As vezes a vida nos planta conflitos. Estes que se tornam desafios desgastantes, onde sua garganta se resseca e dificilmente você consegue enxergar alegria ou a tão bem dita: luz no fim do túnel. É como se estivéssemos na beira de um precipício e mesmo enxergando nuvens turvas – e relâmpagos eclodindo no horizonte – nos falta coragem para tomar uma atitude.

Isso não te torna especial. Porém não te torna menos que ninguém. Se a vida é uma constante batalha as vezes temos que olhar no meio daquelas nuvens escuras o nascer do sol. Ele que renasce todos os dias e nos dá motivo para persistir a seguir nossos sonhos.

Os desafios e dificuldades eles nunca deixarão de aparecer, mas a força interior para mudar o mundo ela certamente vive dentro de nós mesmos. Por outro lado nossa mente tenta por muitas vezes questionar nosso potencial. Questiona nossos sonhos e se não estivermos firmes: acabamos perto de nos atirar no precipício ou nos aventurando em escapismos e outras coisas – que além de não fazer com que nossos problemas sejam resolvidos ainda nos jogam em outros.

Então é preciso ter equilíbrio e não se abater após uma série de socos na cara. Lembrar que a luta é todo dia, que devemos acreditar na nossa capacidade, talento e força de transformar o mundo.

É desse gole que faz com que tenhamos força para persistir a subir a montanha e não parar. Engrenar na subida e pegar ritmo. Sim, a mesma parábola que nos põe para baixo pode nos elevar.


Nãda lançou no domingo (22) seu segundo EP, Foda-se. – Foto Por: André Leal

Pude conhecer o trabalho do Rafael Inácio, Nãda, ainda no começo de 2016. Ele estava lançando seu primeiro EP, O Que Você Vem Procurando. Este que resenhamos e pudemos entrevista-lo para saber mais sobre as origens e influências do projeto, sua procura e estudo da viola tradicional e vontade de se desenvolver como músico.

Posso dizer que gostei muito do trabalho, dos arranjos e personalidade que ele nos mostrou neste disco. Tanto é que tive a honra de poder contar com ele no tributo aos Titãs, O Pulso Ainda Pulsa, este lançado no mês de Agosto daquele ano.



Uma das mais belas versões e uma das primeiras a esgotar os downloads disponíveis do tributo. O trabalho de reconstrução está ali entre viola e o peso da guitarra.

Um pouco mais de um ano e meio daquele texto chegamos aqui para falar sobre o EP sucessor de O Que Você Vem Procurando (2016). Este que carinhosamente – e ironicamente – recebeu o nome de Foda-se.

Rafael até nos conta que o nome tem como origem sua irritação e inquietude com o processo e preciosismo da indústria fonográfica e todas suas estratégias. Foda-se também porque este registro é um sopro de sua alma. É o querer de transformar passagens ruins em algo bom, verdadeiro e digno. Pouco se importando do que vão achar mas que para ele é algo belo e demasiadamente importante.

NãdaFoda-se (22/10/2017)

Por mais que o nome possa sugerir um descaso com a obra o que ocorre é exatamente o contrário. A importância deste EP é um divisor de águas em sua carreira como músico. Por alguns momentos ele pensou que não poderia mais fazer o que ama. Para compor “Suíte 22”, faixa que fecha o registro ele diz que demorou 4 meses. Foi essa força e vontade de mostrar seu poder como compositor que o motivou a gravá-lo.

Os amigos também foram importantíssimos no processo. O registro conta com duas canções, além de “Suíte 22 temos “Mantra SHOF”. Esta que conta com a participação da banda de stoner de Volta Redonda (RJ) Stone House On Fire.

O EP foi gravado, mixado e masterizado por André Leal e Kleber Mariano no Estúdio Jukebox. Já a arte da capa foi feita por Thiago Fernandes e a edição de imagens por Igor Chiesse.


[bandcamp width=415 height=587 album=1186966958 size=large bgcol=ffffff linkcol=0687f5]


A música caipira ainda se mantém presente no DNA do Nãda mas agora a experimentação com outros elementos místicos, psicodélicos e do oriente se fazem presentes. Além de Viola, Rafael se aventura a tocar guitarra. O lado imersivo no rock alternativo dos anos 70 dá espaço para um viés mais Zen e mântrico na mística e introspectiva “Mantra SHOF”.

Na faixa os integrantes da Stone House On Fire agregam na panela da viola cósmica com Marcus Oliveira (Lap steel) e André Leal, Kleber Mariano e Leonardo Moore na percussão. Inclusive André Leal e Kleber Mariano assinam a produção desta.

São quase 7 minutos de imersão pelo universo paralelo de nossa mente. A conexão astral se desenvolve através das epifanias da viola dinâmica e dos elementos xamânicos que a percussão traz para dar corpo a energia celestial emanada.

Ela consegue passar uma calmaria, leveza e dinamismo que é impossível não se “desconectar” deste paralelo. Em certo momento a distorção alá Rakta e Sonic Youth da viola parece soar como um “berrante elétrico”. A interessante progressão de acordes e pedais deixa a epifania ainda mais desenvolvida.

Assim chegamos a segunda canção e mais dolorosa do disco, “Suíte 22”. Ela como o próprio Rafael crava: “são nove movimentos instrumentais que retratam o dia a dia de um personagem que vive em conflito com o mundo criado em sua mente e a “vida real”. Cheia de significado esta demorou 4 meses para ser composta e é carregada de dores e envolvimento emocional.

Ela tem exatamente 14:25 é é dividida em nove partes. “Vinte”, “Caçando capivara”, “Folk nóia hightech”, “Sertanejo tarja preta”, “Keppra ou canabidiol?”, “Epilepsia”, “Vinte#2”, “Matimu x Gargamel” e “U dois”.

Esta que conta com participações especiais de: Bruno Giacomim nos teclados, Luiza Griman no baixo em “Sertanejo Tarja Preta”, “Keppra ou Canabidiol” e
“Epilepsia”, Frederico Griman nas guitarras em “Keppra ou Canabidiol”, Welington Gonçalves no violão slide em “Epilepsia”, Kleber Mariano na guitarra em “Matimu x Gargamel”, DJ Mauro Sub e Dani Magalhães contribuem nos barulhos e efeitos em
“Matimu x Gargamel”.

Com muitas transições a canção é praticamente uma opera rock da viola caipira. Fãs de folk metal talvez possam se interessar justamente por esta característica tão trabalhada. “Vinte” chega abrindo a odisséia de nosso personagem que já esbarra com a dor de seus conflitos. Caso goste de “Run to The Hills” do Iron Maiden talvez se identifique com essa parte da canção.

“Caçando Capivara” já tem uma energia mais vibrante e feliz. A guitarra dá corpo e parece estar a galope atrás do tal bichano. O tom sinfônico volta em “Folk nóia hightech” esta que traz mais barulhos e sinfonias. A preocupação com as texturas e a sensação de estar andando em círculos mostra todo o sofrimento que a canção carrega.

“Sertanejo Tarja Preta” já começa com o sertanejo de raíz firme e a ambiência dos barulhos trazendo as trevas. Ela por hora parece dançante e confusa, nosso herói se vê num “conforto” provisório. As linhas densas de baixo dão todo esse desconforto e você sofre junto. A angústia está presa no pé dele feito uma âncora, e a saída para este nebuloso cenário parece ser difícil.

Assim entramos na nebulosa sequência “Keppra ou canabidiol?”, “Epilepsia”, “Vinte#2”, “Matimu x Gargamel” e “U dois” que juntas criam uma narrativa mais conectada. Esta que tem ainda um pouco das trevas mas que carrega um lado mais leve. A epopeia me remete ao filme de Lar Von Trie, Dogville, e nos mostra como tudo acontece em círculos. Ad Aeternum. Tudo se repete e aquele relaxar passageiro pode ser visto como apenas um “escapismo”.

A harmonia também me lembrou bastante os discos do Nirvana, pelos seus arranjos mais detalhistas e cheios de dor. O peso das guitarras explicitam todo esse lado e transformam a dor em um grito que reverbera com o ecoar das paredes.



O segundo EP do Nãda dói feito um tiro no peito, causa estranheza feito um disco do Radiohead, carrega uma energia transformadora e tenta achar uma luz no fim do túnel. Mesclando a viola dinâmica a percussão xamânica ou elementos disruptivos ele caminha para contar uma história de dor, perseverança, vontade de sonhar alto e conflitos. É tudo muito intenso e é desta intensidade que faz da obra algo tão verdadeiro, honesto e puro. “Foda-se” vem para apontar que os caminhos criativos que uma viola – e a música instrumental em si – consegue trilhar são vastos e ainda tem muito a ser explorado.

This post was published on 23 de outubro de 2017 6:52 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

Posts Recentes

Bruna Pena busca através da sinestesia cravar sua identidade em “Destrambelhada”

"Destrambelhada" é o primeiro single a ser revelado do EP de estreia de Bruna Pena …

27 de março de 2024

El Toro Fuerte sobre a volta as atividades: “O momento não podia ser melhor”

Após 4 anos de hiato, a El Toro Fuerte se prepara para a volta com…

26 de março de 2024

Madonna em Copacabana, saiba todos os detalhes da coletiva de imprensa

No começo da tarde desta segunda-feira (25) aconteceu diretamente do Copacabana Palace o anúncio do…

25 de março de 2024

Thursday: “Nós estamos nos preparando para fazer os melhores shows do ano no Brasil, pois nenhum outro lugar no mundo esperou tanto tempo por isso”

Thursday, um dos principais ícones do emo/post-hardcore do fim dos anos 90, está prestes a…

19 de março de 2024

O pós-futurista Placebo sintoniza no modo analógico em seu retorno a São Paulo

Há praticamente 10 anos, no dia 14/04/2014 a banda britânica Placebo vinha ao Brasil pela…

18 de março de 2024

Bikini Kill volta 30 anos no tempo em seu segundo show em São Paulo

Depois de mais de 20 anos fora dos palcos, o Bikini Kill, em 2017, retornou…

15 de março de 2024

This website uses cookies.