das contas, a única dificuldade.”
[Hits Perdidos] Com tanta banda boa nos mais diversos estilos eu imagino que a equação para montar o line up não deva ter sido das tarefas mais fáceis. Quais critérios estabeleceu para chegar aos 28 nomes deste ano?
Mario Bross: “Acho que demorou mais de 30 dias pra chegar num line up que achamos que poderia dar certo, um pouco de uns artistas mais conhecidos, um monte de bandas alternativas, que amamos, e espalhadas por vários gêneros, dentro de um leque que a gente curte. Mas com certeza, acompanhar a cena, principalmente as bandas com bons shows, ativas, ouvir o público que segue o Circadélica, faz parte de matemática sim! Difícil dizer os critérios, mas foi um pouco do que achamos que o povo, além da gente, iria gostar e um monte daquelas que a gente queria mostrar pra galera, coisas que gostamos bastante.”
[Hits Perdidos] A cada ano que passa vemos novos festivais surgindo de todos os tamanhos em todo o país. Por parte de vocês acontece algum intercâmbio e troca de ideias na hora de observar novos nomes da música nacional?
Mário Bross: “Naturalmente algumas bandas acabam tocando em vários festivais no mesmo ano. Conheço e sou amigo do pessoal que organiza vários festivais do Brasil e acompanho os line ups, com certeza! Porém, gosto de um pensamento independente, fazer um desenho do que acho que pode ser legal, quando botar tudo junto, sabe.”
[Hits Perdidos] Sem pensar na realidade de custos, agendas e tudo mais. Se pudesse trazer qualquer artista, qual seria o line up dos sonhos?
[Hits Perdidos] Como é a sua percepção do público em relação ao festival, você sente que as pessoas comparecem pelo evento em si ou por gostar muito de um ou outro artista?
Mario Bross: “Ah… tem de tudo, mas a venda cega esse ano compreendeu 30% da capacidade de cada dia, então diria que está forte a vontade de ir no festival, independentemente dos artistas.”
[Hits Perdidos] Além da música o festival conta com outras atrações como diversas lojas, food trucks, tatuadores e artistas circenses interagindo com o público. Como costuma funcionar? E como tem sido a recepção do público perante estas atividades?
Mario Bross: “Nas duas primeiras edições funcionaram muito bem, todo mundo que expôs saiu muito feliz e muito rico! (risos).”
[Hits Perdidos] Quais outros festivais do país admira? O que mais vejo são organizadores de festivais reclamando da falta de incentivos públicos e do recolhimento do ECAD, é algo que faz coro?
No Brasil, dos festivais alternativos, tem o Popload que gosto muito, tem o Goiânia Noise, Bananada, Febre, tem o indoor Balaclava que acho massa também. Mas o Lollapalooza, apesar de gigante eu gosto pra caramba. O primeiro Circadélica, em 2001, foi inspirado pelo Lollapalooza do Perry Farrel! :)”
[Hits Perdidos] Do cenário nacional, quais artistas tem observado que um dia espera ver no palco do Circadélica?
Mario Bross: “Das últimas coisas que ouvi que gostei bastante, eu destaco YMA, Mannequin Trees e ROKR.”
[Hits Perdidos] Muitos comentam que o cenário alternativo tem vivido um ótimo momento. Você que tem uma grande história no underground, concorda? O que observa sobre a profissionalização da área e como os artistas tem gerido suas carreiras? Se pudesse dar algum conselho as novas bandas, qual seria?
Mario Bross: “É difícil, né! Não existe uma fórmula. E o conselho depende muito do que a banda quer pra ela. Se quiser fazer o som que quer fazer, seja livre, seja feliz, busque o prazer. Mas, se a banda quer viver de música, quer equilíbrio financeiro com banda, no Brasil, é mais fácil cantando em português, é claro, e tentar fazer um som mais voltado para a letra.
Playlist no Spotify
Para aquecer para a terceira edição do festival preparamos uma mega playlist com 82 artistas que já participaram / participarão do Circadélica. Contemplando assim os line ups de 2001 até hoje. Nos vemos no final de julho!
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