Primavera Sound São Paulo 2023: The Cure, Pet Shop Boys, Bad Religion, The Hives, black midi e Slowdive fazem shows à altura do festival
Se o lema do Primavera Sound é a cada novo festival o line-up contar a sua própria história, o Primavera Sound São Paulo 2023 não foi contra essa máxima. De supetão a redução do número de atrações, em relação a estreia no país, além da troca de local, mudança de produtora, além de um perfil de curadoria focado em um público mais velho gerou certo burburinho nas redes sociais.
Se a primeira edição teve grande parte da programação focado no público entrante em festivais e lgbtqiapn+, a segunda trouxe ao Brasil ícones da história da música agradando em si um público 35+, ao menos os headliners. Um meio termo entre o C6 Fest e o próprio Primavera mas como um perfil mais seguro de um Lollapalooza.
A Estrutura do Primavera Sound São Paulo 2023
Projetado para receber 50 mil pessoas por dia a mudança de local trouxe um mapa bastante distinto do que tivemos no Complexo do Anhembi, onde a maior reclamação foi principalmente as longas distâncias entre os palcos. Se o The Town, que utilizou o mesmo Autódromo de Interlagos, foi um desastre por si só nos quesitos organização e logística. O Primavera Sound São Paulo 2023 teve o norte do slogan clássico da Volkswagen, “Think Small“.
A redução do line-up e não ter a pretensão de receber mais de 100 mil fez com que o mapa do festival fosse dinamizado com o enfoque em uma experiência para o público muito mais agradável que o Lollapalooza que já acontece lá a quase 10 anos. O que fez com algumas coisas fossem perceptíveis como a 5G do celular funcionar do começo ao fim, banheiros em condições um pouco melhores do que o costumeiro, mais espaço para circular sem ter medo de desmaiar (e olha que presenciamos alguns) e melhor circulação entre palcos.
Água para Todos
Com a repercussão morte de Ana Benevides no show da Taylor Swift realizado pela T4F, a política de hidratação foi uma das grandes bandeiras do festival. Durante os shows eram distribuídas garrafas, copos e saquinhos de água nas imediações dos palcos. Teve até marca que distribuiu protetor solar como ação. O que não foi suficiente e será necessário repensar daqui para frente políticas por parte dos produtores em situações de calor extremo. Tivemos picos de 34 graus durante o fim de semana e foi um prova de fogo assistir shows como do OFF!, black midi e Slowdive debaixo de um sol escaldante.
Se festivais como Turá, Lollapalooza e The Town viraram uma espécie de festival de marcas com música de plano de fundo, onde a cada passo você se depara com 5 ativações e filas para colecionar brindes (muitos deles inúteis), o Primavera Sound São Paulo fez diferente. Os patrocinadores estavam ali mas com ações voltadas para contribuir para a melhor experiência do festival, tirando aquela energia de entrar em um shopping e ver dezenas de vitrines. Esse social good foi elogiado pelos presentes.
Assim como tradicionalmente acontece nos festivais, em ambos os dias a partir das 18 horas o número de pessoas concentrado aumentou significativamente. A configuração dos horários deixou Beck, um dos headliners no domingo, tocar no meio da tarde, já o Pet Shop Boys praticamente “abriu” para o The Killers, no sábado. Mas não se falou em outro nome o fim de semana que não fosse o do The Cure, inclusive, há relatos que a Galeria do Rock teve grandes buscas por camisetas da banda de Robert Smith nos dias que antecederam o evento.
Edição de 2024 confirmada e com vendas do Early Bird abertas
A edição 2024 do festival, ocorrerá nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro, novamente em Interlagos.
As vendas do early bird, aquele esquema onde você compra sem saber o que vai rolar com um bom desconto, foram abertas ao meio-dia da quarta-feira (06/12) no site da Tickets for Fun.
Valores:
- Meia-entrada R$ 500,00
- Inteira: R$ 1.000,00
Os Shows do Sábado (02/12)
ÀIYÉ
A primeira artista a pisar no Palco Barcelona no Primavera Sound São Paulo 2023 foi a ÀIYÉ. Se a Balaclava não teve muita sorte na edição do Lollapalooza quando viralizou a manchete da Gab Ferreira tocar para 40 pessoas, desta vez foi a vez deste show ser prejudicado. A artista que subiu ao meio dia e meia para apresentar seu segundo álbum, Transes, viu seu set ser cortado pela metade devido a problemas técnicos como relatou Marcelo Costa, do Scream & Yell.
Getúlio Abelha
Do começo ao fim uma apresentação para não esquecer tão cedo. Além de ser a primeira vez que um artista de Forró sobre no palco do Primavera Sound no mundo todo, a apresentação mostrou muito da capacidade do artista em mostrar sua personalidade em cima dos palcos. Bem humorado e com músicas para colocar todos para dançar, o artista tem em sua companhia um corpo de bailarinos bastante participativo em canções que falam sobre lances & outros romances. Ele já entra no palco sendo carregado e com seu visual característico.
“Gente, um show de forró no Primavera Sound…. uou. Eu quero dar um beijo no cuzinho de todos vocês. É só me dar um tchauzinho”, diz Getúlio Abelha durante a apresentação
Com show focado no álbum de estreia Marmota (2021) que na época do lançamento disse falar “sobre ter um desejo de viver, dançar e enlouquecer, se expressar, colocar dores para fora por meio da cultura nordestina, sempre com humor.”. O musico que acaba de retornar de uma turnê europeia, inclusive, em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos realizada diretamente do camarim logo após a apresentação que aconteceu debaixo de muito sol Getúlio nos adiantou em primeira mão que tem planos de lançar um novo disco em 2024.
Um dos pontos altos foi a apresentação de “Voguebike” com a tradicional entrada do corpo de bailarinos coreografando com bicicletas, a faixa, inclusive tem videoclipe finalista do m-v-f- awards e você pode votar clicando aqui. Em determinado momento, o baterista que o acompanha se anima com a atmosfera predominantemente roqueira e arrisca uma linha de bateria digna do punk rock. Entretenimento garantido!
OFF!
Depois de 10 anos o OFF!, banda liderada por Keith Morris (Circle Jerks e Black Flag), volta ao Brasil com o desafio de tocar debaixo de um sol escaldante e inumano. Se tava ruim para a banda que levou jato d’água durante a apresentação em cena icônica do guitarrista não entendendo nada do que estava acontecendo, imagina para o público que ensaiava e se atirava em uma das inúmeras rodinhas punks que aconteceram durante o festival.
Como pude estar presente naquela oportunidade posso ressaltar que assim como as bandas do vocalista, as faixas que já são curtas ao vivo ficam ainda mais curtas, o que em um show de 40 minutos faz com que o setlist seja bastante generoso. Vide os shows em Curitiba e em Porto Alegre, realizados dias antes do Primavera Sound São Paulo 2023 onde tocaram 25 músicas.
As duas vindas da banda de Keith Morris ao Brasil nos fazem lembrar os tempos áureos do Black Flag que hoje tem como vocalista Greg Ginn e longe de estar na sua melhor fase. Inclusive, tocaram recentemente por aqui. Se o Brasil não teve a chance de ver os shows do FLAG, os do OFF! acabam de certa forma compensando para quem gosta do hardcore visceral dos californianos.
black midi
Com bem menos tempo para firulas e experimentações a parte do que no show no Cine Joia onde o grupo londrino pode até mesmo fazer uma jam tocando “Around The World” do Daft Punk, a apresentação no Primavera Sound São Paulo 2023 teve que ser mais objetiva e sóbria. Por mais que o calor não deixasse que eles tocassem a vontade. Trajados com camiseta do Brasil e do Corinthians, eles entram no palco ao som de “Tchu tchuca”, do Bonde do Tigrão.
O repertório de 10 músicas foca majoritoriamente nos discos Schlagenheim (2019) e Cavalcade (2021), do mais recente disco, Hellfire (2022) eles tocam apenas “Sugar/Tzu” e “Welcome To Hell”. A surpresa fica por conta de “John L” ter uma breve homenagem a “N°2” a Clube da Esquina no encerramento do show.
Com a fórmula em ser experimental e a fama de shows barulhentos, depois de uma passagem frustrada onde aconteceria show no Sesc Pompeia, o black midi estreou no país. Com direito a várias rodas punks e gringo sofrendo pelo calor, a apresentação ficou marcada pela versatilidade, técnica e combustão sonora do grupo. Foram eleitos quase o melhor show do dia, bateu na trave.
Metric
Após 15 anos da última apresentação o Metric veio ao país pela terceira vez. Com 25 anos de história a banda de Toronto que tem como frontwoman Emily Haines e o guitarrista James Shaw conduzindo a locomotiva de pistas de indie rock faz um show surpreendente para as nossas expectativas. A energia vai de Blondie a atmosfera do Copacabana Club, quem lembra?
Com teclas e entrega, o show tem seus momentos e nos faz lembrar como conhecemos os hits de outros tempos. Tendo até espaço para “Black Sheep”, trilha de Scott Pilgrim, no set. 2023 também marca os 20 anos do álbum de estreia, Old World Underground, Where Are You Now?, que no set foi representado pelo single “Combat Baby”.
A fidelidade do som com os registros em estúdio é alta a se observar justamente que no indie rock sempre vemos muitas distância, como por exemplo os Strokes que tem fama de realizar shows tenebrosos quando vem ao país. Emily sofreu no sol mas manteve a pose com seu collant. Os maiores hits, “Gold Guns Girls” e “Help I’m Alive”, também fizeram parte da apresentação.
The Hives
Quem foi no primeiro show do The Hives no Brasil, lá em 2014 já sabia, o grupo sueco liderado pelo bem humorado Pelle Almqvist faria um dos melhores shows do dia. Durante a pandemia eles inovaram fazendo um show digital para lá de diferente. Voltam com um desafio: enfrentar o calor trajados de ternos customizados e desafiando o próprio legado do garage rock dos anos 2000, onde encavalaram alguns hits nas paradas, entre eles o hit “Hate Say I Told You So”.
Tem até quem não gosta do jeito caricato do frontman mas estando lá é difícil não se divertir com uma trapalhada ou outra de um vocalista que atiça o público a cada oportunidade que tem. Faz isso até mesmo quando é hora de tocar músicas do esquecível último disco do grupo, The Death Of Randy Fitzsimmons lançado em agosto.
O desafio de ter um show curto no meio da tarde tem a grande virada de jogo em trazer como contraponto a intensidade costumeira mesmo longe do ar-condicionado mas isso não é bem um problema. Visto que Pelle durante suas inúmeras descidas para o público entra com todo o corpo num cooler para esfriar a temperatura.
Mesmo que tentem empurrar ao longo do show 5 músicas do disco novo, o poder de fogo de discos como Veni Vidi Vicious e Lex Hives se destaca ao longo da apresentação. Já em “Tick Tick Boom”, de The Black and White Album, ele convoca os presentes para ficar agachados até segunda ordem provocando o evento onda para as câmeras da transmissão oficial.
“Walk Idiot Walk”, “Take Back The Toys” e “Wait a Minute” foram canções que podiam substituir algumas do disco novo, por exemplo. O que não muda a boa apresentação recheada por rodinhas, palavras lidas em português, piadas e um storytelling. Tem até pedido canastrão para o público afirmar que a partir de agora aquela banda seria a favorita deles. Quem sofre no som também são os “ninjas”, são assim que se trajam os roadies que tem que correr atrás do frontmen durante suas várias corridas que cruzam os limites do palco com certa frequência.
Pensando bem, com um terno daqueles e eles sofrerem embaixo do sol, nada mais justo do que se jogar dentro de um cooler, não é mesmo?
O fato atenta para uma nova realidade que estará presente no cotidiano dos próximos festivais: não há como existir festivais em meio a uma onda de calor. É preciso repensar as condutas mesmo que isso gere adiamentos. Vidas sempre em primeiro lugar.
Vocalista do The Hives dentro do isopor de gelo
Só isso, esse é o tweet.pic.twitter.com/zgmrtkg0xj
— felipe (@flpzero) December 2, 2023
Slowdive
Ter a oportunidade de ver Slowdive num festival como o Primavera Sound São Paulo em 2023 é um privilegio. Os ingleses, Nick Chaplin, Rachel Goswell, Neil Halstead e Christian Savill subiram ao palco sob o castigo do calor, o que até virou uma piada de quem estava presente já que se contrapõe a frieza e aspereza do show do icônico grupo de shoegaze.
Clássicos como “When the Sun Hits” e “Alison”, do clássico Souvlaki, claro, não iam ficar de fora. Assim como a apresentação do Cine Joia, dias antes, Rachel por motivos de saúde infelizmente não pode cantar e tentou compensar com seu carisma. Bastante atmosférico e competente o repertório que passa por discos como everything is alive, Slowdive, Pygmalion e Just for a Day é bastante coerente e ao todo a apresentação contou com 11 canções. As projeções no telão deixam a atmosfera ainda mais lisérgica nos transportando para outra dimensão.
Chamam a atenção três fatos, a plasticidade e leveza da música, um público bastante novo que foi para assistí-los e o fato de Neil Halstead vestir a camiseta da banda curitibana terraplana. Eles realmente gostaram da banda que puderam dividir o palco dias antes na casa de shows da Liberdade.
Marisa Monte
Um show que não pudemos acompanhar na íntegra devido a escolhas de cronogramas mas que não merece passar batido foi a apresentação de Marisa Monte. Um dos grandes nomes da música brasileira desembarcou no festival para cantar as canções de Portas que recentemente teve um material ao vivo recentemente lançado. Além de trazer seus clássicos radiofônicos, a artista caprichou no figurino especial para a apresentação.
O momento mais emocionante da apresentação ficou para o momento em que chama Roberto de Carvalho para o palco, e junto do parceiro de vida de Rita Lee, ela canta “Mania de Você” e “Doce Vampiro”, esta última com direito a performance de vampiro de Roberto. Um dos históricos do primeiro dia de festival.
Pet Shop Boys
Tentar escrever sobre o show do Pet Shop Boys é um desafio a parte, então focarei em quão emocionante foi esse encontro. Para uma análise precisa e contextualizada recomendo fortemente o texto do Camilo Rocha para o Splash (leia).
Uma das bandas mais importantes da música pop e eletrônica mundial fez um show com muito requinte, do visual ao palco de dar inveja a qualquer artista. Se o C6 Fest deste ano começou a reverenciar a história trazendo o Kraftwerk e o Underworld, o Pet Shop Boys no mesmo ano é um brinde a história que o Primavera quis contar este ano.
Com telões imersivos, cenários, máscaras, diversas roupas e vocais que não falham sequer por um momento, o minimalismo do som ganha seus contornos e mostra como mesmo veteranos eles estão longe de cogitar em parar. “Suburbia”, “Where the Streets Have No Name (I Can’t Take My Eyes Off You)”, “Always On My Mind”, de Gwen McCrae eternizada na voz de Elvis Presley, o ativismo em “Go West”, do Village People, e o BIS com o hit matador “West End Girls” e a memorável “Being Boring” fazem do show de 20 músicas se tornar o verdadeiro headliner do dia.
The Killers
Com tantos shows em pouco tempo no Brasil, e repertório que varia muito pouco, o The Killers desde que pisou em Interlagos deu indícios de que estava cansado. Até por isso o show que tinham programadas 18 músicas teve até uma cortada do set. Brandon Flowers até comenta que é o último show da turnê e que o ano deles acabava por ali prometendo entregar um show a altura mas foi no máximo “mais um show do Killers”.
O que para a maioria dos presentes basta, é bem verdade. Até tem umas farofadas como colocar no telão “Humano” antes de tocar “Human” e a repetida, e desgastante, dinâmica de chamar um baterista na plateia para tocar “For Reasons Unknown”. Que tocou com medo uma música que é para abraçar toda a farofa e tocar no talo.
Um show que começou com “Mr. Brightside” para “se livrar” logo do hit maior, teve canções como “Spaceman”, “Smile Like You Mean It”, o hit de discotecas “Somebody Told Me”, “A Dustland Fairytale”, que já ganhou versão ao vivo com Bruce Springsteen, “Read My Mind” e “All The Things That I’ve Done” antes do encore. Do Hot Fuss ficou de fora, por exemplo, “Jenny Was a Friend of Mine”.
Já no fim ficam “The Man” e fecham da forma mais clichê possível com “When You Were Young”. Podiam ter feito um show de headliner mas ficou no arroz com feijão. Se tínhamos dúvidas do potencial de headliner de festival ficou evidente como não conseguiram fazer um show a altura do status que os deram. Era para ter sido o Blur (mas a pedida foi alta demais).
Os Shows do Domingo (03/12)
Infelizmente não conseguimos chegar a tempo de assistir os shows do Mateus Fazeno Rock e Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, ambos tocaram bem no começo do segundo dia, cada um com meia hora de set. Mereciam bem mais em um dia que tivemos Marina Sena e seu show insosso pegando o lugar da Grimes na grade horária.
Just Mustard
A banda de rock experimental com elementos de shoegaze, noise rock, post-punk e até mesmo trip hop, Just Mustard teve a missão de abrir a programação de shows estrangeiros do segundo dia.
De Dundalk, na Irlanda, a banda é relativamente nova tendo sido formada em 2016 mas nem por isso deixou de ser a banda nova mais interessante musicalmente do segundo dia. Com dois discos lançados, Wednesday (2018) e Heart Under (2020), com a chancela do selo nova iorquino Partisan Records, o quinteto faz música subversiva se pensarmos que poucas horas antes naquele mesmo palco tivemos o pop chiclete do Killers.
O grupo possui dois vocalistas Katie Ball, que entrou em um visual que lembra até Wednesday Addams, e David Noonan que também toca guitarra. Com show curto realizado no Palco Corona e músicas quebradiças relativamente longas o repertório do show contou apenas com 6 músicas mas nem por isso deixou de ser um show marcante para quem estava tentando garimpar algo novo. Tímidos, eles tentam driblar o calor e com guitarras potentes e pedais, mostram que grupos como o bdrrmm, Horsegirl, DITZ e Bambara poderiam sim estar nesse line-up. Golaço do Primavera!
Soccer Mommy
Provavelmente a banda de Sophie é uma das que mais ouvi no ano, e quem disse isso foi o Spotify Wrapped. Independente disso, já esperava um pouco do que estava por vir. A banda é toda é tímida e procura se concentrar até mesmo no centro do palco. Sua voz realmente chama a atenção mas a dinâmica não é das mais empolgantes, até por isso o que se destaca mesmo são os arranjos minimalistas e letras confessionais. Aquele indie de apartamento que gostamos de ouvir nos fones.
Um personagem a parte é o guitarrista e tecladista. Inclusive me identifiquei, justamente por derrubar palhetas e sair correndo para trocar a guitarra e voltar para o teclado durante o andamento da apresentação. Não sei se foi o curto tempo do show ou o jeito dele mas foi interessante observar as trapalhadas.
O repertório foi focado no disco mais recente, Sometimes, Forever, com destaque para “Shotgun”. O show teve duas canções de Clean e de color theory. Ouvir “Circle the Drain” e “Your Dog” ao vivo foi um dos momentos mais doces daquele começo de tarde.
Él Mato a Un Policia Motorizado
Com a intenção de promover o álbum lançado neste ano, Súper terror (leia entrevista exclusiva) o Él Mato a Un Policia Motorizado entrou no Palco São Paulo poucos minutos de Carly Rae Jepsen subir no Palco Barcelona. Se mais tarde teríamos poucos metros dali MC Bin Laden fazendo mashup de Taylor Swift (“Shake It Bololo) algo inusitado aconteceu.
Com o som muito alto vindo do palco da artista de “Call Me Maybe”, em certos momentos era possível ouvir os sons se fundindo no palco, principalmente nas partes mais calmas das canções dos argentinos. Se no país hermano é praticamente impossível assistir um show deles num palco ou casa de show pequeno, no Brasil temos esse privilégio.
Momentos emocionantes não faltaram como em “El tosoro”, “La noche eterna”, “Chica de oro” e na icônica e sensível “Más o menos bien”, esta até regravada aqui no Brasil. A entidade do rock argentino liderada pelo simpático Santiago Motorizado mostra o porque emociona gerações e lota estádios na América Latina toda com seus hinos com guitarras. Canções sensíveis com letras que ressoam como um abraço de um amigo. Daqueles que ouvimos nos discos, e mesmo sem conhecer, sentimos certo conforto.
Beck
Depois da polêmica do show cancelado no Rio de Janeiro, onde se ouviram algumas teorias, de overdose e venda de 14 ingressos com distribuição gratuita, para justificar o cancelamento, o Beck subiu no palco em boa forma. Algo comentado pelos presentes. Assim como o Wilco, Cake e o My Morning Jacket, o show multifacetado vai do folk, passando pelo blues, indie, psicodelia, americana, hip-hop e rock’n’roll.
Seu show é daqueles para ser lembrado justamente pela energia que consegue passar. Com uma banda afiada e telões imersivos que cooperam em sinergia, o som vai da paz ao caos, da melodia e arranjos milimetricamente calculados a explosão roqueira. É daqueles personagens que vai muito além do hit “Loser” ou de ser amigo de Damon Albarn. Aliás, na Argentina tocaram juntos “The Valley of the Pagans”, por aqui tocou sozinho. Teve até quem torceu por uma aparição surpresa do vocalista do Blur mas não rolou. Afortunados foram nossos hermanos.
O show teve abertura logo com “Devils Haircut”, o que levou os fãs ao delírio, “Lost Cause” foi um momento bastante celebrado, ainda teve um pouco antes “Gamma Ray”, “Dreams” e quase no final “Where It’s At”.
Bad Religion
Medir o tamanho do Bad Religion é algo difícil de ser feito. Eles naturalmente assumiram o posto de headliners do dia e por isso foi um acerto ser o penúltimo show do festival. Justifica a sua grandeza dentro de um nicho cada vez menos presente em festivais de massa, o punk rock.
São 44 anos de atividade e lembro como se fosse ontem a primeira vez que pude assistir no longíquo ano de 2007. Naquela ocasião, o Dead Fish, realizou a abertura e Rodrigo me confidenciou em entrevista que aquele foi um dos maiores feitos da história da banda capixaba.
Com 17 álbuns de estúdio e tendo como vocalista o professor e PHD em Biologia, Greg Griffin, que assim como outros músicos do gênero também tem uma carreira solo voltada para o folk, o grupo californiano reverenciou os fãs em um show com 24 músicas e um final com direito a riffs de “The Boys Are Back In Town”, sim, do Thin Lizzy.
O setlist é tão respeituoso com a história do grupo que passa por 14 álbuns. Daqueles detalhes para serem lembrados. Com direito a hits como “Generator”, “Los Angeles Is Burning”, “We’re Only Gonna Dir”, “21st Century (Digita Boy)”, “Punk Rock Song”, o hino ateísta “Sorrow”, “You”, “Infected”, “Fuck Armageddon… This Is Hell” e até “Fuck You”. Claro que o final ia ser com “American Jesus”, não tinha como ser diferente.
Uma curiosidade fica pelo fato de além de Brett Gurewitz, fundador do selo Epitaph, a banda conta com o guitarrista Mike Dimkich a quase 10 anos. Ele que tocava antes no The Cult. É interessante ver eles mais velhos mas ainda dispostos a fazer um show com o DNA que os levou até aqui.
Mas definitivamente esta passagem pelo Brasil também ficará marcada pelo causo das Bermudas. Em show realizado em Curitiba, dias antes, a casa de shows proibiu o uso de bermudas masculinas. O que foi visto como uma audácia e gerou diversas reclamações, memes, desaforos e piadas por parte do público. O caso foi revertido e a casa liberou o traje para o público a tempo. Só faltou mesmo os integrantes entrarem de bermuda no palco, o que não ocorreu mas fecharia a história com chave de ouro.
The Cure
Depois de uma maratona de 2 dias e 15 shows chegar no show do The Cure foi um misto de muita emoção e cansaço. Foi inclusive incrível acompanhar os fãs que chegaram desde cedo todos caracterizados para saudar o grupo de Crawley que neste ano completa 45 anos de história.
Se na última vinda do The Cure, em 2013, Reeves Gabrels, guitarrista de David Bowie, tinha praticamente acabado de entrar na banda, desta vez ele já chega com a chancela de ter gravado o novo disco que está a caminho. Aliás, em “Wrong Number”, presente em Galore (1997), ele atua como guitarrista convidado. Ele que já colaborou com artistas como The Mission, Natalia Imbruglia e até mesmo o Public Enemy. Sua participação no show é realmente um item de luxo. Desde a contribuição com seus solos, das introduções até as viagens sonoras que a banda proporciona. Centrado ele é preciso e conduz.
Se a promessa era de 2:30h de show, Robert Smith eleva o desafio entregando 2:50h. No repertório entrando desta forma 29 música e se deixar ele tocaria mais. Algo que sentiu falta nos shows da Argentina e do Chile. Tanto é que no fim de cada show fez questão de parar, observar a multidão e enviar abraços para todos os presentes. Os atos de gentileza e doçura também se alongam ao longo do show com direito a abraçar o instrumento, perguntar se os presentes sabem inglês e por algumas vezes se mostrar bastante emotivo chegando a chorar. É essa entrega que faz com que ele conquiste o coração das pessoas por onde quer que passe.
Começando pela motivação em realizar shows longos. O músico inglês conta que isso vem justamente de uma má experiência durante a juventude. Fã confesso da obra de David Bowie, o jovem Smith certa vez foi assistir a um festival assistir ao músico e ficou decepcionado com a duração do show ser de apenas meia hora. Ele prometeu para si mesmo que faria shows longos para que mesmo quem viesse de longe vê-lo pudesse ter uma experiência completa e segue cumprindo. Em 2013, o show solo realizado no Anhembi teve 3:20h de duração, naquela oportunidade “10:15” foi a faixa que abriu a noite, desta vez ela nem entrou no set. Assim como “Killing An Arab” que mesmo tendo origem na literatura por medo de ser mal interpretado acaba sendo vetada.
As músicas do The Cure são como diários escritos a mão. Casado a 35 anos com Mary Poole, “Lovesong”, por exemplo, foi escrita como presente de casamento. Em alto nível, a voz de Smith teve poucas alterações desde o lançamento de Three Imaginary Boys (1979) e o show tem sido elogiado onde quer que eles passem. Com um próximo disco a caminho eles adiantam no setlist algumas surpresas do que está por vir.
É difícil segurar a emoção quando logo no começo do show nos deparamos com uma sequência com “Pictures of You”, “High”, “A Night Like This” e “Lovesong”. O show tem seus momentos de cadenciar, de criar ambiência, de mostrar o talento técnico de cada um dos músicos, Simon Gallup, baixista e membro com mais tempo na banda, somente perdendo para o próprio Robert, tem linhas de baixo que marcaram décadas de pistas de dança.
Depois de tocar “Fascination Street” e “Push”, é a hora do Karaokê para multidões com “in Between Days” e Just Like Heaven”, essa na qual até mesmo o vocalista se emociona vendo cada verso ser ecoado em uma plateia em que era difícil enxergar aonde acabava.
Depois de faixas com apelo pop, a quebra vem com canções mais obscura mas não menos celebradas, The Cure tem um arsenal que nos leva para os clubes mais soturnos mas com arranjos inconfundíveis, esse é o caso de “A Forest”, e de “Grinding Halt”, esta última que não entrou no setlist. Foi bem legal ter por exemplo, “Shake Dog Shake” e “At Night” no set.
O show conta com duas saídas de palco. Robert aproveita também para cruzar a extensão do palco para ficar perto dos telões de cada lado, lembram como ele disse que gosta de trazer experiências únicas e memoráveis? Chegar mais perto de quem não conseguiu um lugar tão bom é uma delas.
No palco que apelidei de faixa mais lado B, mas não menos interessantes, temos “Want”, “Charlotte Sometimes”, essa bastante comemorada durante os shows na América do Sul”, “Plainsong” e a faixa título de um dos discos mais emblemáticos do grupo, “Desintegration”.
Na segunda volta ao palco a gangue de Robert Smith não quis pegar leve e foi hit atrás de hit literalmente deixando praticamente todas as baladas para o gran finale. Com “Lullaby”, a grata aparição de “Hot Hot Hot!!!” e “The Walk”.
Para abraçar todos os presentes ele escolhe ir para a multidão com uma sequência repleta de singles com videoclipe composta por “Friday I’m in Love”, “Close to Me”, “Why Can’t I Be You?” e o clássico fechamento com “Boys Don’t Cry”.
Trecho final de “Boys Don’t Cry” + The Cure (@thecure) sendo ovacionado pelo público do Primavera Sound São Paulo (@PsSaopaulo) pic.twitter.com/3HyuyOq6PO
— Hits Perdidos (@HitsPerdidos) December 4, 2023
Apenas posso dizer que foi praticamente impossível dormir depois de assistir ao The Cure. E olha que mesmo não sendo a primeira vez são tantos flashs da vida que passam a cada música que é impossível não ter em mente um pensamento: The Cure é o Headliner das nossas vidas. Pessoas vão e pessoas chegam mas as canções deles estão aí para ajudar a manter o barco em pé. Das noites em claro aos amores que (não) deram certo, eles tem ali tudo que precisamos.
The Cure Setlist Primavera Sound São Paulo
More Alone (Intro)
Alone
Pictures of You
High
A Night Like This
Lovesong
And Nothing Is Forever
Burn
Fascination Street
Push
In Between Days
Just Like Heaven
At Night
Play for Today
A Forest (com riff de “Death of the Celts” do Iron Maiden no fim))
Shake Dog Shake
From the Edge of the Deep Green Sea
Endsong
Encore:
It Can Never Be the Same
Want
Charlotte Sometimes
Plainsong
Disintegration
Encore 2:
Lullaby
Hot Hot Hot!!!
The Walk
Friday I’m in Love
Close to Me
Why Can’t I Be You?
Boys Don’t Cry
Mais Fotos do Primavera Sound São Paulo 2023
Clicks por Rafael Novak e Beatriz Paulussen.