Antiprisma abre as portas do coração e desvenda os segredos de “Hemisférios”
O Antiprisma é um grupo que soube com o passar do tempo conhecer suas virtudes, carências, potências e características. Digo grupo porque para mim é difícil olhar para eles de uma forma diferente.
A base é o duo formado por Elisa Oieno e Victor José mas a versatilidade em trabalhar com mais pessoas fez com que a possibilidade de se tornar um quarteto em alguns shows; se tornasse realidade. Recentemente até rolou a colaboração no álbum novo do Pin Ups; e a cada experimentação o som deles cresce como um todo.
Mas não apenas o som mas como suas apresentações. No show que fizeram na festa do Hits Perdidos na Casa do Mancha já observei essa guinada. O que acabou se refletindo em Hemisférios por sua vez. Se na festa eles mostraram sua potência na hora de pegar mais pesado – lembrando Sonic Youth – na calmaria eles nos levam para um faroeste dylanesco e cheio de poeira.
Hemisférios
Antiprisma reluzindo no horizonte feito um espectro solar. Se o disco anterior tinha um aspecto fiel as raízes do folk e nos levava para uma grande imersão e redescoberta de grandes nomes; este novo álbum mira em cheio na década de 70.
Multifacetado tem espaço para o rock de arena, a alma da psicodelia e a introspecção folk.
Não se restringe ao óbvio, é cheio de contrastes e olha para o ontem para explicar o hoje. Sua dualidade pegajosa faz com que as altas e baixas vibrações componham seus hemisférios.
Por horas é desafiador – e punk – com a rústica & fora da caixinha “Só Porque Você Não Se Encontrou” que dá uma cutucada na religião; e no ceticismo, ou caótico como na estridente “Fogo Mais Fogo” que conta com a participação de Gabriela Deptulski (My Magical Glowing Lens).
O mais bacana desta parceria foi que a estrada que construiu ela. A admiração pelo trabalho mútuo virou uma conexão após uma apresentação em Vitória (ES) que deu origem a este que foi o primeiro single a ser divulgado.
O Outro lado do Antiprisma
O período de construção do que viria a ser o álbum passou por várias mãos. De conselhos a criação. Eles citam nomes de convidados como Roger Alex, João Rocchetti (Vitreaux) e Pedro Pelotas (Cachorro Grande), Marlon Marinho, Lua Gior e Rafael Gamadan.
Como dito antes, o som do duo ficou mais parrudo depois da experiência do formato quarteto. Tudo isso devido a experiência com os parceiros de formação: Ana Zumpano (ex-Lava Divers, LEZA), e o baixista, Rafael Bulleto (ex-BIKE).
Essa “Lunação” que fez do som deles partículas em pleno movimento e mutação. A faixa que carrega esse nome é inclusive espacial feito os delírios do Sonic Youth; abstração esta que se olharmos para o debut, jamais sonharíamos que pudéssemos ver.
Eles sabem ser vanguarda e olhar para Dylan e Lou Reed em faixas como “Um Minuto Desse Ano”. Aquela verve rock’n’roll tem sua chama bastante acessa e faz com que viagens no tempo se tornem prazerosas. Feito redescobertas.
As Frestas
Eles iluminam o caminho de pedras que percorrem. Trazem o clímax e o anticlímax para o prisma, e de forma harmônica fazem tudo se encaixar. Peça sobre peça. Com arranjos pensados, sincronia e saindo da zona de conforto para se transformar em um projeto plural.
“Planície Sem Nome” é uma balada powerpop que me lembra muito Big Star mas sem esquecer das raízes, por assim dizer, “woodstockianas”. Os solos de guitarra pulsam, reverberam e se fundem em uma good vibe capaz de te levar para além destes planos ainda desconhecidos.
“Meu Antigo Futuro de Sempre” carrega ironia mas tem um potencial radiofônico que eles ainda não tinham explorado na carreira. Pop, chiclete mas nem por isso, careta. Questionadora, crítica e feita para cantar junto.
Frase que marca: “é conveniente pensar demais…”. Uma boa reflexão para tempos onde a ação e o discurso muitas vezes tem um distanciamento preocupante.
Uma grata surpresa são os lead vocals de Elisa em “Americanos Selvagens” que permitem um bonito encontro com o piano. Questionando nossas origens e o andamento de toda “a barca”. Aliás, os arranjos desta canção são ímpares e não ficam devendo em acabamento para nenhum trabalho de nomes consagrados como Neil Young.
Antiprisma Por Antiprisma
Desafiamos o duo Antiprisma a trazer mais aspectos dos bastidores para a epiderme de Hemisférios. Eles de maneira bem humorada e com muita disciplina fizeram uma auto-entrevista contando detalhes mais íntimos dos bastidores.
Perguntas de Victor para Elisa
Como foi pra você a experiência de fazer um disco desse jeitão independente, como fizemos?
Elisa: “Acho que foi importante para nós nos conhecermos de uma maneira mais profunda enquanto “antiprismas”, e enquanto pessoas mesmo.
Foi o processo de criação mais intenso que já passamos como banda, em muitos aspectos foi muito parecido com o comecinho de tudo, quando estávamos só criando e experimentando no nosso mundinho próprio, mas dessa vez com um pouco mais de pressão e ansiedade – causado por nós mesmos – que naturalmente gerou alguns estresses.
Mas até esses momentos estressantes foram importantes para o todo da experiência e acho que trouxe muito crescimento para nós. Para mim, pelo menos, com certeza.”
Considerando tudo, desde os timbres até as letras, como você acha que esse disco dialoga com os dias atuais?
Elisa: “Acho que, apesar de a maioria das nossas referências e influências musicais serem de outras épocas, nossa intenção nunca foi emular sons e timbres antigos pra ficar parecendo bandas de outras épocas… a graça toda é inserir isso na nossa realidade e sacar o significado “universal” de certas coisas.
Imagens de natureza, reflexões sobre o início da vida adulta e os mistérios da vida, por exemplo, são coisas praticamente atemporais nas artes e sempre estiveram presentes nas nossas composições.
Mas, para mim, nosso trabalho tem um aspecto importante de questionamentos sobre o modo de vida vigente e uma afirmação do ideal de liberdade; que nesse disco ganhou um tom mais especificamente político. Acho que, considerando os dias atuais, não dá pra fugir disso.”
Comparando Hemisférios com Planos Para Esta Encarnação ou até mesmo com nosso primeiro EP, o que mudou e o que ficou?
Elisa: “Certamente, nossa essência ficou, e estamos sempre conhecendo e descobrindo novos aspectos dela!
Na nossa essência estão nossas influências mais profundas, as coisas que no fim das contas são o que nos toca – por exemplo, para mim, e eu sei que para você também, uma visão meio beatnik da vida: a liberdade, os questionamentos, o misticismo…
No nosso EP e no Planos, nós trouxemos isso de uma maneira mais contemplativa e mais puxada para o folk, para o mato… No Hemisférios, resolvemos integrar mais nossos aspectos sombrios também, como que em uma jornada mesmo.
Agora, falando em um sentido bem prático, nossos primeiros trabalhos foram feitos com uma pretensão minimalista e autossuficiente, focada nas vozes e violões. Não existe mais essa pretensão com as músicas do Hemisférios.”
Diz aí algum momento especial nessa tracklist.
Elisa: “Difícil escolher um momento especial porque o processo foi longo e cheio de fases… cada track teve um modus operandi diferente (risos).
Acho que todas as sessões de gravações com os amigos que chamamos para participar foram momentos especiais, de verdade – o talento e dedicação de cada um é de arrepiar.
E ver essa energia fazendo a nossa música tomar forma é foda demais. Talvez o momento mais especial tenha sido a gravação das vozes da “Americanos Selvagens” – foi a última sessão gravada no disco, ou talvez a primeira sessão da “Fogo Mais Fogo”, que foi a primeira que gravamos. As duas sessões da “ponta” foram bem marcantes pra mim, tanto pela expectativa quanto pelo alívio.”
Perguntas de Elisa para Victor
O que você mais gostou da experiência de produzir o disco inteiro por conta própria?
Victor: “Uma coisa que gostei muito desde o início foi poder experimentar a total liberdade na criação do projeto, desde a composição até a escolha da sala a ser gravado cada instrumento.
A gente teve liberdade demais. Ao mesmo tempo isso gera uma responsabilidade ainda maior. Tudo depende exclusivamente de você, mas enfim… A ideia era essa, né? Desde o começo a ideia era ver até onde as nossas capacidades chegariam. Essa foi a parte que mais gostei, essa superação.”
E o que menos gostou?
Victor: Não sei se dá pra dizer que isso é uma parte desgostosa, mas o tempo que levou, o sacrifício de horas e horas mal dormidas, essa parte é bem dura. Não dá pra deixar de lado essa questão do tempo gasto. Tem muita emoção envolvida num disco, a carga é grande, pesada mesmo, e só quem já trabalhou com isso sabe do que estou falando. É difícil demais tirar uma música do absoluto zero, por mais simples que seja. É muita coisa em jogo, muita coisa envolvida, mas não sei se diria que essa é uma parte que não curti, faria tudo de novo!
Se esse disco fizesse parte da trilha sonora de algum filme, qual seria pra você?
Victor: “Nossa, tem tanta referência nessas músicas… Tem toda nossa bagagem ali, provavelmente, aí fica bem difícil resumir tudo em um filme, mas acho que escolheria algum da Nova Hollywood, falando de modo bem genérico. “Five Easy Pieces” em alguns momentos, “The Graduate”, “Two Lane Blacktop”, “Easy Rider”, talvez alguma coisa do Cassavetes… “Woodstock”, evidentemente!
Tudo isso embalado com paisagens de vários tipos. É engraçado, a gente tem esse gosto por essas coisas antigas, mas acho que é um bom momento pra revisitar fases como essa. Nem tudo que está aí há um tempo – arriscaria dizer que quase nada – foi de fato assimilado.
Na real, eu acho que esse disco está bem estranho, cheio de climas, apesar de ter uma unidade forte. Gosto de discos assim, que você ouve uma, duas, três vezes e ainda assim tem coisa pra sacar. Acho que cada um vai ter uma interpretação muito própria.”
Qual é o tema central desse disco, pra você? Digo, o assunto ou a vibe mais importante que amarra todas as músicas na sua opinião?
Victor:
Que difícil! Acho que o que definiria o que está em torno desse álbum é o senso de polaridade: contrastes, gêneros, temperaturas… Tudo aquilo que tem uma outra face, tudo aquilo que existe porque outra coisa oposta existe.
Isso meio que permeia em nossa trajetória, como você sabe, um homem e uma mulher, cada um com uma proposta bem complementar, o elétrico e o acústico, esse tipo de coisa. E também acho que o maior desafio, pra todo mundo que vive no Brasil de 2019 de modo geral, tem sido aceitar, acolher e procurar entender nossos antagonismos, nosso lado oculto.
Não é ruim reconhecer essa parte e levar a vida sabendo que há sim em você parte escura, sabe? Isso na verdade pode ser a coisa mais importante de toda uma vida, e no fundo a gente sabe disso, mas é tanta força tentando desviar nossa atenção pra outras coisas. Sei lá, essa tem sido uma questão muito importante pra mim nos últimos tempos, sei que pra você também.”
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