Primavera Sound São Paulo: Phoebe Bridgers e Lorde dividem o palco, Caroline Polachek, CHAI e Japanese Breakfast estreiam no Brasil
A chegada do Primavera Sound São Paulo era aguardada há muitos anos, sempre com muitos boatos de sua possibilidade de realização, assim como acontece de tempos em tempos com o Coachella. E foram nos dias 5 e 6 de novembro que tudo se fez realidade. Com foco na experiência, na educação musical do público e em fugir da curadoria de algoritmos que seus principais concorrentes no Brasil tem buscado nos últimos anos, o evento tinha como proposta trazer um pouco do charme de Barcelona.
Com programação espalhada pela semana, o festival espanhol trouxe também a proposta de imersão e valorização da cena musical nacional, como foi o caso do Primavera na Cidade, realizado em casas de shows como Cine Joia, Auditório Anhembi e Audio. Ao longo destes shows externos do festival que quem tinha passaporte (ingresso válido para os dois dias do fim de semana) poderia conferir algumas da noite, ingressos externos também foram disponibilizados.
O Segundo dia de Primavera Sound São Paulo
Segundo dados da organização os dois dias do festival reuniram cerca de 110 mil pessoas que compareceram ao Distrito Anhembi, localizado na zona norte da cidade. Ao todo os presentes tinham a possibilidade de curtir 64 atrações, ao todo, somados os artistas do Primavera na Cidade, o número de apresentações passava da casa dos 100 mostrando a grandiosidade proposta pelo festival.
Com extensão de 400 mil metros quadrados, o Primavera Sound São Paulo, exigia trajar roupas confortáveis e bastante energia para longas caminhadas. Aliás, este foi um dos problemas críticos que atrapalharam a experiência do festival. O Palco do patrocinador master acabou virando meme nas redes sociais por uma série de motivos.
O Palco Becks, que tinha como slogan o esquizofrênico “Primavera Amarga” exigia uma caminhada de 15 minutos para o Palco Primavera e estava a 17 do Palco Elo. Este palco além de distante ficou conhecido como “Palco das Árvores”, pois ao longo da sua estrutura muitas árvores atrapalhavam a experiência de quem ficava um pouco mais para trás.
Além dos palcos já citados, o festival ainda reunia a pista eletrônica BITS e shows reunindo artistas brasileiros e estrangeiros, como é o caso de Hermeto Pascoal, no Auditório Barcelona. Algo que proporcionava experiência indoor dentro de um festival com 3 palcos abertos, onde o frio atípico de novembro acabou marcando os dois dias, tendo a temperatura variado entre 11 e 20 graus. Proporcionando sol e dias quentes durante a tarde e frio com ventania durante a parte noturna.
Outro palco que vale a pena comentar por sua estrutura diferenciada foi justamente o Palco Elo no qual foi montado utilizando a estrutura do sambódromo. A pista ficava no local onde os passistas acabam desfilando no carnaval, já a arquibancada permitia a possibilidade de assistir sentado, um ponto diferenciado e inédito dentro dos festivais brasileiros de mesmo porte. Já o Auditório contava com 2500 lugares para assistir de maneira mais intimistas apresentações que iam da MPB ao Jazz, mostrando o leque de diversidade da curadoria do festival.
Pontos que foram elogiados pelo público: torneiras de água de graça, boa distribuição de banheiros, preços embora com margem de lucro menores que do Lollapalooza ou Popload Festival mas sem perder a chancela de ótimos restaurantes em praça de alimentação e bares sem filas e organizados. Os caixas também eram rápidos. Ter opção de ônibus e metrô razoavelmente perto ajudou mas para quem optava por motoristas de aplicativo sofria com os recuos organizados pela polícia e CET. Foi comentado que a melhor opção era justamente ir de carro, um ponto que destoa até mesmo das edições européias. Pontos que precisam ser revistos para a próxima edição.
Algo que foi um pouco estranho foi a parte técnica de iluminação dos palcos que principalmente durante os shows noturnos pareciam um pouco apagados e em melhor resolução nos ótimos telões com qualidade 4K. Um ponto de chamou a atenção foi a falta de sinalização entre palcos, a organização recrutou o time para anunciar em tempo real onde eram os palcos e avisava que certo show estava começando durante as longas caminhadas.
Não ter chovido durante os dois dias de evento também foi um fator que contribuiu para a experiência. Entrar e sair do festival foi um desafio para quem fosse aos eventos, algo que seu maior concorrente com o dobro de público por dia já tem o know how mas que esperamos que também seja facilitado o acesso e saída em futuras edições.
Confira como foram os shows no Sábado
Os Shows
CHAI
O simpático CHAI, de Nagoya, formado por Mana, Kana, Yuuki e Yuna já está junto há dez anos mas o primeiro álbum, Pink, só veio em 2017. Com influências bastantes distintas como Basement Jaxx, Jamiroquai, Gorillaz, The Chemical Brothers, Chvrches, Justice e até mesmo o CSS, o som delas tem uma energia que passei pela dance music, pop e tem até lampejos psicodélicos algo que é perceptível no palco.
Depois de Pink elas lançaram o Punk (2019) e o mais recente Wink no ano passado via Sub Pop. O que certamente abriu portas até mesmo para colaborar com o Gorillaz em “MLS”, faixa que ainda tem a participação do JPEGMAFIA que também estavam escalados para o domingo do Primavera Sound São Paulo.
Com 10 músicas no repertório dentro do festival, elas trouxeram o lado mais eletrônico para o palco que virou uma pista de dança com direito a dancinhas, muitas cores e energia pulsante repleta de referências da cultura pop dos animes aos revival dos anos 90 e 00. Fazendo o elo entre o visual kei, o J-Rock, Spice Girls e até mesmo Led Zeppelin. Faixas como “ACTION”, PING PONG!”, “Cool Cool Vision” e “N.E.O” incorporaram o repertório. Lampejos de guitarras distorcidas, balaclavas, luzes, neon e vestidos coloridos deixam o imaginário do espetáculo ainda mais surpreendente e divertido para os curiosos.
Um dos momentos mais inusitados, divertidos e até mesmo folclóricos da apresentação fica justamente para o momento em que as integrantes simulam uma luta no melhor estilo “Telecatch”, fingindo receber tapas e pontapés. No fim elas se abraçam, saudam o público e tentam até mesmo ensinar palavras em japonês para agradecer pela oportunidade do encontro.
O show de carisma da CHAI
“A banda japonesa CHAI foi a segunda a tocar no Palco Beck’s, depois que o Jovem Dionisio acordou todo mundo. Se teve alguém que esbanjou carisma e simpatia, foram elas. No dia anterior elas estavam andando livremente pelo festival e ainda por cima tiraram fotos com muitos fãs. Minutos antes da apresentação elas entraram no palco para posicionar e afinar seus instrumentos, e não perderam a oportunidade de já dar um oi para quem estava lá esperando o show.
No começo da apresentação já deu pra sentir o que vinha por aí, um ar caótico e engraçado pairava o tempo todo entre elas. Com suas danças coreografadas e suas roupas bufantes as CHAI logo ganharam o carinho do público (que provavelmente estava ali para ver a Japanese Breakfast), houve até um momento onde duas delas fingiram estarem brigando, o que fez todo mundo cair na gargalhada. Tocaram todos seus hits mais famosos e ainda por cima atacaram de DJ e colocaram “Wannabe” das Spice Girls para se apresentarem. Foi um show curto, mas que mostrou para quem ainda não conhecia um pouco das CHAI e que com certeza marcou.”, conta Mariana Marvão
Don L
Com integrantes do Metá Metá na banda e Terra Preta, o rapper cearense Don L subiu no Palco Elo abrindo a programação do rap no festival. Em dia com nomes como JPEGMAFIA e o tão culturado trapper Travis Scott. Com o intuito de promover o aclamado Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2, ele faz um show em que destaca as lutas sociais, dialoga sobre as dificuldades do dia a dia e tem o público na mão.
Uma apresentação que coroa também a eleição de Lula com um ótimo timing, visto que a temática de reparação histórica, e a volta do povo ao poder, acaba adentrando ao longo do seu desenrolar. Canções como “Vila Rica”, “Pânico de Nada” e a “Volta da Vitória” acabam entrando dentro do repertório do show e criam a atmosfera propícia para que suas falas ganhem ainda mais lastro.
Terno Rei
Que ano para o Terno Rei! Com turnê nacional com direito a muitas datas sold out e participação no Lollapalooza Brasil, após o cancelamento em 2020, eles conseguiram fechar o ano com chave de ouro no palco da primeira edição do Primavera Sound São Paulo.
No repertório as canções que mais aparecem são similares o da turnê de Gêmeos que priorizam músicas do mais recente lançamento e do Violeta. O entrosamento de uma banda que não parou na estrada ficou evidenciado no palco em show etéreo com várias canções sendo cantadas pelo público que passava pelos arredores do Palco Primavera.
Japanese Breakfast
Liderada por Michelle Zauner, a Japanese Breakfast veio ao país pela primeira vez para apresentar seu aclamado terceiro álbum de estúdio, Jubilee, lançado em 2021. Da Filadélfia, o quarteto de indie pop começou como um projeto paralelo da banda emo da vocalista, Little Big League, mas ao longo do tempo acabou se tornando o projeto principal da artista americana com origens coreanas.
“Be Sweet”, “Kokomo, IN”, “Paprika”, “Posing in Bondage”, “Savage Good Boy”e “Slide Tackle” entraram no set representando o disco mais recente mas o mais interessante era mesmo ver ela feliz por poder estar ali. Outro fato a se ressaltar é a fidelidade da apresentação com o disco ao vivo. Ela ainda em “Paprika” aproveita para mostrar seu lado teatral tocando Gongo enquanto dramatizava em seus versos.
paprika by japanese breakfast – live at primavera sound são paulo 2022 pic.twitter.com/T1Cmmx2DSx
— cerullo (@akacerullo) November 6, 2022
Do álbum de estreia, Psychopop, entram no set “Everybody Wants to Love You”, “In Heaven” e “The Woman That Loves You”, e do Soft Dounds From Another Planet, “Diving Woman”, “Road Head” e “The Body Is a Blade”. Entre dedicatórias aos fãs, solos de sax de seu companheiro de banda, ela aproveita para exaltar que não tocaria uma das canções mas teve um pedido mais cedo de um dos fãs. Assim, ele toca “Glider”, faixa que lembra o público que compôs especialmente para um jogo de videogame. É com essa doçura e minimalismo que o grupo flutua no palco impressionando quem ainda chegava no festival antes do sol se pôr.
Phoebe Bridgers
Desde seu anúncio para o Lollapalooza deste ano, a passagem da Phoebe Brigders pelo Brasil era muito aguardada pelos jovens tristes que ouviram Punisher sem parar durante a pandemia. Se o meme de que seu cancelamento em Abril foi por ela não gostava do nosso país, em seu show no Primavera Sound caiu por terra.
Ela estava extasiada de estar ali, chocada em como o público cantava cada palavra de sua música e ainda por cima desceu duas vezes do palco para chegar mais perto da plateia. Aos fãs que muito aguardavam sua vinda, ela entregou tudo! Era possível ver lágrimas rolando pelo rostos de pessoas que berravam as letras de suas músicas. Ao tocar “Chinese Satellite” Phoebe dedicou a música ao abordo, tema que anda muito em pauta tanto aqui, quanto nos EUA. Para terminar sua apresentação, “I Know The End”, que resultou em um grito quase catártico de toda plateia no final, expurgando todos os sentimentos ruins que ali carregávamos.
Resenha por Mariana Marvão
Bad Gyal
Barcelona, Bad Gyal ao lado de Amaia, foram alguns dos representantes da música espanhola dentro do festival. O projeto de Alba Farelo i Solé, de 25 anos, representa o pop moderno espanhol. O que chamamos de música urbana, uma mistura rica entre reggaeton, EDM, Dancehall e pop.
O show é justamente marcado por suas coreografias ao lado dos quatro dançarinos, ventiladores direcionados para a vocalista e batidas com foco nos graves feito um grande som sistema. Sua canções trazem temas como superar relacionamentos, flertes, maconha e emancipação sexual. Entre suas canções, ele utiliza samples de canções de Rihanna e até mesmo funk brasileiro para homenagear o público presente que responde chamando Alba de “gostosa”.
Lorde
O show da Lorde foi quase um culto, pelo menos ao meu ponto de vista logo nas primeiras músicas já me tornei amiga de longa data das pessoas que estavam ao meu redor. Seu último álbum, Solar Power, em um primeiro momento não pareceu agradar muito os fãs, nessa apresentação foi possível ver a potência que essas músicas tem ao vivo.
Até para o dia frio que fazia no domingo, foi possível sentir um calorzinho com o carinho da Lorde com o público do Brasil. As fazendo quase monólogos entre as músicas, é possível se sentir quase que um amigo de infância da neozelandesa, pensar que aquela menina estranha do colégio hoje move multidões ao redor do mundo e ainda sim continua tão fiel a quem ela realmente é.
O momento especial com certeza ficou por conta da entrada da Phoebe Bridgers ao palco para cantar “Stoned at the Nail Salon”, que me trouxe um grito tão forte, que fez com que o menino gay que estava na minha frente se oferecesse para eu subir em seus ombros e ver aquela cena com meus próprios olhos. Tudo que posso dizer é que as mulheres entregaram tudo nesse segundo dia de festival.
Resenha por Mariana Marvão
ARCA
Alejandra Ghersi Rodríguez, mais conhecida como ARCA, é uma artista venezuelana radicada em Barcelona que traz para sua sonoridade o lado experimental eletrônico. Misturando IDM, avant-pop, reggaeton, industiral e elementos alternativos a experiência de ouvir o trabalho da artista não-binária é bastante intensa.
Um paralelo que podemos fazer do show no Primavera Sound São Paulo para quem ainda não conhece o trabalho artístico é justamente relembrar o quão impactante foi o show do Skrillex durante o Lollapalooza. Com espaço para performance, fashionismo, futurismo e berros, ARCA se alterna entre ficar na pick-up dos DJ e também de se atirar e coreografrar no palco. Tendo espaço para berros, mixagem, tensão, provocação e experimentação.
Entre as surpresas do show temos uma versão para “Twist” do Korn, um remix para “Feiticeira” do Deftones, outra para “El alma que te trajo”, do SAFETY TRANCE, e para fechar seu set de 17 músicas um cover de “How Beautiful Could a Being Be” do Caetano Veloso. Entre a epifania, contracultura e misturas, acaba contemplando quem busca por um som extremo. Um show que talvez se torne histórico justamente por poder ver um artista em seu auge criativo.
Caroline Polacheck
Em constante evolução e em seu auge criativo ter a oportunidade de assistir a um show de Caroline Polachek mesmo que quase no final do Primavera Sound São Paulo foi uma cereja no bolo e sua escalação um grande acerto. Seu estilo passa por uma série de gêneros como art pop, indie pop, experimental, eletrônica, rock e até mesmo a música erudita. Algo que é perceptível é a influência de Enya dentro do seu trabalho.
Apesar de seu primeiro disco sob o nome de Caroline Polachek ter sido lançado apenas em 2019, Pang, ela fazia parte nos anos 2000 do duo de indie pop Chairlift e posteriormente lançou dois discos solo em paralelo, um como Ramona Lisa e outro como CEP.
Com o fim do Chairlift em 2017 ela focou em produzir seu debut ao lado do produtor Danny L Harle. O que abriu portas para colaborar com grandes nomes da música contemporânea como Blood Orange, Christine and the Queens, Charlie XCX (que fechou a noite), Beyoncé e Travis Scott que tocou um pouco mais cedo no Palco Becks.
Até por isso ela escolheu para seu set 10 canções de seu álbum de estreia (e quatro singles mais recentes: “Billions”, “Bunny Is a Rider”, “Smoke” e “Sunset”). Um destaque fica para o momento de dedicação aos fãs, antes de tocar “Parachute”, ela pega um papel onde lê em português quase impecável os poemas que deram origem a canção. Os fãs vão a loucura e aplaudem muito.
Em seguida, ao tocar o hit “Breathless” do The Corrs, é possível ver os fãs na arquibancada do Palco Elo e na passarela do sambódromo do Anhembi, com os flashes dos celulares ligados. Definitivamente um dos momentos mais marcantes do fim do festival.
Sua entrega é intensa do começo ao fim com direito a se jogar no chão, extensões de voz, shows de luzes e um entrosamento marcante com o guitarrista que a acompanha. Com minimalismo e potência, a banda é completa com uma baterista que também toca pad.
A felicidade estava estampada em seu rosto e a interação com o público era perceptível a cada faixa de seu primeiro show na história no país. Para coroar a noite fria de domingo em São Paulo, ela fecha com o hit “So Hot You’re Hurting My Feelings”, em um show marcado pela variedade de estilos, carisma, técnica, entrega e coração aberto.