Quem via aquela menina meiga de franjinha tocando baladas irônicas em 2011 no YouTube mal poderia imaginar os caminhos inesperados que ela traçaria. Além de cantora e compositora, Clarice Falcão é também roteirista e atriz, qualidades que também a fizeram ganhar destaque na mídia, principalmente quando fez parte do grupo de humor Porta dos Fundos. Rapidamente alcançando fama nacional, Clarice poderia se acomodar ao aparente conforto do sucesso, mas preferiu seguir suas convicções e se deixar transformar por elas.
Depois do romântico Monomania (2013) e do curativo Problema meu (2016), a artista mudou radicalmente de sonoridade e de tema no seu último disco, Tem conserto, lançado no ano passado. Com bastante influência de música eletrônica, Clarice dessa vez procura falar mais sério sobre assuntos mais sérios, como por exemplo ansiedade e depressão – claro, ainda com aquela sua característica marcante de fazer rimas bem feitas e associações improváveis.
Sendo (ou parecendo) uma considerável mudança de estilo, houve críticas ao novo trabalho da artista e uma parte do seu público acabou sendo renovada. Mas para a felicidade dos fãs antigos que continuam fiéis à cantora, Clarice teve a inteligente ideia de fazer releituras de suas músicas antigas nessa mesma atmosfera synthpop, que resultou no EP Eu me lembro, lançado em março deste ano.
Nele, há canções como “O que eu bebi”, “Eu me lembro” (com participação da Letrux) e “Pra ter o que fazer”, essa última sendo finalmente gravada em estúdio. Inicialmente, a ideia era fazer essas versões para serem tocadas exclusivamente nos shows, mas as pessoas começaram a querer ouvi-las nas plataformas digitais.
Com quase 10 anos de carreira musical, Clarice Falcão cresceu, mas sem deixar de ser aquela menina meiga. Em entrevista via Zoom, conversamos sobre amadurecimento pessoal e artístico, críticas, processo criativo, parceria com o Planet Hemp, novos projetos e mais. Confira:
Clarice Falcão: “Acho que aconteceu naturalmente mesmo. Eu acho que as nossas prioridades vão mudando, né? No Monomania, eu tava no meu primeiro amor, então era minha prioridade, era a coisa que eu mais amava, era o que saía. E aí veio a minha primeira decepção. Eu não queria ser uma pessoa que me expõe tanto e põe tanto de si… Eu adoraria não fazer isso, mas é assim que eu sei.
Então é o que eu faço. E aí depois disso eu consegui me olhar e me entender, entender as minhas questões, os meus problemas, aí saiu o Tem conserto, que é finalmente depois de me jogar tudo por um boy e depois ter um coração quebrado, entender o que eu sou e o que eu quero.
Clarice Falcão: “Sim. A música sempre me ajudou muito com a coisa de ser bipolar e de ter picos de depressão e ansiedade. Eu acho que a primeira música que deu o rumo do disco foi “Minha Cabeça”. É uma música que põe muito minhas angústias, mas penso muito no que as pessoas vão ouvir. Acho também que a última música do disco, “Tem conserto”, foi a última que eu fiz e tem uma coisa que é: Eu não queria que o disco fosse só “Meu deus, a vida é horrível, que depressão.”
Eu queria muito terminar numa nota pra cima. Eu não conseguiria lançar o disco só com as outras músicas. Eu acho que seria um disco muito pesado e até perigoso. Eu queria terminar com uma nota de esperança. Então, sim, eu pensei muito sobre isso.
É um assunto que me acompanha desde antes de eu nascer – Meu avô se matou, minha avó morreu de overdose de remédio; minha mãe, meu pai, todo mundo lida com depressão e ansiedade, então é um assunto muito sério pra mim. Quando eu entendi que o meu disco era sobre isso, eu queria tratar isso do jeito mais respeitoso e carinhoso possível.
Clarice Falcão: “Eu sempre gostei de música eletrônica mas eu não sabia. Eu tive fanpage da Björk quando eu tinha 16 anos. Eu tinha um Fotolog dedicado à Björk, eu era totalmente apaixonada e eu sempre gostei de projetos que tinham o eletrônico. Acho que esse gênero, por muito tempo, e pra algumas pessoas até hoje, é ligado com uma coisa de poperô, ou playboy, sabe?
Eu tinha uma visão de eletrônico muito errada e preconceituosa. Achava que era música de playboy na Baronneti (boate localizada no Rio de Janeiro). Eu acho que eu fui descobrindo a cena alternativa eletrônica do Rio e de São Paulo e fui descobrindo artistas e fui entendendo que tudo o que eu já gostava – Depeche Mode, Robyn – é eletrônico! Só que é eletrônico do jeito que eu gosto.
E aí, depois de entender que a música eletrônica me agradava, eu fui entender que ela é muito gostosa de fazer, porque você não precisa estar num estúdio. Não precisa gravar aquele violão ou o cello num lugar específico. Não! Vai direto do seu teclado pro computador ou pode usar até o teclado do próprio computador. Então você pode fazer na sua casa. O Tem conserto foi feito no chão da minha sala.
Então isso dá uma abertura pra compor de formas que eu nunca imaginei que eu poderia compor. Tipo, pegar uma batida e pegar uma letrinha que eu tinha feito e ir modificando junto. Porque não tem preço, sabe? Não é “vai ter mais uma hora de estúdio, então a gente vai ter que pagar mais tanto.” Não! É a minha casa.”
Clarice Falcão: “Como a maioria das coisas que eu faço, foi muito entre amigos. Eu falei com o Pablo (Monaquezi) e o Filipe (Oliveira, diretores do clipe), que são dois dos meus melhores amigos, e a gente chegou nessa ideia da foto de família, sabe?
Tipo assim, dia D: Esperei a semana toda pra… E a gente chegou no conceito das fotos de antigamente, quando a fotografia era uma coisa muito preciosa e as pessoas se arrumavam toda. Era “a” foto, era uma foto que elas tinham, a foto da formatura… Então o conceito foi muito baseado nisso: O dia em que vou me arrumar porque eu vou transar.
E a gente foi chamando gente que a gente amava – tem mãe, irmã, amigo, galera. Acho que a gente tinha tanto material que a gente falou que dava muita dó de editar. Tipo, “eu vou tirar isso, mas não vai ter isso, não cabe tudo”. Aí a gente teve a seguinte ideia: “Pô, e se a gente pegasse algumas pessoas e fizesse um clipe só delas?” Tipo o dia D delas. Porque teve uma galera que veio muito preparada, com coreografias, figurinos.”
Clarice Falcão: “Sim, tem muita cobrança, né?. Acho que nesse momento de internet, de rede social, a cobrança é eterna, de tudo. De continuar, de mudar, de melhorar, de piorar. Tudo. Todo mundo cobra tudo.
Mas eu entendi, pra mim, o quanto me faz bem fazer as coisas que eu acredito. Tem uma coisa, tipo, quando alguém fala mal de uma coisa que eu tô insegura e que eu não gosto, dói muito mais do que quando alguém fala mal de uma coisa que eu acredito. Então é isso, ele não gostou, mas eu fiz o que eu queria.
Então eu tento focar em fazer o que é verdadeiro pra mim naquele momento. Às vezes é totalmente doido e nada a ver, e é isso. O Tem conserto é uma loucura, sabe. É muito distante do Monomania. E até hoje o Monomania é muito mais ouvido no Spotify. E eu entendo, ele é mais popular, ele toca mais gente. Eu amo esse disco, eu já fui essa pessoa. Mas fazer um Monomania agora não seria genuíno.”
Clarice Falcão: “Sim, eu entendo. Por exemplo, eu gostava muito de Kate Nash quando eu era mais nova, e eu lembro que ela começou a fazer umas músicas mais punk e tal, e eu fiquei triste de não ter mais aquilo.
Então entendo total a reação “ah, eu queria mais disso”, mas eu não tenho como dar mais disso, porque aquilo era de verdade, aquilo tava saindo de uma pessoa que tava acreditando naquilo. Eu agora fazer aquilo não faz sentido. Não ia sair igual. Ia sair como uma tentativa, um pastiche.”
Clarice Falcão: “Não sei. Teve algumas músicas que a gente tentou. “Macaé” a gente chegou a fazer um arranjo, mas não ficou maneiro. Eu acho que tem algumas músicas que meio que são aquilo, sabe, ficaram lá. Talvez um dia eu consiga fazer.
Eu acho que a magia de você fazer o que é verdadeiro pra você agora é que você não tem a menor ideia do que você vai fazer amanhã. Porque você faz o que você tá sentindo, né. Cê não sabe como vai acordar amanhã. Se você planejar sua carreira por 10 anos, cê pode até seguir, mas eu não sei se vai ser genuíno, porque a nossa vida e a gente tomam rumos imprevisíveis.
Tipo, “Macaé”, eu amo essa música, eu gosto muito de ter feito, mas a gente não conseguiu fazer uma versão que fizesse jus à composição, ao que a gente fez. Então eu não tenho a menor ideia. A “Eu me lembro” não foi uma coisa que eu planejei. A gente fez as versões pros shows e as pessoas gostaram muito das versões e elas começaram a querer ouvir no Spotify, e eu pensei: “Por que a gente não dá isso? Escolhe as que deram mais certo e faz isso”. Então tudo foi “me deu na telha”.
Eu sempre acho que não vou fazer um próximo disco, por exemplo. Toda vez que eu terminei um disco eu falei: “Esse é o disco que eu fiz, eu não tenho mais nada pra dizer, acabou, muito obrigada, beijo, gente, tchau”, e terminou que, em algum momento, apareceu alguma coisa pra dizer.
Então é isso. Por exemplo, “Pra ter o que fazer”: eu nunca pensei que eu fosse gravar essa música. Não era um plano meu. Essa era uma música rejeitada. Eu gravei no violão e foda-se. E depois, quando mostrei pro Luquinhas (de Paiva), a gente fez o arranjo e ela tomou um corpo totalmente dela. Me surpreendeu, foi inesperado. Eu tento deixar as coisas me surpreenderem, porque eu acho que a vida é muito mais criativa que eu (risos).”
Clarice Falcão: “Não, não sou, zero. Muito pelo contrário. Tipo, “não vem nada, não vem nada”, aí vem uma frase e eu anoto no IPhone. Uma frase que eu nem sei onde vai dar. E eu tenho um monte de frase que nunca deu em nada. Tem algumas frases que deram em coisas.
Eu lembro que algumas, por exemplo, na música “Se esse bar fechar”, eu tava num táxi e falei: “Seria engraçado uma pessoa que chegou num encontro, a pessoa não foi e ela quer que não feche o bar porque ela ainda tem essa esperancinha”, e aí eu anotei.
Então tem algumas coisas. Em “Mal pra saúde”, eu lembro de “um aviso do Ministério”… Eu vou anotando. Mas eu quase tenho medo de sentar pra compor porque eu acho que eu vou fazer merda e vou ficar com vergonha de mim mesma. Eu tenho muita vergonha de mim. Eu tenho muita vergonha de todo mundo. De mim principalmente.”
Clarice Falcão: “Tipo, eu não sou essas pessoas que saem escrevendo poesias, tem várias coisas guardadas, enormes. Quando eu escrevo, é porque eu tô bêbada (risos), e aí eu não tô me julgando. Mas eu normalmente tô sempre num lugar de me julgar muito e de muita autocrítica.”
Clarice Falcão: “Então, me convidaram, me mostraram a música e eu ainda não gravei, mas eu tô muito empolgada! O Pedrinho foi o técnico de som do Problema meu e ele tocou bateria em todos os meus shows dessa turnê. Eu tô muito empolgada, espero que role!”
Clarice Falcão: “Tem uma série que eu tô escrevendo, não tá nada certo ainda, mas se rolar vai ser muito legal. Já tá num lugar grande, e acho que se rolar vai ser bem bom.
Clarice Falcão: “É exatamente isso. Meu sonho era poder ficar de boa. Essa parada de foto, de meet & greet, eu me sinto um pouco o Mickey, um objeto. É tão distante. E eu sinto que a relação de uma conversa, mesmo que você chegue e fale: “Pô, aquela música me tocou”, e eu fale: “Por quê, o que aconteceu, como é que foi?” – Isso é tão mais intenso e tão mais de verdade do que uma foto.
Eu não tenho o menor problema em tirar foto, imagina, eu tiro (tirando carnaval. No carnaval eu não tiro foto, porque realmente, poxa). Mas eu gosto mesmo é de conversa. Eu não tenho vocação pra celebridade, sabe. Acho que tem gente que ama e eu não julgo, nem um pouco, eu acho mara. Mas eu gosto de ficar doidona, conversar, fazer besteira, sabe? Eu quero poder fazer merda na rua.”
Clarice Falcão: “Nossa, tudo. Eu acho que o mundo tá precisando de conserto até mais que eu, e eu não achava que isso era possível.
O caminho que a gente tá tomando – Bolsonaro, Trump e tudo o mais -, eu acho que tá tudo tão errado que essa pandemia me parece um reflexo. Mas aí eu to sendo hippie, né. Eu fiz “O after do fim do mundo” (feat. Linn da Quebrada) antes da pandemia, então pra mim o mundo já tava acabando muito antes do COVID-19. O COVID é mais uma coisa, mas a gente já tava na merda há muito tempo.”
This post was published on 1 de setembro de 2020 7:59 am
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