Em meio a rumores do cancelamento da terceira edição do Primavera Sound São Paulo, em julho foram confirmados dois shows do The Smashing Pumpkins no Brasil. Produzido pela Balaclava Records, em co-realização com a produtora Music On Events, a mini-turnê que integra uma extensa lista de shows na América do Sul e Central, aterrizou no Brasil com duas datas.
A primeira aconteceu em Brasília na sexta (01/11), na Arena BRB Nilson Nelson. A segunda aconteceu na noite do domingo (03), em São Paulo, no Espaço Unimed, com ingressos se esgotando em poucas horas.
Como grande novidade, a icônica banda formada em Chicago, em 1988, liderada por Billy Corgan, que vinha até então lançando discos muito mais focados em sintetizadores e levada oitentista, conta com o retorno dos integrantes da formação original do grupo, James Iha na guitarra e Jimmy Chamberlin na bateria.
Tendo lançado no dia 02/08 seu décimo terceiro álbum de estúdio, Aghori Mhori Mei, que de certa forma retorna as raízes e o peso de clássicos como Mellon Collie and the Infinite Sadness e Adore, o material que marca a volta dos integrantes começou a ser gravado em 2022.
Produzido por Corgan, ele foi gravado durante dois anos e rotulado com um disco de guitarras rock’n’roll, não deixando de lado os sintetizadores, mas com referências do rock progressivo, rock alternativo, heavy metal e pop.
A turnê The World is a Vampire, teve 27 datas esgotadas nos Estados Unidos, e a primeira apresentação no Brasil, na capital federal, foi marcada pelo espírito fanfarrão de quem estava ali para se divertir de Billy.
O setlist de Brasília se concentrou nos principais discos do grupo, tendo 5 faixas do Mellon Collie and the Infinite Sadness e 4 do Siamese Dream. Assim como 3 do ATUM: A Rock Opera in Three Acts, lançado em 2020, 2 do Adore, e outros discos com uma canção cada (Aghori Mhori Mei, If All Goes Wrong, MACHINA/the machines of God, Zeitgeist). Eles ainda tocaram um cover de U2, “Zoo Station“.
A apresentação em São Paulo contou com abertura da banda paulistana Terno Rei, que no momento está mixando o sucessor de Gêmeos, álbum lançado pela Balaclava Records. Com shows do Terno Rei marcado para às 19 horas e The Smashing Pumpkins para às 20h10.
Entrei para a cobertura por volta das 19h30 e pude assistir à última música dos brasileiros em meio a um público que pareceu desconhecer ou não se importar com o trabalho deles. Colocar uma banda de abertura já é um desafio por si só, ainda mais com um som bem diferente do show principal, o que fez com que poucos dessem muita bola.
Como pude acompanhar recentemente uma apresentação deles, na Casa Rockambole, e ver a potência do novo show em um formato ainda mais intimista, acabei não me arrependendo muito de deixar de assistir a uma apresentação com um público hostil.
Mas a noite era do The Smashing Pumpkins. Inclusive com ingressos esgotados há meses. Para mim foi um verdadeiro acerto de contas. Ou melhor dizendo, eu aceito as desculpas. Em novembro de 2010 estive no Playcenter, por lá aconteceu o Planeta Terra (saudades, inclusive). O line up reuniu nomes como Pavement, Of Montreal, Girl Talk 3rd Band, Yeasayer, Hot Chip, Phoenix e… Smashing Pumpkins!
Só que quem conhece a banda de Chicago sabe que Billy Corgan não é uma das pessoas mais fáceis de lidar. Naquela época ele adorava entrar em brigas com seus parceiros de banda e deixar o clima azedo. Para piorar, o setlist escolhido reunia mais lados B’s recém-lançados que pouca gente conhecia. Não estava de bom humor com o público e mal interagiu. Quem eu pude conversar que esteve naquele dia também tem opiniões parecidas.
Desde lá, o grupo voltou algumas vezes, como, por exemplo, no Lollapalooza de 2015, em uma vinda com uma formação um pouco diferente com integrantes do Rage Against the Machine e The Killers. Não fui. Embora os hits que faltaram em 2010, estivessem presentes, desta vez, eu provavelmente não teria curtido esse formato greatest hits repleto de integrantes emprestados de outras bandas.
Mas como diria Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, a vida tinha um plano. Nessa caso, era 14 anos depois, no mesmo mês de novembro, em pleno feriado de Finados, e também Halloween, de reencontrar Billy Corgan. Com trajes que combinam com a data, os fãs brasileiros brincaram que o vocalista estava vestido de Monja Coen.
Foi a quinta vez do Smashing Pumpkins em solo brasileiro.
Quem é fã de longa data sabe como o sincronismo e a numerologia realmente importam para a banda. O show começou, inclusive, às 8h08 da noite com direito a trilha para entrarem seguida de “The Everlasting Gaze”. Aliás, o setlist foi bem parecido com o de Brasília, com exceção das surpresas.
Como um set acústico com Billy solo tocando uma versão lindíssima para o clássico “Landslide” do Fleetwood Mac, e “Shine On, Harvest Moon”, de Ruth Etting, canção datada, veja bem, de 1900, e com tema de colheita. O BIS pegou absolutamente todo mundo de surpresa com uma versão para “Ziggy Stardust”, do David Bowie, em que James Iha assume os vocais principais e Corgan fica nos backin vocals (se segurando para não virar protagonista, é bem verdade).
O clima leve da apresentação e com plateia em verdadeira procissão desde o começo ajudou muito com que os músicos se sentissem confortáveis para se divertir. Algo que já havia acontecido na capital do país e que voltou a se acontecer em várias das manifestações do vocalista. Seja fazendo o símbolo do rock com as mãos, ou brincando com o público, ele parece aproveitar cada segundo de um Espaço Unimed completamente lotado e com várias figurinhas conhecidas da cena de rock brasileira presentes.
Para quem acompanha o grupo desde os tempos de MTV Brasil, ver clássicos como “Tonight, Tonight” e versões acústicas para “Disarm” e “Mayonaise”, teve um gosto especial. Assim como “Ava Adore”, “Zero”, “1979” e “Today”. A versão para “Zoo Station”, do U2, ganhou um solo de bateria classudo de Jimmy Chamberlin (o mesmo aconteceu na supracitada “Mayonaise”). Em muitos momentos Corgan joga trechos dos refrões para os fãs cantarem, como em “Perfect” e na própria “Tonight, Tonight” (em que abre mão, respectivamente, de falar “Perfect” e “Believe in me as I believe in you”).
Em um dos momentos mais divertidos de interação entre os integrantes, Billy Corgan brinca que James Iha acordou cedo para ver a corrida da Fórmula 1 em Interlagos. Ele fala que não sabe nada sobre o esporte. Billy replica perguntando “mas quem ganhou?”.
Iha diz não saber por não ser muito fã do esporte, mas que tem três letras, o nome (é o que aparece no visor das TVs para quem acompanha as posições do grid). Billy retruca falando que foi o holandês Verstappen, e fala que ele gosta dele. Iha replica “estamos na América do Sul, não precisamos disso, bora tocar!”. E voltam para o show sorrindo após ouvirem várias gargalhadas dos presentes. Tudo isso acontece após tocarem a intensa “Bullet with Butterfly Wings”.
A clássica “Perfect” é tocada num tom diferente do álbum Adore (1998), o que faz com que muitos presentes demorem para entender que faixa se tratava, o que achei no mínimo curioso (mas em seu refrão o jogo estava ganho).
Na hora de apresentar a banda eles brincam tocando alguns clássicos do rock, como, por exemplo, “Thundershock”, do AC/DC, e outros trechos de hinos do Led Zeppelin e do Black Sabbath. O que traz também de volta o bom humor do grupo que por muitas vezes não curte se levar tão a sério assim.
Uma grata surpresa do show foi a performance da guitarrista Kiki Wong, do Texas, que em boa parte do show empunhava sua Flying V. Ela faz todos os clichês e farofas com o intuito de ironizar os padrões caricatos do rock mainstream. O baixista, Jack Bates, na banda desde 2015, também não faz feio em sua atuação e dá o punch principalmente nas músicas com referências mais pesadas de Heavy Metal.
“Jellybelly” e “Cherub Rock” fizeram a alegria de quem gosta dos sons mais nervosos do grupo. Uma que entrou para esse hall dentro da apresentação é “Sighommi”, presente no álbum mais recente, Aghori Mhori Mei (2024).
Falando nisso, eles terem largado mão de produzir um som que parece uma extensão de um projeto solo de Corgan, focado em referências de new wave/post-punk inofensivo, foi um grande acerto. As voltas do baterista e do guitarrista da formação original, em 2022, serviram como uma espécie de grande empurrão na direção certa da coisa toda.
A verdade é que sair de lá com a alma lavada parece até um grande clichê de ser dito, se não fosse realmente o que aconteceu. Foi algo mútuo, tanto por parte do público, como por parte dos integrantes. Os estadunidenses saíram sorrindo e reverenciando o público paulistano sem haver nenhuma necessidade de “fazer média”.
Afinal, foram quase duas horas de procissão em que os presentes levaram a sério feito uma missa. É claro que tudo isso em meio a um mar de muitos celulares, mas quem se importa realmente com isso é Brian Molko, do Placebo. Billy e sua gangue, por sua vez, só queriam se divertir e entregar entretenimento para um público sedento por hits de outrora.
Às vezes precisamos de tempo para fechar as feridas do passado… e foi isso que aconteceu comigo na noite deste domingo. Revi uma banda que me ajudou a formar musicalmente, fiz as pazes com eles e me senti abraçando a minha criança interior.
Para mim, isso não tem preço. A sensação de que bom é estar vivo e compartilhando momentos com as pessoas que ama nunca foi tão real. Fico te devendo um abraço numa próxima vinda, Billy.
This post was published on 4 de novembro de 2024 2:17 am
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