O pós-futurista Placebo sintoniza no modo analógico em seu retorno a São Paulo

 O pós-futurista Placebo sintoniza no modo analógico em seu retorno a São Paulo

Brian Molko durante show do Placebo no Espaço Unimed – Foto: Beatriz Paulussen

Há praticamente 10 anos, no dia 14/04/2014 a banda britânica Placebo vinha ao Brasil pela última vez. Na época o vocalista e guitarrista Brian Molko já se indignava com o uso dos smartphones, que em sua opinião “estragam” a experiência de conexão da música ao vivo.

Em resenha feita pelo jornalista Rodrigo Ortega, para o G1, foi relatado na época que o vocalista mudou um verso de “Too Many Friends”, Loud like love (2013), de “Tudo que as pessoas fazem o dia todo é encarar um telefone” virou “tudo que vocês fazem o dia todo é encarar um telefone”.

A sutileza, da época, fez com que isso ficasse apenas na troca da terceira para segunda pessoa, mas ao longo dos anos foi algo que se intensificou. Tanto o registro, quanto o vício, quanto suas táticas para combater tal prática.

Da última vindo ao Brasil, o grupo que faz um som tecnológico, mas sem perder as referências dos anos 90, lançou apenas o álbum Never Let Me Go (2022), no qual o show do último domingo (17) contou com um total de 10 canções em um set de 22 músicas. Apesar de aclamado no exterior, o público brasileiro durante a apresentação pareceu desconhecer a maioria das canções.

Dias antes do show, era possível ver nas redes sociais muitos lamentando a ausência de hits do grupo, como “Special K”, “Teenage angst”, “Meds” e o radiofônico “Every You Every Me”.

Algo bastante justificável, tanto pela cultura das nossas rádios brasileiras (movidas pelo jabá) onde novos lançamentos passam batidos e por tocarem extenuadamente apenas canções que foram sucessos, como também por não vermos um show da banda por aqui há uma década. O que me parece um pouco de displicência da banda, que tratou o show como se fosse “mais um” de uma turnê europeia qualquer.


Placebo em São Paulo
Placebo retorna a São Paulo após 10 anos em show marcado pelo combate aos celulares. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Sem celulares, Infra Red

As restrições não se restringiram apenas ao público, o Placebo também limitou o número de fotógrafos que poderiam acessar o pit. Nossa fotógrafa, Beatriz Paulussen, relatou que somente foram autorizados ao todo dez fotógrafos pela produção. Outra regra era a de que era vetado encostar no palco e se posicionar entre as caixas de som, algo incomum durante apresentações. Ela ainda nos conta que os londrinos colocaram no pé do palco incensos, o que fez com que o cheiro estivesse forte na pista.

Aliás, algo a se ressaltar como positivo foi esse show não ter Pista Premium, algo cada vez mais raro atualmente.

A excentricidade de Brian é um fato conhecido pelo público e imprensa, mas algo chamou a atenção de forma negativa durante a apresentação. Enquanto o papo era apenas uma recomendação por parte da banda, estava tudo bem, mas isso passou um pouco dos limites.

A maioria dos presentes respeitou o pedido dos britânicos, só que desde as primeiras músicas foi possível ver dois seguranças com lanternas, jogando luzes e apontando para os celulares na plateia. Uma espécie de ação hostil que não somente prejudicava as filmagens (e fotos), mas também atrapalhava a experiência de quem estava “desconectado” das redes sociais.


Aviso Placebo em São Paulo - 17:03:2024


A hostilidade também se fez presente para os que se arriscavam a ter seus segundos de lembranças em seus celulares. Um relato no X de Bruce Leal mostra o vocalista do Placebo apontando o dedo do meio para o fã.

A provocação da restrição dos celulares poderia se justificar mais caso o show fosse pensado para algo mais imersivo. Na maior parte do show vemos Brian Molko e Stefan Olsdal, membros oficiais do grupo, na frente do palco e em uma espécie de retângulo, o baterista e os outros músicos. Por mais que seja para priorizar os membros oficiais, o “cercadinho” traz consigo um distanciamento.

O show que apesar de contar com bons efeitos de luzes, não tem um cenário muito interativo, o que pela atitude mais acanhada dos artistas no palco, faz o show em canções mais amenas soar frio.


Placebo - Brian Molko - São Paulo - Brasil - 2024
Brian Molko durante show do Placebo no Espaço Unimed. – Foto Por: Beatriz Paulussen

O setlist

Como dito no começo do texto, o setlist desmotivou uma parte do público a comparecer. Assim como o alto valor dos ingressos, R$ 250 e R$ 700. Mas isso não se refletiu no Espaço Unimed, que visualmente pareceu estar com 80% da sua capacidade de lotação.

Após um começo de show com canções mais recentes e frias, na melancólica “Happy Birthday in the Sky”, Brian disse que era o aniversário do tecladista Bill Llloyd e que a música seria uma celebração em vez de um momento triste. Um dos raros momentos de diálogo do vocalista com o público. Do autointitulado, a única canção presente no set foi “Bionic”.

O show tem poucos momentos para hits e canções mais aclamadas. Feito um jogo que se reflete na animação do público que se empolga durante a execução de faixas como “Too Many Friends”, “Exit Wounds” e “For What It’s Worth”. A sequência de “The Bitter End” e “Infra-red” também foi uma das mais celebradas antes do bis.

Se Brian estava preocupado em combater celulares, Stefan, por outro lado, tentava quebrar um pouco da frieza europeia. Ele pulava, posava e se ajoelhava para tocar seu instrumento. Se por um lado a interação soava blasé, o som estava bem executado.

Após sair por alguns minutos, eles retornam para tocar mais três. Escolheram fechar com “Running Up That Hill (A Deal With God)”, da Kate Bush, e poderiam ter até tocado a ótima versão de “Where’s My Mind?”, do Pixies, mas ficou por isso o fechamento.

Após algumas firulas no encerramento da versão do mega hit, Molko recebe uma bandeira do orgulho trans, a qual se entrelaça e manda beijos para o público.

A impressão que tive, tendo comparecido no show de 2014, é que a banda perdeu um pouco do impacto que tinha ao vivo. Se escorando em um disco pouco conhecido pelo público brasileiro, e sem a potência do antigo baterista, Steve Forrest, que participou das turnês dos discos Battle For The Sun e Loud Like Love, o show soa mais mecânico e previsível. Basta ver a variação de setlists da turnê da América Latina.

O experimento de imersão no show, é de fato interessante, e se feito de uma forma mais saudável pode ser o futuro. Porém, enquanto for algo socado pela goela com luzes na cara do fã, ainda parece algo impositivo, hostil e frustrante para os fãs. Afinal de contas, uma sugestão não deveria ser uma imposição. E que Brian Molko que entenda as críticas recebidas nas redes sociais.


Stefan do Placebo em São Paulo (2024)
Placebo em São Paulo. – Foto Por: Beatriz Paulussen

Setlist: Placebo @ São Paulo (17/03/2024)

Forever Chemicals
Beautiful James
Scene of the Crime
Hugz
Happy Birthday in the Sky
Bionic
Twin Demons
Surrounded by Spies
Soulmates
Sad White Reggae
Try Better Next Time
Too Many Friends
Went Missing
Exit Wounds
For What It’s Worth
Slave to the Wage
Song to Say Goodbye
The Bitter End
Infra-red

Encore:
Taste In Men
Fix Yourself
Running Up That Hill (A Deal With God) (Kate Bush cover)

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