Nãda: projeto apresenta uma nova roupagem a música caipira

 Nãda: projeto apresenta uma nova roupagem a música caipira

Nos últimos dias conheci o trabalho do Nãda (que a pronúncia é de um duplo-A longo e com som fechado, como se fosse com acento circunflexo) mas para entender melhor fui pesquisar sobre a origem da palavra.

“A palavra Nada significa som e indica a primeira vibração na Energia Espiritual, quando ela se expressa na criação do mundo material. A forma abreviada de nada é chamada de bindhu (gota). Nada, a vibração sutil do som transcendental, apareceu primeiramente no éter do coração do demiurgo Brahma. Dessa vibração sutil transcendental surgiu omkara, composto de três fonemas que representam a Verdade Absoluta em todas as três fases – a Personalidade de Deus, a Alma Suprema e o Ser Absoluto. Dele o Senhor criou todos os sons do alfabeto – vogais, consoantes, semivogais, sibilantes e outros – distintos por características tais como a medida longa e a breve. Por isso afirma-se que o alfabeto sânscrito, em sua ordem, surgiu do Senhor Narayana, quando Ele primeiramente manifestou o conhecimento védico no coração de Brahma.Introdução ao Sânscrito por Loka Saksi dasa

Devidamente introduzidos ao Sânscrito e sua sabedoria milenar do oriente vamos conhecer mais sobre o trabalho de Rafael Inácio e seu projeto, Nãda Viola.

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Antes de tudo temos que falar sobre o Rafael. Nascido em Volta Redonda/RJ ele sempre teve uma ligação forte com a música e seu interesse só foi crescendo ao longo dos anos. Após sair de sua cidade natal, ele viveu 8 anos na capital carioca onde pode absorver ainda mais aprendizados relacionados a este gigantesco universo.

O projeto é o resultado do seu processo de estudos. Rafael é estudioso e pesquisou detalhadamente se fixando nos mínimos detalhes do campo de composição. Ele queria fazer uma música que não apenas transmitisse verdade, mas que prezasse pela técnica e pudesse mostrar todo o seu repertório.

Assim ele se aprofundou na música caipira, de maneira singular, visto que começou a beber da fonte da música de raíz e toda sua estrutura de composição. Claro que o resultado do que ouvimos no Nãda abrange um mar de influências mas nada feito de maneira proposital, e sim, natural. Assim, seu trabalho absorve influências da música caipira, folk e do rock.

Tudo isso a partir de uma viola de 10 cordas, o que cria uma atmosfera mágica e transcendental.

[Hits Perdidos] Como todos sabemos, tocar viola de dez cordas não é a tarefa mais fácil dentro do universo musical. De onde surgiu o interesse pelo instrumento e seu estudo?

“Surgiu em uma época que eu estava ouvindo muito Milton Nascimento, especialmente o álbum Geraes, ali tem umas coisas com viola, isso foi em 2011, afinei um violão de 12 cordas numa afinação de viola e comecei a pesquisar e estudar pela internet, descobri um mundo relacionado a cultura e a música caipira e mergulhei fundo nisso.” conta Rafael Inácio

[Hits Perdidos] A música de raíz caipira é uma marca bastante forte no teu som. A moda de viola é um clássico do interior do país a fora e muitos tem esquecido dela. Considera que está de certa forma realizando um resgate cultural necessário?

De forma alguma considero que estou realizando um resgate ou coisa parecida, primeiro que não fui criado no meio da cultura caipira, não tenho raízes ligadas a isso, apenas estudo e tento usar a mesma linguagem, a forma de tocar o instrumento, e na real mesmo, nem sempre consigo…

Além disso, nem acho que seja necessário um resgate, a música feita com viola hoje tá mais viva do que nunca cheia de ótimos músicos que a representam muito bem, talvez deveria ter mais visibilidade mas aí já é outra história.

Na verdade, tenho visto hoje em dia o contrário, usarem a viola para passar a ideia de um trabalho de “raiz”, porém, nem tocam o instrumento usando as técnicas características, daí, realmente vira um violão de 10 cordas…” comenta Rafael

Ainda tentando decifrar as influências, misturas e composições fiz uma série de perguntas para tentar compreender melhor o som do Nãda. E as respostas  foram muito boas e mostram de certa forma o domínio técnico e sua paixão pela música.

[Hits Perdidos] Seu estilo mistura uma porção de estilos como o blues, o american roots, o bluegrass, o rock alternativo, a psicodelia e o folk. O que houve para se inspirar e como organiza esse mar de influências na hora de compor?

“Não penso em nada disso na hora de compor, simplesmente sento e vou tocando, as influencias surgem naturalmente, são influências de coisas que sempre ouvi e que acabam aparecendo na música, por exemplo, tem uma música chamada “Gastrite Blues”, eu não sentei e falei – Vou fazer um blues por influência e parecido com fulano de tal… quando tava lá compondo, fui criando as partes e pensei – Parece um blues, é um blues meio torto, mas parece… Na real mesmo nem ouço muito blues (risos) é assim que acontece.” diz Rafael Inácio

[Hits Perdidos] Ao ouvir consegui sentir influência de artistas dos anos 70 (como o Big Star, Pink Floyd) e outros muito influenciados por estes artistas (Daniel Johnston, Elliott Smith, Wilco, Sun Kil Moon, Neutral Milk Hotel, Iron & Wine).

De onde veio essa ideia de misturar música tradicional caipira com o rock/folk alternativo estrangeiro?

“Realmente já passei por algumas coisas que você citou tipo o Elliott Smith (between the bars é foda…) Sun Kil Moon, Neutral Milk Hotel, Iron & Wine e ainda acrescento Keaton Henson, The Staves, além dos clássicos Nick Drake, Neil Young, The Byrds, Led Zeppelin…

A ideia de misturar não é de propósito, esse sim é o meu ambiente e acaba aparecendo na música, pois, ao mesmo tempo que tento usar a linguagem da viola não considero que faço com perfeição, eu tento, mas acaba entrando as influências e aí as vezes, a mão direita vem com uma pegada de guitarra… Além da forma de tocar tem também a influência na estética mesmo, tipo, no folk tem bastante disso, aquele cara que toca sozinho, só com seu violão, o primeiro disco do Keaton Henson me influenciou muito nesse sentido na época em que estava fazendo a pesquisa e pensando a direção que ia dar para o trabalho…” argumenta Rafael I.

[Hits Perdidos] Você cita Fugazi e Tom Zé também como importantes influências. E isso de certa forma é incrível, por mais que o Fugazi seja aclamado pelo público, vejo o Tom Zé não tendo o respeito que merece no país. Como vê isso e de que forma cada um te influencia?

O Fugazi é mais a influência do faça você mesmo, do punk, de fazer música sem ter que seguir o caminho comum, sem se importar com prática comercial, além de ter um lado experimental, de mistura de linguagens

Já o Tom Zé é meu ídolo maior, uma das principais referências, me influencia na liberdade para experimentar e usar linguagens distintas, tipo o álbum Estudando o Samba, é samba, mas não é, entende? É tudo torto, cheio de arestas… Além da história das limitações, a primeira vez que vi o Tom Zé ao vivo foi que me liguei que ele não toca AQUELE violão do disco, mas a forma como ele utiliza essa limitação pra criar é o que interessa. Realmente a obra do Tom Zé deveria ser mais respeitada ou conhecida como você falou.” explica Rafael Inácio

No ano passado, o Nãda, lançou o trabalho: O Que Você Vem Procurando. Nele contamos com cinco faixas instrumentais e uma versão de cada com a intervenção de músicos convidados. O que Rafael nos explicará daqui a pouco. O disco foi gravado, mixado e masterizado no Estúdio JukeBox por Kleber Mariano e André Leal.

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Ao ouvir eu consegui encontrar a paz nos primeiros acordes, isso de certa forma me assustou e após procurar sobre a origem do nome do projeto: tudo fez sentido. A tônica de ter uma faixa “solo” e uma com a intervenção de um músico convidado só faz você adentrar ao campo imaginativo e pensar: e se as faixas tivessem um vocal? Como seria?

No fim das contas você nem sente falta de um vocal e sua música pode ser trilha sonora de tantos momentos da sua vida: da busca pela paz através da meditação, a tranquilidade do campo.

A primeira faixa do trabalho “Vazio” é super perfeccionista, cheia de alma e espiritualidade. E nos faz pensar no que seria o vazio? Afinal o vazio pode ser tanta coisa, o vazio pode ser algo super relevante na vida de qualquer pessoa; como também por sua vez: sufocante. Ela te transmite a paz, serenidade e mostra a habilidade no manejo da viola. Na versão com músico convidado quem participa é Rafael Garcês, na viola de 10 cordas.

“Nuvem Branca” tem uma atmosfera que mistura a música caipira com o folk já citado acima de artistas como Wilco, Keaton Henson, Iron & Wine. Ela é rica de elementos e tem progressões bastante interessantes. Meio que consigo ouvir vocais nela mesmo sem ela possuir, o que achei coisa de louco. Os dedilhados são cheios de harmonia além do lado experimental de mistura de linguagens que Rafael cita ao falar sobre Fugazi, estarem presentes.

Na versão ela ganhou o adendo de guitarras de Kléber Mariano e André Leal e ficou ainda mais experimental. O que já transmitia um lado Fugazi e sua mistura de linguagens na versão solo, ganhou ainda mais poder. Em certos momentos a guitarra – e sua distorção – soa até como um berrante, o que eu achei genial. O freestyle dessa colaboração agregou bastante no resultado final.

Aliás recomendo para quem pirar em Fugazi ver o documentário Instrument (2003)

“Gastrite Blues” como Rafael Inácio já comentou: é um blues acidental. Mas talvez por ser um “blues torto”, palavras do próprio; isso transmite verdade e originalidade. Afinal de contas as melhores ideias surgem de jams e nem sempre é necessário ter uma linha de raciocínio clara e objetiva na hora de compor. Tanto que é uma faixa com 2 minutos de duração e o peso da mão feito guitarra, como ele também já comentou, é sentido.

Na versão, os músicos convidados foram: Luiza Griman (baixo) e Frederico Griman (guitarra). A atmosfera da música te transporta para os anos 70, ontem temos o adendo de guitarradas alá Led Zeppelin. Logo o blues torto ganha uma nova roupagem e fica aberto a experimentações, a velocidade da música também é aumentada devido aos solos disruptivos.

Nada I

“Silêncio” parece dialogar com “Vazio” de certa forma, como se o raciocínio de uma ganhasse continuação na outra faixa. A calmaria de “Silêncio” parece melhor resolvida e isso se traduz em sua melodia. Ela desperta a reflexão pessoal e a busca por algo maior. Como se fosse uma atmosfera pós-apocalíptica onde o que nos restas são os últimos fragmentos de uma antiga civilização.

Na versão, o adendo fica por conta da guitarra de Maylson Pereira, que te remete ao som distorcido do Sonic Youth – e do pós rock – somados solos hipnóticos de guitar heros da música psicodélica dos anos 70. Assim a música ganha ainda mais profundidade.

“Strabulado” é a faixa que encerra o disquinho. Com uma linha interessante de acordes, ela mostra outro lado da música caipira, que beira quase o rock. Em sua versão, o músico convidado é Douglas Leal (guitarra e sequenciador) e pós rock ganha ainda mais espaço, não é difícil associar a sonoridade a grupos como o Dinosaur Jr. e Mogwai, você viaja através da atmosfera.

O álbum merece destaque, pois tem uma calmaria ímpar. a música é muito rica em influencias e atmosfera. A cada disco ou referência citada pelo músico conseguimos mergulhar com mais profundidade em sua obra. O conhecimento técnico é um caso a parte, o domínio do instrumento e a riqueza de detalhes não podem ser deixados de lado na hora de apreciar a obra do artista. O disco cresce na mente do ouvinte a cada ouvida na mesma proporção que o interesse pela música de raíz.

pop
Nãda em ação: nas apresentações ao vivo Rafael Inácio conta com uma banda de apoio formada por músicos experientes da região sul fluminense.

As apresentações ao vivo do projeto contam com uma banda de apoio formada por músicos experientes e atuantes no cenário do rock do sul fluminense. Os músicos que atuam na banda além de Rafael são: André Leal (Stone House on Fire / Buzz Driver) na bateria, Júlio Victor (Sasha Grey as Wife / Eu, Você e a Manga) no baixo, Kleber Mariano (Stone House on Fire ) na guitarra e Maylson Pereira ( Eu, Você e a Manga) nos teclados.

Assim as apresentações ao vivo ganham ainda mais elementos e a gama do som fica ainda mais complexa e disruptiva. O projeto ganha um pé na música experimental e cada um contribui de uma maneira ímpar no resultado final.

[Hits Perdidos] As versões com a colaboração de artistas, ganharam ainda mais elementos obviamente e enriqueceram as boas composições. Algumas até com guitarras com pedais com efeitos alá Sonic Youth como se estivesse tocando Hibilly. Como foi a experiência com a banda e como decidiu chamá-los para colaborar?

Na gravação do álbum não foi bem uma banda, em cada faixa teve um músico diferente tocando, e na grande maioria foram guitarristas, funcionou da seguinte forma, mandei a música já pronta e a pessoa fazia o que quisesse contando que eu não tivesse que alterar a viola. Teve gente de banda crust, shoegazer, stoner, indie etc., daí saiu essa miscelânea toda aí que você ouviu.

A banda mesmo com a viola de 10, baixo, batera, teclado e guitarra se formou meio que sem querer. Quando lancei o disco fui convidado para fazer um show, eu não queria tocar sozinho, convidei os caras para um ensaio só pra ver como ia funcionar, se valia a pena arrumar um baterista etc.Deu muito certo,  se você reparar vai ver que tem eles no disco, e o Júlio que toca baixo na banda foi quem fez toda arte, eles estavam bem por dentro do que rolava… Foi incrível como fluiu bem e decidimos continuar depois desse show… A regra com a banda é a mesma, faço a música na viola e eles tocam o que quiserem em cima até fechar o arranjo, as influências vem com força total nessa hora e aparece tudo que você já identificou aí  como referência.” conta Rafael

[Hits Perdidos] O novo álbum será solo ou a experiência em tocar com a banda te encorajou de certa forma a lançar algo totalmente com banda?

Temos as duas situações, há músicas que não funcionam com a banda, a principio sempre componho pensando em tocar sozinho, sem ter que depender de ninguém, só que não ponho barreiras pra isso, se surgir uma frase com uma pegada mais rock por exemplo, já sei que vai funcionar melhor com a banda, isso já tava acontecendo antes de ter a banda, quando fomos fazer esse primeiro ensaio já tinha músicas com essa pegada, “Espinheira Santa” que é a do vídeo é um bom exemplo disso. Pelo menos metade do álbum é com a banda, o resto pode aparecer a viola sozinha e também com um convidado.” comenta Rafael Inácio

Nos últimos dias como Rafael comentou o projeto lançou o clipe para a faixa “Espinheira Santa”, prévia do que está por vir do próximo trabalho. Como podemos ver, o rock psicodélico ganhou peso nesta faixa recém lançada.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=znJ5InJcRJ4]

[Hits Perdidos] A primeira faixa – lançada em formato de clipe – mostra que a psicodelia vai ter espaço reservado no novo trabalho. Como tem sido as gravações do novo álbum e quais os planos para este ano?

“Na verdade fizemos o vídeo para divulgar o trabalho com a banda já que não dava pra usar o primeiro álbum pra isso. Não sei se esse áudio vai pro álbum ou se vamos regravar “Espinheira  Santa”, existe um segundo vídeo com uma música do O Que Você Vem Procurando (2015) na versão banda, vamos soltar daqui um tempo.

Todas as composições do novo álbum estão prontas, os arranjos das músicas com a banda estão prontos (falta uma coisinha ou outra), já tenho música na mão de convidados que vão entrar no bloco “sem banda” do disco. Pra começar a gravar mesmo só está faltando o recurso financeiro (risos).

Então pra esse ano é tocar o máximo possível, ainda vem um vídeo por aí e assim que entrar o recurso gravar.” Finaliza Rafael

Agora tudo que nos resta é aguardar para ver o que eles estão aprontando para o próximo lançamento e apreciar o som. Afinal de contas como Rafael mesmo nos contou, a música feita com viola está mais do que viva, com ótimos músicos e deveria ter mais visibilidade mas aí… já é outra história.

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