Glue Trip abraça suas raízes brasileiras em “Nada Tropical” de olho no amanhã

 Glue Trip abraça suas raízes brasileiras em “Nada Tropical” de olho no amanhã

Glue Trip lança seu terceiro disco de estúdio “Nada Tropical” – Crédito: Bel Gandolfo XVII

De João Pessoa (PB), a Glue Trip após disponibilizar uma série de singles apresenta nesta sexta-feira (29/07) seu terceiro disco de estúdio, Nada Tropical. O quarteto que em sua formação conta com João Boaventura, Lucas Moura, Pedro Lacerda e Thiago Leal apresenta as nove faixas com direito a uma série de participações especiais de nomes como Arthur Verocai acompanhado por uma orquestra de 12 músicos (em “Lazy Days”), Otto (em “Bessa Beat”), Felipe S (em “Gergelim”) e YMA (em “Le Voyage”).

Eles contam que miraram com ainda mais intensidade na música brasileira e reverenciam ao longo da obra artistas como Marcos Valle, Cátia de França e Arthur Verocai. Além disso, o clássico Transa de Caetano – que completa 50 anos em 2022 – ajudou a consolidar o conceito, e desenvolvimento artístico, da construção de Nada Tropical.

Uma novidade foi a interferência externa no processo, visto que nos dois discos anteriores Lucas Moura assina a produção. Desta vez eles optaram por trabalhar com o produtor Zé Nigro que já assinou trabalhos de artistas como Curumin, Russo Passapusso, Francisco El Hombre e Anelis Assumpção.

Além das referências brasileira que já apareciam dentro do escopo dos trabalhos anteriores, o novo álbum tem o adendo de elementos que levam para esse caminho como a percussão, o piano elétrico e o uso de sintetizadores analógicos.

O material foi gravado em Junho de 2021 nos estúdios YB Music e Estúdio Navegantes, em São Paulo. Já a arte da capa foi criada pelo designer Bruno Borges, parceiro de longa data que também assina as capas dos discos anteriores.


Glue Trip lança Nada Tropical - crédito Bel Gandolfo XVII
Glue Trip lança seu terceiro disco de estúdio “Nada Tropical” – Crédito: Bel Gandolfo XVII

Glue Trip “Nada Tropical”

Segunda faixa a ser apresentada como single, “Tempo Presente” abre o registro. A inspiração para a canção, bastante solar e com levada setentista, vai em direção da liberdade na vontade de querer sair do marasmo, como define a Glue Trip. A canção tem nos teclados seu porto seguro e nas linhas de baixo seu aconchego, entre distorções e batidas que avisam que o disco será mesmo de fato tropical.

“Tempo Presente é um daqueles desabafos que a gente solta numa roda de amigos já depois de várias cervejas. Essa música sintetiza para mim toda a sonoridade do novo álbum e ela foi o ponto de partida para todo o disco, quando criei ela não sabia, mas estava definindo a sonoridade guia do disco. Escutava muito Marcos Valle, Azymuth e Flora Purim quando ela foi criada”, comenta o compositor Lucas Moura.

Na sequência quem pede passagem é “Marcos Valle”, último single a ser revelado nas antevésperas do lançamento do disco. Com papel de reverenciar o trabalho do músico carioca a faixa carrega sintetizadores e ganhou um videoclipe em animação.

O swing também está presente na linha de baixo e na malemolência do coral que acompanham os vocais de Lucas. A referência do drink azul citado na música acaba entrando até mesmo no ensaio fotográfico do disco – e no vídeo para a música.

Já experiência das memórias, e vivências, ao ouvir o trabalho do músico acabam transparecendo ao longo da letra que diz “ouvir Marcos Valle bebendo demais, fumando demais”.

“Que combo! A mistura da derretida brisa psicodélica da Glue com a malemolência swingada tropical que Marcos Valle representa foi um prato cheio para a criação dessa animação. Uma delícia mergulhar nas várias influências brasileiras que permeiam o novo disco para trazer essa energia para o clipe.

Na primeira vez que ouvi a música, a animação já começou a surgir na minha mente, essa misticidade que o drink azul trás foi o ponto de partida para o desenvolvimento da ideia.

Esse projeto foi especial por vários motivos, mas o principal foi pelo time que foi montado. Tivemos a honra de contar com o talento de Raquel Ferreira, que interpretou nossa protagonista de forma genial, superando tudo que eu tinha imaginado. E também por ter contado com os traços de Daniela Simões e Tainá Lima, que mandaram bem demais trabalhando na rotoscopia da personagem.”, conta Daniel Vincent, diretor do clipe



A terceira faixa, “Le Voyage”, chega com teclados sorrateiros, groove e uma dinâmica interessante de vocais entre Lucas e YMA. O lado da Disco Music aparece entre teclas, melodias suaves e contempla a sensação de estar vivo. Tão ressignificada após uma longa pandemia que nos obrigou a ficar “escondidos” em nossas casas.

O feat. entre a Glue Trip com Verocai, “Lazy Days”, tem uma história diferente do que estamos acostumados. O convite ao maestro após as audições do disco junto ao produtor musical Zé Nigro foi realizado apenas após a audição do disco.

“A gente tava ouvindo o disco já todo gravado quando Zé comenta que ‘Lazy Days’ deveria ter Verocai. Como músico e fã, essa ideia não saiu da minha cabeça até que resolvi entrar em contato bem despretensiosamente. Imagine a surpresa quando a equipe dele respondeu que o lendário Verocai toparia participar”, conta Lucas Moura.

Moura foi até o Rio de Janeiro para acompanhar o músico carioca nas gravações. Por lá teve a surpresa de se deparar com uma orquestra de 12 músicos liderada por Arthur Verocai. Para a composição o maestro adicionou ainda seus arranjos de cordas.

“Quando cheguei no estúdio de gravação no Rio, estava muito curioso pra conhecer Verocai. Quando ele entrou, sua aura entrou junto. Ele carregava as partituras embaixo do braço para distribuir entre os músicos e eu notei um detalhe curioso: ele nomeou as partituras com a palavra Hope e não com o nome original da música. Naquele momento eu percebi que ele usava um sentimento para traduzir as suas ideias e isso me marcou muito”, diz Lucas.

A canção traz justamente em sua essência a esperança em meio a tempos tão obscuros, em um cenário marcado por pandemia, incertezas enquanto o futuro e batalhas diárias. O sobreviver e ver o lado colorido, e florido, da vida presente na composição são abraçados pelos arranjos de teclas, cordas, ginga e a lisergia da sua instrumentação.

As Ondas Tropicais

“Bessa Beat” traz consigo a participação do pernambucano Otto. O lado percussivo mais ritmado, a guitarra solta e o tropicalismo aparecem de forma mais forte, misturando português ao inglês, feito Caetano justamente em Transa, disco que foi uma das grandes inspirações para a obra.

A esperança por dias mais luminosos e de felicidade compartilhada aparecem em seus versos que passam a sensação mágica, e única, de estar apaixonado. É interessante observar como a faixa acaba dialogando com o último lançamento do pernambucano lançado em maio, Canicule sauvage.

“Levinha”, assim como o nome diz, coloca o pé no freio fazendo uma psicodelia jazzy cheia onde as teclas e a bateria ganham o protagonismo e vem para o plano de frente. Ela vai crescendo em progressão, desta forma vai acalmando o ouvinte e criando uma sensação de teletransporte para a calmaria de ir para o campo bem acompanhado.

O refrão é daqueles feitos para grudar na cabeça “E os teus pés nem tocam no chão | Nem tocam no chão | Nem tocam no chão | São feitos de algodão”.

O inglês retorna em “Relax Man” que mantém nos teclados sua base. A faixa parece até mesmo que retratar um pouco do rebote da pandemia onde o efeito de ficar muito tempo trancado acabou trazendo diversos problemas contemporâneos como a explosão de ansiedade e depressão que tem atingido músicos e outros profissionais na retomada dos seus respectivos trabalhos. Basta ver os casos de Mike Patton e de Shawn Mendes que atualmente estão tendo que lidar com problemas de saúde mental – e permanecem longe dos palcos por tempo indeterminado.

A última com participação especial é “Gergelim” que a Glue Trip tem a companhia de Felipe S. (Mombojó) e tem na psicodelia tropical seu porto seguro. As metáforas para falar de amor aparecem ao longo da canção que também experimenta em seus elementos, sensações, melodias, quebras rítmicas e na mistura de idiomas.

“Romper e descobrir | Que uma luz intensa me conduziu | Há um porto seguro | Que abriga meu pranto | E meu grito se houve | Onde você vá”

Quem fecha o disco é justamente a faixa título “Nada Tropical” com direito a sopro, baixo swingado e reverência ao tropicalismo. Um olhar para o retrovisor em seu instrumental mas em sua letra um otimismo pela mudança de maneira sutil mas que para bom entendedor se faz objetivo.

O verso “O único Brasil possível é o musical” mostra como a arte pode ajudar no processo de cura de um país que vive anos de retrocesso nas esferas política e social. Entre sonhos tropicais, o amanhã será construído por quem não foge a luta.


Nada Tropical - Glue Trip - crédito Bel Gandolfo III
Glue TripCrédito: Bel Gandolfo III

Entrevista: Glue Trip sobre Nada Tropical

Conversamos com o vocalista e guitarrista Lucas Moura para saber ainda mais detalhes deste momento de lançamento do terceiro disco de estúdio, Nada Tropical.

Depois de álbuns bastante psicodélicos e com letras em inglês como foi esse momento de transição para abraçar e reverenciar a história da música brasileira e suas estéticas?

Lucas Moura (Glue Trip): “A Glue Trip sempre foi um projeto cheio de referências brasileiras, mas dessa vez a gente decidiu deixar isso mais evidente. A transição se deu de uma maneira muito natural, sempre me perguntavam quando a Glue Trip iria cantar em português e eu não achava que o momento havia chegado, até agora.

A ideia com o Nada Tropical foi fazer um disco como um livro aberto, mostrando para o nosso público brasileiro que queremos estar mais próximos deles, e para o nosso público de fora do Brasil o que nos fez chegar até aqui. Nesse trabalho colocamos muito suor e prazer. É o melhor disco que já fiz.”

Como veem esse timing do Arthur Verocai estar cada vez mais sendo descoberto no exterior e Marcos Valle produzindo sem parar nos últimos anos? Vocês trazerem esses nomes para um público mais novo que os acompanha também é uma forma indireta de passar estas referências para frente?

Lucas Moura (Glue Trip): “Com certeza! Queremos mostrar para todo mundo que essa riqueza que nós temos não é da boca pra fora. Decidimos trabalhar com artistas que tem uma conexão com a nossa história, como é o caso do Arthur Verocai, para então fazer o nosso próprio universo. Otto, YMA e Felipe S também chegaram para somar ao nosso trabalho. São artistas que em determinado momento me conectei. Queremos passar essas referências pra frente, mostrar para o nosso público que estamos ligados no passado, mas pensando no futuro.”

Pela primeira vez vocês abriram a mão de produzir por conta própria e apostaram no grande Zé Nigro, responsável por ótimos discos, como foi essa escolha e quais aprendizados levam desta experiência?

Lucas Moura (Glue Trip): “Nos outros 2 discos eu mesmo produzi e mixei, mas quando veio a pandemia eu decidi que não queria produzir em home studio. Então uma ideia entrou na minha cabeça: quero fazer um disco como “manda a cartilha”, ou seja, como eram feitos antigamente. Juntar uma banda em estúdio, convidar um produtor musical, uma pessoa pra mixar e outra para masterizar, convidar artistas para participar.

Enfim, tudo isso que é o Nada Tropical. Quando estávamos ensaiando e criando as músicas no estúdio Flamingos em São Paulo, eu cheguei em alguns nomes e o do Zé Nigro foi o nome que mais pareceu encaixar com a proposta do disco e da banda. Foi muito certeiro. Conversamos por telefone num dia, no outro comecei a mandar a ele algumas demos e ele sempre me enviava de volta com a sua visão e novos arranjos. Era impressionante quando chegava a sua versão a gente sempre ficava atento e muito feliz com o resultado. Trabalhar com Zé foi uma das experiências mais maravilhosas que o Nada Tropical nos proporcionou.”

Vocês contam que se inspiraram no clássico Transa do Caetano que completa 50 anos em 2022. Contem mais sobre a importância pessoal do disco para vocês e como o momento acabou sendo propício para essa aproximação a obra.

Lucas Moura (Glue Trip): “O “Transa” foi uma grande referência no quesito “montar uma banda, ensaiar muito e entrar em estúdio”. Na minha cabeça eu tinha uma imagem muito clara de como esse disco do Caetano foi feito, por ter escutado ele milhões de vezes. Acho que o NT se aproxima dele na tentativa de ser algo mais orgânico, com poucas programações, alguns improvisos, violão e muita conexão entre os músicos.”



Em um momento de busca por brasis possíveis, em ano de eleição e de movimentação em todos setores da sociedade, como enxergam o papel da música no meio deste turbilhão de informações que consumimos em nosso dia a dia? Como veem que a cultura e a música podem ajudar no processo depois de um 2018 onde no palco vocês faziam questão de se colocar como resistência…

Lucas Moura (Glue Trip): “Tem uma frase que canto no disco que sintetiza bem esse papel da música no nosso dia a dia: “O único Brasil possível é o musical”. Dentro desse turbilhão de notícias ruins que vivemos nesses últimos anos, a música salva a nossa alma. Tentamos trazer um pouco de empatia e amor para nosso trabalho, pra ver se assim as pessoas saem um pouco dessas bolhas individualistas. Acredito que a música tem esse poder de transformação.”

O material também reúne uma série de participações especiais de nomes consagrados da música brasileira como Otto e Felipe S, além da YMA. Como foram o desenvolvimento das parcerias, execução e como enxergam que contribuíram para o resultado final?

Lucas Moura (Glue Trip): “Foi tudo maravilhoso e acredito que a música moderna é colaborativa. A colaboração é a maneira que temos de conversar com outro público e de trazer outros artistas para o nosso universo. Gravar com o Arthur Verocai no Rio de Janeiro foi uma experiência a parte nesse disco. O dia mais surreal das nossas vidas foi quando entrei num estúdio com uma orquestra e Verocai colocando arranjos numa música que fiz.

Otto, YMA e Felipe S haviam participado do último show da Glue Trip, antes da pandemia, no Cine Joia em São Paulo, e achei muito significativo tê-los nesse trabalho. Foi uma continuação daquela noite e muito importante para o disco ter a cara que tem. Gostei de deixar todo mundo a vontade e livre para criar e fazer sua própria interpretação.”

De 2018 para cá imagino que passaram por muitas transformações na busca por referências, tivemos a própria pandemia no meio do caminho, assim como o desenvolvimento de projetos de vocês em outras frentes. Em que ponto viram que era o momento do disco sair e como foi planejar tudo após um período de incertezas?

Lucas Moura (Glue Trip): “O disco começou a ser pensado e criado em janeiro de 2021, quando a primeira brasileira foi vacinada contra a COVID-19 em São Paulo. Acho que o sentimento de esperança tomou o lugar do medo e me fez ter forças para pensar, criar e gravar um disco novo pra Glue Trip.

A ideia de gravar um disco sempre esteve fresca em minha mente, mas o processo do NT foi tão prazeroso que o tempo passou sem a gente perceber. Em Junho de 2021 entramos nos estúdios da YB para gravar e num piscar de olhos chegou Janeiro de 2022 e o disco estava pronto, masterizado, com capa e tudo. É muito difícil planejar no meio de incertezas, mas o clima foi tão bom entre as pessoas que fizeram o NT acontecer que de repente fazer um disco se tornou um enorme prazer.”

O show de vocês sempre tem um apelo visual muito forte mirando a sinestesia. Para este novo disco pensaram em algo especial para abraçar o conceito no ao vivo?

Lucas Moura (Glue Trip): “Sim! O lançamento do disco vai acontecer no Cineclube Cortina, no dia 04/08, em São Paulo, e decidimos fazer o show de lançamento lá pela proposta do cinema. O projetor do espaço e o próprio ambiente vão criar um clima perfeito para apresentar o Nada Tropical e todas as viagens visuais que criamos. Semana passada saiu um novo clipe para a música Marcos Valle que vamos incorporar ao show, além do documentário sobre o disco que sairá inédito por lá. Não percam!”

Ouça o Disco: Glue Trip Nada Tropical



Ficha Técnica

Produção Musical: Zé Nigro e Lucas Moura
Produção Executiva: Lucas Moura
Engenharia de Som: Fernando Rischbieter, Pedro Vinci e Zé Nigro
Mixagem: Rodrigo Funai
Masterização: Maurício Gargel
Todos os instrumentos e vozes gravados nos estúdios: Matraca/YB Music (SP), Estúdio Navegantes (SP), Estúdio Cia dos Técnicos (RJ), Estúdio Casa das Máquinas (BA) e Homestudio Glue Trip (SP)
Gravações Adicionais: Zé Nigro e Lucas Moura
Arte da capa: Bruno Borges aka Penabranca
Fotos do encarte por banda, Zé Nigro e Melissa Fontenele 

Glue Trip é formada por João Boaventura, Lucas Moura, Pedro Lacerda e Thiago Leal.

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