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Bemti embala nostalgia dos anos 2000 e sampleia riff da música africana em “Melhor de Três”

Nesta quarta-feira (24) Bemti dá o pontapé inicial para apresentar sua nova fase que se desencadeará em seu terceiro disco solo. O músico mineiro lança hoje em Premiere no Hits Perdidos o single + videoclipe para “Melhor de Três”.

Produzida em parceria com Luis Calil (Cambriana), em que já pode colaborar junto em “Quando o Sol Sumir”, feat. com Fernanda Takai presente no disco mais recente do cantor, o novo material conta com um riff de guitarra de “Ziglibithiens”, música lançada em 1978 pelo artista costa-marfinense Ernesto DjéDjé.

“Eu queria que essa música evocasse uma praia sintética e nostálgica, algo diferente do clichê musical praiano com que estamos acostumados. E essas conexões inter-atlânticas refletem a jornada da própria viola caipira, que surgiu da guitarra portuguesa e foi transformada nos interiores do Brasil sob a influência das populações indígenas e africanas”, conta Bemti.

O material foi gravado no estúdio Toca do Tatu, em São Paulo (SP), com o apoio técnico de Caio Alarcon e Guilherme Kastrup. “É uma letra sobre tentar, falhar, recomeçar… Mas também sobre saber aproveitar o caminho”, sintetiza o músico.

“Achei muito divertido criar uma música que você escuta e reconhece de cara que é bem mais upbeat do que meu som anterior, mas com uma tensão presente ali, algo como estar bem doido numa festa e torcer pra uma bad trip não te pegar, ou estar relaxando numa praia enquanto o mundo desmorona em volta de você”, conta Bemti.

Videoclipe para “Melhor de Três”

A faixa também chega acompanhada de um videoclipe filmado em Ilhabela, o litoral paulista, com referências dos anos 90 e 00. O material foi dirigido por João Terezani, que utilizou câmeras vintage para dar mais autenticidade ao projeto, o clipe explora os limites entre sonho e realidade.

“Isso tem muito a ver com a minha geração que vive nessa era onde tudo é registrado e compartilhado a todo momento, mas que foi criança nos anos 1990, o último refúgio analógico da humanidade”, diz o mineiro

O processo do clipe foi voltado para a construção dessa imagem nostálgica e particular ao mesmo tempo, como um registro de viagem, com momentos íntimos mesclados à performance do cantor. A criação foi colaborativa e buscou imprimir essa atmosfera pela decupagem e movimentos vivos da câmera, textura e cores do vídeo”, explica o diretor sobre o desenrolar.



Bemti lança “Melhor de Três” – Foto Por: João Terezani

Entrevista: Bemti sobre “Melhor de Três”

Como foi o processo de composição em sua nova fase?

Bemti: “O novo disco foi 90% escrito entre Bahia, Rio de Janeiro, Portugal e Inglaterra, entre 2022 e agora. Tem muitas composições sobre essa euforia pós-pandêmica de querer viver tudo em todo lugar ao mesmo tempo, da euforia e da ressaca emocional que bate depois.

No meu caso foi o período em que eu tava saindo da toca depois de tanta desgraça: viajando aos trancos e barrancos pra fazer shows do disco Logo Ali, morando fora do Brasil pela primeira vez na vida, vivendo umas temporadas como nômade digital, me apaixonando a mil por hora em todos esses lugares… ao mesmo tempo em que passei por uns episódios depressivos piores do que na pandemia.

O próximo disco é acima de tudo muito sensorial e muito litorâneo, eu compus as músicas sempre impulsionado por movimentos e por experiências novas. Foram mais de 30 músicas escritas nesse período, mas rolou uma seleção pro disco (porque nem todo mundo tem o orçamento da Taylor Swift).”

Sente que está cada vez mais indo pro indie, mas sem esquecer da pluralidade do pop moderno?

Bemti: “Acho que desde o primeiro disco o termo que me definiu melhor é “Indie”, mas é um termo que ainda assusta muito os programadores, então a gente precisa ficar cheio de dedos pra explicar o som. Principalmente no meu caso que eu tenho o “agravante” do meu instrumento principal ser a Viola Caipira. Mas eu confio muito que pra pessoa “entender” o meu som ela só precisa me escutar: eu não subestimo ninguém porque eu não gosto de ser subestimado quando escuto algum artista.

No segundo disco, o Logo Ali, como eu tinha a chancela e o patrocínio do Natura Musical, eu matei uma vontade de fazer um disco muito grandioso e muito “brasileiro” (na minha cabeça) com muitos colaboradores: um grande quebra-cabeça do que é o “Brasil do Brasil”.

Eu sempre brinco que ele é meu Clube da Esquina pessoal com pitadas de Arcade Fire. Mas também queria me aproximar de alguns artistas da música brasileira com os quais eu acho que o meu som dialoga e que eu queria muito conhecer. Essa aproximação não aconteceu, então acho que isso me deu mais liberdade pra chutar o balde em relação ao som do próximo disco.

A Viola Caipira segue sendo meu instrumento principal, mas eu não estou tendo qualquer “cuidado” em “soar brasileiro”, essa definitivamente não é uma preocupação. É um disco de um Violeiro que cresceu escutando de tudo e que nos últimos 3 anos ficou particularmente obcecado por gente que nem Jungle, Jessie Ware, Bonobo, Caroline Polachek… A minha confiança é acreditar que as pessoas querem ouvir Pop em português que vá além do óbvio e da superfície até porque todos esses gringos que citei tem um público imenso por aqui.”

Aliás, como enxerga a repetição de batidas, conteúdo mais ralo e superficialidade do gênero em nossos tempos?

Para entender o contexto: leia o artigo da Scientific American

Bemti: “Eu pensei muito essa semana sobre essas músicas feitas por inteligência artificial… um amigo me mostrou uma em que o prompt era “Nova MPB pela paz mundial” e até o timbre das vozes era igual ao de uma certa dupla de artistas. Fora todo o desespero ético que uma coisa dessas provoca, eu fiquei pensando que a inteligência artificial copia aquele padrão não só porque é o patamar do que faz mais sucesso, mas também porque tem muitos e muitos artistas que copiam aquele estilo procurando fazer aquele sucesso.

Aí tudo fica igual. Fazer arte que quebre expectativas é uma “arma” para combater uma previsibilidade que já é copiada com quase perfeição pela inteligência artificial, que vai ser responsável por criar cada vez mais conteúdo. Esse é o básico da arte desde o início dos tempos, é expressão, abstração, quebra de expectativa, conexão… Mesmo na era do scroll infinito.

No meu projeto solo eu me guio muito por fazer coisas que eu queira escutar e que estejam sempre me desafiando como compositor, músico, produtor, etc e porque eu sou um tremendo nerd. O dia que eu estiver fazendo algo claramente raso e caça-níquel pode ter certeza que é um projeto paralelo ou que eu estou sendo bem pago pra isso.”

Neste primeiro single, você foi atrás da sampleagem de uma música africana que fez muito sucesso. Como enxerga as polêmicas recentes com isso, como, por exemplo, FBC x Anitta, referenciando direta e/ou indiretamente, nomes como Afrika Bambaataa? Como foi seu processo para chegar nesse som e optar por fazê-lo da forma que fez?

Bemti: “O disco novo olha para vários litorais diferentes do Oceano Atlântico gerando conexões entre eles e no período em que eu estava em Portugal e na Inglaterra conheci muitos musicistas africanos (da Angola, Nigéria, Marrocos…) e alguns deles estarão no disco. Queria muito ter gravado uma parte do disco no continente Africano, mas infelizmente não tive condições pra isso.

A Viola Caipira é um instrumento que surgiu no interior Brasileiro a partir da Viola Portuguesa sob influência das populações Indígenas e Africanas que estavam aqui: a família da minha mãe tem ascendência Africana e Indígena, então tem todas essas camadas nesse novo trabalho.

No caso da “Melhor de Três” minha primeira conversa com o Luis Calil, o produtor, foi “Eu sempre quis fazer uma música em cima de algum sample e to obcecado por essa música aqui”. Aí foi um processo super longo de criar em cima do riff de guitarra da “Ziglibithiens”, gravar o riff com a Viola Caipira, procurar as mil editoras que já tiveram direito sobre essa obra desde 1978, pesquisar a vida do Ernesto DjéDjé (que faleceu em 1983)… No meu caso rolou esse cuidado de registro e de crédito e mesmo assim estou aberto caso apareça alguma outra demanda.

Mas esses dias vi por exemplo que no primeiro disco do Black Eyed Peas samplearam várias coisas do Jorge Ben e nem creditaram muito menos falaram com ele… No fim das contas é tudo um ciclo meio infinito em que artistas gigantes rodeados por grandes equipes se inspiram ou copiam os independentes que tão ali na vanguarda e que por sua vez se inspiraram ou copiaram de algum outro lugar.

Eu li a explicação do Zebu que produziu a música da Anitta sobre esse caso específico e é perfeitamente lógica. Acho que a forma como os artistas grandes levam e creditam essas “inspirações” faz toda diferença. Mas tem coisa que é sim plágio e aí, boa sorte pra quem precisar lutar pelos seus direitos contra um artista milionário com uma gravadora por trás.”

Você fala justamente sobre nostalgia, como sente que esse sentimento bateu durante o processo e o que podemos esperar do disco?

Bemti: “Acho que o sentimento que resume melhor o disco é quando você está passando um feriado numa praia e começa a sentir saudade daquela situação enquanto ela ainda está acontecendo. E se eu ficar aqui pra sempre, eu consigo alongar essa sensação ou daqui a pouco já vai perder a graça?

É uma sensação muito específica e muito agridoce que a gente pode extrapolar para relacionamentos ou momentos tranquilos da vida… Ao mesmo tempo eu tenho um objetivo de criar uma sensação praiana diferente do clichê de “música de praia” que a gente tá acostumado. Usar da simbologia para construir um litoral com camadas bem densas e cores não óbvias.

É um disco que vai bater diferente para cada pessoa que escutar, justamente por ter um fio condutor mais “abstrato” do que os outros dois discos. Tenho certeza que tem gente que vai achar um disco feliz e gostoso, tem gente que vai achar devastador, e tem gente que vai achar as duas coisas.”

A pergunta que fica após ouvir a música: ainda acredita em finais felizes ou acha que nós mesmos temos a capacidade de se surpreender com os desenrolares da vida?

Bemti: “A questão do “final feliz” nessa música tem uma pegadinha porque esse verso vem de uma música super feliz que eu escrevi na Bahia num momento que era um “final feliz” pra mim: estar num lugar paradisíaco com alguém com quem eu achei que ia me casar. Cinco meses depois eu estou solteiro no Rio de Janeiro, totalmente destruído, mas tentando me reerguer.

A outra música foi jogada no lixo e esse verso volta dentro da “Melhor de Três” que é sobre estar sempre recomeçando (e que eu escrevi numa casa onde a Marisa Monte morava quando gravou os primeiros discos, mas isso é uma longa história).

Não existe final feliz porque a sua história só termina quando você morre, e isso não é uma afirmação triste! Enquanto você está vivo tudo é uma montanha-russa sem fim, mesmo quando você acha que chegou em um final feliz que nunca tinha chegado antes. O negócio é aproveitar a jornada enquanto caminho pro próximo “final feliz”.

Eu cito o “Grande Sertão Veredas” do Guimarães Rosa na faixa “Do Outro Lado” do disco Logo Ali e é uma citação que sempre volta na minha vida: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”

Como foi sintetizar tudo isso no roteiro e estética do videoclipe? E como acredita que teu olhar como produtor audiovisual contribuiu nas trocas com o diretor?

Bemti: “Por ter formação em Audiovisual eu sempre falo pras pessoas que quando elas vêem algum clipe meu, o roteiro e a montagem têm a minha expressão artística tanto quanto a música, as letras, a minha voz… Como o disco tem essa essência da nostalgia, dos fragmentos de memória, do que é real e do que é inventado, eu fui 100% pra linguagem analógica.

Estou me inspirando em vários visuais dos anos 90, gerando muita imagem com filme fotográfico, e no caso do clipe da “Melhor de Três” gravamos em fita Video8 com uma câmera da época.

Pra gente que é 30+ é muito doido olhar pros anos 90 como o último refúgio analógico da humanidade, e é muito doido olhar pras gerações novas tentando absorver algo do que foi a vida pré smart phones: seja consumindo vinil ou levando uma cybershot pra uma festa.

Mas as maiores inspirações pra esse clipe são o filme “Aftersun” e “Os Rejeitados”. O “Aftersun” porque a câmera de fita é um personagem a mais do filme. Quando você vê aquele material é porque um personagem está filmando o outro ou está se filmando, e a protagonista está vendo aquele material vinte anos depois tentando entender quem era aquele pai.

E “Os Rejeitados” porque não é só um filme que se passa em 1970, ele foi todo gravado e editado com equipamento e linguagem da época para PARECER um filme DE 1970. Eu queria que o meu clipe tivesse essa sensação de uma fita que alguém descobriu no porão da antiga MTV.

Quem é aquele casal implícito que tá ali? Quais questões tão escondidas naquelas imagens? O que é de verdade e o que é de mentira? A direção do João Terezani foi muito certeira porque o jeito que ele se posicionou como um personagem a mais do clipe, e filmando de um jeito “antigo”, fez toda a diferença pra essa estética que eu queria.”

This post was published on 24 de abril de 2024 9:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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