A importância da Curadoria na era das Playlists Editoriais e algoritmos
Na semana passada abrimos dois questionamentos no instagram do Hits Perdidos: A Ansiedade causada pelas Playlists Editoriais e o movimento de artistas querendo largar as plataformas de streaming e procurando conseguir um retorno financeiro através de outras plataformas como o Bandcamp e outras de financiamento coletivo. Fato é que nunca se falou tanto na importância da curadoria.
O termo curadoria vem emprestado do campo das artes, curador vem do latim, da palavra “Tutor” (“aquele que tem uma administração a seu cuidado”). Em sua origem um curador trabalha em galerias de arte, museus e fundações. Mas na era da internet o filtro estabelecido pelos produtores de conteúdo para se comunicar com seu público, através de métricas, característica, identidade e critérios muitas vezes únicos que definem a importância de estabelecer todo esse cuidado.
Não importa em que você está inserido, se é humor, entretenimento, cultura, moda, comportamento, beleza, notícias, política, astrologia, esportes e sim a construção da relevância dentro da sua proposta. E claro que autoridade e trajetória se constroem – e não é algo da noite para o dia. Entender sua especialidade, o impacto e construir pilares sólidos de confiança é um trabalho que leva meses, e na maioria dos casos, anos.
Mas todos poderão te dizer que não é um trabalho fácil e como estar lidando com pessoas é desafiador, e por mais que você esteja acostumado: sempre aparecerão desafios, críticas, sugestões e novos caminhos para serem percorridos. Curadoria é um tema muito sério e delicado, ainda mais em tempos de algoritmos, novos formatos, marketing digital e fórmulas que são vendidas por agências como o “caminho mais curto”…seja lá para onde eles querem te levar. Fato é que nenhuma dessas ferramentas, algoritmos e modismos até o momento conseguiu superar a sensibilidade humano de se reinventar – e isso se estende para a credibilidade.
A “Clusterização” e a Vida em Rede
Nos últimos anos o que mais tem se falado é nicho, fortalecer eles, lidar e construir. Palavras como engajar, metrificar, estabelecer metas, pensar em estratégias para amplificar acabam entrando na rotina dos artistas e bandas. Alguns se adaptando melhor que outros, criando maneiras de estabelecer relacionamentos de longo prazo com toda uma cadeira produtiva.
O digital sendo um composto vital para tudo isso. E neste período histórico da pandemia tendo se intensificado. Do dia para noite mecânicas e formas de entender como construir tentáculos digitais e monetizar isso começaram a ser levantados a cada discussão de mercado. Painéis como “O futuro da música independente”, “O cinema e as séries em tempos de COVID-19” e “O Comportamento no Isolamento” foram replicados em diversos textos e provavelmente você esbarrou um.
Artistas investindo em conteúdos no IGTV, tentando monetizar Youtube, produzindo podcasts, levantando campanhas de financiamento, enxurrada de lives, collabs e outros simplesmente experimentando outras maneiras de compor e repensar o “guarda-chuva” dos seus projetos e possibilidades em meio a um cenário hostil seja na captação de recursos para o desenvolvimento da sua arte como a partir de um momento conservador como sociedade.
Curadoria, Playlists Editoriais e Algoritmos
Fato é que no meio disso entram as plataformas de marketing e os famosos algoritmos. As playlists vem ganhando força ao longo dos últimos anos e tem matérias que falam sobre como produtores de conteúdo alcançaram relevância e até mesmo contrapartida financeira através de listas no youtube, spotify, deezer entre outras plataformas.
Dessa demanda claro vieram as playlists produzidas por veículos, marcas e as famosas Playlists Editoriais com a curadoria feita pelas próprias plataformas de streaming. Estas que tem causado uma ansiedade dos artistas que enviam o material com semanas de antecedência, sem ter a certeza dos critérios das curadorias e os direcionamentos que elas tem ou deixam de ter.
Conversando com alguns artistas a crítica que mais tenho visto é em relação a elas muitas vezes pouco dialogarem com os nichos em que elas estão inseridas. Outros reclamam da qualidade ou identificação com as próprias playlists que deveriam fazer parte. Outros veem a força das majors em locais onde deveriam ser ocupados por artistas independentes. O que carinhosamente apelidam de “jabá 2.0”.
Geralmente o que acontece são os números de plays dos artistas inflarem durante o período em que estão presentes nelas, o que dá uma falsa sensação de sucesso – e das coisas estarem dando certo. Embora isso ajude financeiramente, por um curto período de tempo, isso não necessariamente se reflete na lotação de shows.
Alguns argumentam que nas semanas seguintes a queda de plays é violenta e a fidelização é construída mesmo em playlists menores de usuários, influencers e produtores de conteúdo. Voltamos a falar sobre um trabalho de construção, confiança e Curadoria.
O Algoritmo das Plataformas de Streaming
Os algoritmos também possuem erros. É algo que basta se atentar um pouco para ver como recomendações podem ser extremamente falhas e míopes. Ainda mais em tempos onde muitos afirmam onde não consomem música por gêneros musicais.
Quantos artistas você já foi redirecionado no youtube, com as tags certinhas e acabou não te agradando? Quantas segmentações de campanhas de marketing já falharam com o seu público-alvo? Quantas vezes os artistas relacionados a um artista não supriram seu desejo pela descoberta ou se alinharam com a sua forma de consumir?
Quando digo isso não me refiro apenas a música. Consigo claramente enxergar que para certa porcentagem do público isso pode até funcionar…mas que o relacionamento de confiança estabelecido por relações “cauda longa” se tornam a cada dia mais importantes.
Os Algoritmos na Prática
“Quanto mais nichado é um tema ou comunidade, mais feito de relações 1:1 ele é, pois além de nichos serem altamente especializados nos assuntos, eles não seguem comportamentos de massa – pelo contrário – são eles que ditam tendência. Ou seja, aqui, o comportamento humano é essencial. Recomendações de algoritmos servem muito mais pra quando o público ou segmento não é beta e sim de massa, porque aí ele ta só reforçando a moda (estatisticamente falando).”, conta Pedro Spadoni, músico e especialista em performance digital
A Segmentação do Discovery Weekly
“Não quer dizer que algoritmo não funcione pro público nichado, ele funciona sim! Mas porque a tendência do nicho é que cada um seja seu próprio curador. Meu discovery weekly ou as recomendações do youtube são bons geralmente, porque eu sou muito ativo na busca de novidades e eu sei seguir as trilhas de algoritmo também, indo a fundo nas novidades e geralmente seguindo certos padrões de consumo.
Com isso, os algoritmos tão sendo sempre alimentados e vão se adequando… mas se eu paro de pesquisar coisa nova, ele fica um saco. Frequentemente ele fica um saco, pra falar a verdade, porque se eu fico no mesmo nicho ele começa a trazer mais do mesmo, e as bandas soam todas iguais, porque se eu não apontar a direção, o algoritmo vai descer cada vez mais fundo no long tail do cluster que ele criou, e todo o nicho tem um limite de novidade.”, complementa Spadoni
Exemplificando
“O algoritmo vai basicamente entender o que você mais consome e te oferecer algo baseado no que as pessoas com mesmo gosto que você estão ouvindo. Ou seja: se você ouve Strokes, ele vai te mostrar Franz Ferdinand, ou The Hives, ou Bloc Party…mas Beabadoobee, ou The Beths, nunca. Mesmo que as chances de você gostar sejam altas. A não ser que você ouça Clairo e Rex Orange County, aí ele começa a te mostrar os “indies” mais novos. Entende?
Ele começa pelas modas estatísticas dentro de cada cluster, e as novidades nunca estarão lá a não ser que virem “moda”. Ou seja: as playlists de curadores deveriam justamente cumprir essa função de trazer as novidades pra que as pessoas pudessem realimentar seus algoritmos, mas ao invés disso elas trazem músicas desalinhadas com o gosto de cada nicho ou, pior, também baseiam-se em algoritmos para serem montadas, nunca quebrando essa roda. No fim das contas, o algoritmo sempre vai valorizar as massas se não for “educado” por pessoas.”, finaliza o especialista
A Curadoria como Construção
O peso da confiança que você tem em um produtor de conteúdo, seja ele um veículo, influencer, podcast, youtuber, selo, newsletter, marca, produtor musical, produtor de festival é a cada dia mais importante. Muitas vezes esses filtros tem tanto peso como a indicação de um amigo. Relacionamentos construídos ao longo do tempo que às vezes aquele artista ou banda indicado não seriam de um segmento que você buscaria por vontade própria mas que pela relação estabelecida você embarca em dar uma chance e quando vê: ganhou uma nova banda, ou background, para o seu repertório.
A experiência é algo que é um validador. É algo que você faz muitas vezes de maneira inconsciente. Você cria um hábito de dialogar, conversar e procura uma identificação. E muitas vezes um algoritmo, ou uma plataforma, te indicando novas coisas sem critérios claros automaticamente não conseguem estabelecer um vínculo emocional. É disso que nos faz humanos, a chance ao erro, a chance a troca e a chance pela surpresa. Mas até para isso precisamos de métricas de confiabilidade que nem sempre um robô pode nos entregar.
Curadorias Passam por uma constante validação
Mesmo lidando com diversos segmentos e apostando em diversos formatos curadorias podem sim se desgastar. Exemplos não faltam, de encerramento de veículos de TV a queda de audiência das rádios FM’s após o advento da internet. Aquela formula do jabá e exposição forte apesar de ainda efetiva em um país onde 25% da população não tem acesso a internet em suas residências, já não é garantia de vendas.
Hoje em dia quando ouvimos algo na rádio de qualidade questionável já mudamos de estação e se isso vai se repetindo uma hora notamos que nem mais naquela emissora vamos buscar pelas novidades. A qualidade, capacidade de se reinventar e aproximação com o público são constantemente mudadas. Ainda mais em tempos onde nunca se teve tantas boas opções de entretenimento. Algo que se reflete também em outros tipos de experiências.
Festivais, por exemplo, levam anos para que o “blind ticket” seja vendido em sua totalidade sem saber as atrações. É uma construção, e neles além da música que deveria ser o carro chefe, entram outros fatores como experiência e campanhas de mobilização social. E nem sempre dá certo. Tem que estar se reinventando constantemente ou aceitando que nem todo ano a conta vai fechar mas que mesmo assim é importante continuar plantando uma nova semente. Voltamos de novo para curadoria e construção de marca.
O Fator Humano na Curadoria
Ao contrário do algoritmo, que tem em geral uma resposta praticamente imediata, a curadoria assim como uma carreira artística é um trabalho de longo prazo. Leva tempo, investimento, pensar em coisas muito além da criação ou gestão, dinamizar, estabelecer uma rede de contatos, lidar com fãs, planejamento, equipes, outros profissionais, estreitar laços – e muitas vezes se organizar como uma pequena empresa (por mais que muitos odeiem ler isso).
Se fosse questão de lidar simplesmente impulsionar números, mirar nos algoritmos, comprar seguidores, estar abaixo de uma marca ou construção narrativas, talvez fosse um caminho mais fácil.
Não podemos esquecer da humanidade e como nossa trajetória influi em tudo isso. São nossas trocas, relações humanas e permitir mudanças que nos fazem melhores produtores de conteúdo, e consequentemente melhores seres humanos.