Estranhos Românticos viaja por novas frequências em “Só”

Estranhos Românticos lança nesta sexta-feira (01/05) seu segundo disco e um dos prováveis últimos capítulos da sua história. Nos últimos anos eles passaram por diversas situações, entre aliar o tempo a projetos paralelos, gravarem músicas a distância e aliar tudo isso as rotinas individuais. No meio disso tudo a banda se desentendeu o que definitivamente mudou os rumos das gravações do que hoje sabemos que serão não somente um mas dois discos a serem lançados em 2020.

O vocalista e guitarrista Marcos Müller (ex-Gatz Mao), o baixista Mauk (Big Trep, The Dead Suns), o tecladista Luciano Cian (ex-Utopia) e o baterista Pedro Serra (O Branco e o Indio) perceberam que a música era mais importante que as desavenças, e com a ajuda e paciência do produtor Seu Cris (Estúdio La Cueva) o trabalho foi finalizado.

Os Ingredientes Finais

O lançamento contou também com importantes participações especiais de JR Tostoi (Lenine, Vulgue Tostoi) toca no estranho reggae “Só”. Ele também foi responsável por gravar o debut dos cariocas. Gilber T (B Negão & Seletores de Frequência) toca na funky “Tranquilo”. Já João Pedro Bonfá participa tocando em “Dançando no Escuro”. A convite do Seu Cris, o argentino Dom Horácio (Superpuestos) toca em “Samsara” primeiro single do disco que lançamos por aqui.

Formada por veteranos do rock dos anos 80 e 90 o som dos Estranhos Românticos é bastante plural e abraça ritmos como Alternative Rock, New Wave, Tropicália, Funk, Reggae, Surf e o que eles chamam de “punk tropical”.

O disco conta com 10 faixas que experimentam novos ares e foram gravadas de uma maneira inédita para eles. Devido a toda confusão, um a um foi gravar separadamente o que segundo Seu Cris até que não prejudicou tanto a mágica de colocar um disco no mundo.


Os Estranhos Românticos gravaram o disco separados. – Foto: Divulgação

Estranhos Românticos (2020)

Os versos de “Samsara” abre o disco com uma levada tragicômica e uma veia um tanto quanto titânica. Por mais que os Estranhos Românticos confessem que essa passou longe de ser uma das inspirações. Já sua sonoridade faz aquele passeio entre o funk, com estética despojada do Minutemen, a new wave, dos Buzzcocks, e o punk tropical. A faixa ainda conta com a participação de Dom Horacio (Superpuestos).

Com o espírito misterioso de Siouxsie and the Banshees “1988 carrega mistério. “Dançando no Escuro” já é mais romântica e rasgada no Blues. “Meu Bem” é robótica e no melhor estilo Autoramas abraça a surf music e a jovem guarda de tabela. “Tranquilo” com Gilber T traz o Funk psicodélico meio Habibi Funk indo de encontro com o The Clash para a sonoridade dos cariocas. “Sincero” é uma espécie de experimentação eletrificada que acabou se tornando meio que sem querer uma balada reggae, curioso o resultado. “15 Mil Passos” é estranhamente romântica e sintetiza talvez o momento da banda.

“Estranho Amor” parece uma extensão do primeiro disco e conta com a potência no refrão cegamente apaixonado. “Só” tem nostalgia e é confidente, tem uma verve Combat Rock em prezar pela simplicidade para o foco ficar justamente na mensagem, ao mesmo tempo que tem uma interferência alienígena um tanto quanto Rezillos. Quem fecha é “Mergulho No Saara” com batuques, guitarras pulsantes e uma aura quase brega da New Wave que acaba desembocando no mundo mágico da música eletrônica.



Para entender mais o Pedro Serra contou um pouco mais…

Vamos pela ordem do disco:

1) “Samsara” – o Marcos fez essa letra depois de uma viagem à Índia, alguns anos atrás. Ela é uma das mais antigas e mudou várias vezes de arranjo até chegar aqui.

2) “1988” – a gente chamava ela de “Gótica” e ela surgiu de uma jam de baixo e bateria num ensaio. A gente sempre achou que lembrava Joy Division. O refrão mudou completamente umas 3 ou 4 vezes até chegar nesse aqui. E provavelmente continuaria mudando se a gente não tivesse gravado… (risos)

3) “Dançando no Escuro” – talvez seja a música mais pop do disco.

4) “Meu Bem” – se chamava “Nada de Mais” e era bem antiga (da época de “Samsara”), mas mudou completamente – só ficou o riff inicial.

5) “Tranquilo” – é um pouco inspirada em Picassos Falsos (que a gente acha uma das melhores bandas dos anos 80) e surgiu de uma jam no ensaio.

6) “Sincero” – foi mais uma que foi composta no estúdio, quando o Mauk apareceu com essa linha de baixo e a gente entrou na onda. Ela é uma mistura de Jovem Guarda (inclusive tinha esse nome provisório) com Motown. Antes da gravação a gente tinha pensado em botar um naipe de metal, mas depois de tudo o que aconteceu, não rolou.

7) “15 Mil Passos” – essa é bem antiga, de antes do 1º disco, mas a gente nunca tinha acertado o arranjo. Dessa vez rolou e conseguimos juntar bem as partes dela, com unidade.

8) “Estranho Amor” – uma das últimas músicas que fizemos, ao contrário do 1º disco, uma das raras músicas que tem backing vocal – do Pedro, Luciano, Marcos e Seu Cris.

9) “Só” – até o meio da mixagem ela se chamava “Oceano”. Tem baixo reggae hipnótico que vai passando por todas as fases da música, até descambar no solo incrível do JR Tostoi.

10) “Mergulho no Saara” – é uma das mais antigas, fizemos logo depois do 1º disco. Ela começou à partir de uma batida eletrônica que o Luciano fez no teclado e é uma viagem pelos bairros do Rio. É uma música que esbarra no universo da música eletrônica.

Entrevista

O processo desse disco definitivamente é uma história a parte. Contem mais sobre as nuances dessa experiência um tanto quanto estranha e romântica.

Estranhos Românticos: “Ao longo desse tempo sem gravar (o 1º disco saiu em 2016), a gente foi acumulando muitas músicas e quando achamos que os arranjos estavam no ponto para gravar, vimos que tínhamos 19 músicas – e olha que algumas ficaram pelo caminho… Daí ficou aquela dúvida, o que a gente faz com tudo isso? Grava um duplo? Escolhe algumas e deixa o resto de lado? Mas as composições eram boas, os arranjos estavam bem feitos e elas estavam super bem ensaiadas.

Então resolvemos gravar no estúdio onde a gente se sentia confortável e ensaiava desde o começo da banda (em 2014), o La Cueva do produtor Seu Cris, um argentino radicado no Rio. Ele é quase um 5º elemento da banda – inclusive nos levou pra tocar em Buenos Aires. A gente já tinha gravado algumas músicas lá com ele para os tributos ao Pato Fu e ao Autoramas e tínhamos gostado do resultado. Então, mesmo que sem unanimidade, resolvemos gravar tudo e depois ver o que a gente fazia com todo aquele material.

O Erro

Talvez esse tenha sido o nosso erro, porque é difícil gravar muita música – muito trabalho, muito estresse, muita discussão. Daí, logo na terceira sessão de gravação, a banda se desentendeu. Mas depois de uma semana os ânimos acalmaram e a gente se deu conta que a música era mais importante que os nossos desentendimentos e não fazia sentido a gente jogar fora um trabalho de quatro anos (de composição e construção de arranjos das músicas novas), ali, na marca do pênalti.

A experiência na balança

Provavelmente só conseguimos passar por cima disso por causa da nossa experiência, pra não dizer idade…(risos).
A gente faz parte de um grupo – ou talvez uma cena ainda não descoberta aqui no Rio – de músicos mais velhos, acima dos 40 anos, que já passaram por várias bandas mas seguem tocando porque isso está no nosso sangue, e não conseguimos parar.

Tem várias bandas de amigos que tocaram em bandas nos anos 90 como Planet Hemp, Acabou la Tequila, Autoramas, Black Future, Carne de Segunda, Canastra, Sex Noise, Poindexter, Los Djangos (ou Kamundjangos), Cordel Elétrico, Big Trep, Carbona, Tornado, X-Rated, etc. E (ao contrário de muita gente dos anos 80) nós não paramos no passado e estamos fazendo sons novos e diferentes em bandas como Estranhos Românticos, Tripa Seca, Matanza Inc, Albaca, O Branco e o Indio, Ladrão, Katina Surf, Melvin & os Inoxidáveis, Elétrico Vesúvio, Latexxx e outras tantas.

Daí resolvemos terminar a gravação e depois ver o que faríamos. O Seu Cris foi muito importante, porque foi capitaneando isso e gravando com cada um de nós separadamente, enquanto aparava as arestas nos ânimos mais exaltados.”

Muitos ritmos, experimentações e material suficiente para não só um mas como dois lançamentos. Como foi dividir as faixas para fazerem sentido? Aliás qual o conceito que une todas as faixas?

Estranhos Românticos: “A gente foi escolhendo as músicas que foram se encaixando com mais naturalidade para o primeiro disco e também distribuímos as músicas de acordo com o peso e a pegada. Quer dizer, temos músicas mais aceleradas e mais lentas nos dois discos.

O conceito que une é o conceito da banda, que busca sempre falar de amor de forma indireta, por vezes torta e existencial, com um instrumental simples, com silêncios e estranhezas. A minha bateria suingada com ton-tons está lá, assim como o baixo melódico e sinuoso do Mauk que costura a guitarra torta e JorgeBeniana do Marcão (que ganhou mais camadas e arranjos nesse disco) e o teclado agridoce estranho do Luciano.
Enfim, como a formação é a mesma do primeiro disco, a sonoridade dos dois novos álbuns passeia pelo mesmo caminho, mas agora com um pouco mais de espontaneidade, já que várias músicas foram quase que totalmente feitas no estúdio, durante os ensaios.”

Em referências e influências o que acreditam que somou ou potencializou em relação ao debut?

Estranhos Românticos: “As referências e influências são mais ou menos as mesmas, mas o resultado está mais amalgamado, depois de todos esses 6 anos de banda – afinal, foram 4 anos entre um disco e outro, enquanto foram 2 anos entre o começo da banda e o 1º disco. E diferentemente do 1º disco, onde a maioria das ideias das músicas foram feitas pelo Marcos, que levava pro ensaio e a banda trabalhava no estúdio, dessa vez várias músicas foram feitas diretamente a partir de jams no ensaio.

Esse disco também é mais “permissivo”. Tem uma pegada mais descompromissada, sem uma linha sonora definida, passeia mais por outros gêneros – indie, disco-punkpos-punk, funky, soul, reggae, jovem guarda, blues… mas tudo sob a nossa ótica, dando uma roupagem com a nossa cara.”



A capa é uma obra de arte mas como acreditam que se relaciona com tudo? E porquê do título só?

Estranhos Românticos: “A pintura Tempo de Amor do artista francês do século XIX William-Adolphe Bouguereau retrata um cupido com toda sua ingenuidade. A ideia de inserir uma tarja preta sobre os olhos leva a imagem para outro lugar, atribuindo ao cupido a figura de um menor infrator, de um marginal.

Essa intervenção tem tudo a ver com o que pensamos sobre o amor nos dias de hoje. O amor ganhou uma interpretação errada, ao avesso. Como diz a frase de para-choque de caminhão, “Amar em tempos de ódio é um ato revolucionário”. E revolução hoje em dia é visto com medo, com desconfiança. Mas nada muda, anda pra frente, sem revolução.

Já o título…

O título SÓ tem tudo a ver com o disco, com as letras, com esse momento que a capa metaforicamente critica. Estamos cada vez mais sós, apesar de conectados. Desaprendemos valores, comunhão, união. E só o amor por mudar isso. Ironicamente o título também faz alusão ao processo de gravação e ao fim da banda.”

Como funcionou a dinâmica e entendimento do trabalho trabalhando sobre essas circunstâncias diferenciadas?

Seu Cris: “Eu sempre começo uma gravação com um cronograma planejando as entregas até o final do disco, independentemente dos imprevistos que possam acontecer. No caso dos desentendimentos entre a banda, sempre coloquei em primeiro lugar que o importante são as músicas, o disco. E todos entenderam a mensagem. E assim o trabalho fluiu com esse foco.

Sobre a questão da mixagem em tempos de pandemia: faz tempo que venho trabalhando na fase final dos discos enviando as músicas, coletando as observações e fazendo as correções à distância. Trabalhar a mixagem de forma remota ajuda a diminuir o deslocamento das pessoas, os custos e se obtêm o resultado final da mesma forma.”


Comentem mais sobre a escolha das parcerias e o resultado delas?

Estranhos Românticos: “Chamamos amigos músicos que têm estilos diferentes, no anseio de misturar mais, de sair do nosso quadrado e trazer algo novo. Depois de tudo gravado, quando voltamos a nos reunir no estúdio para mixar, fomos percebendo que havia espaço para adicionar outras experiências em algumas músicas.

Como por exemplo, o solo psicodélico no final de “Samsara“, feito pelo guitarrista argentino Dom Horacio – amigo do Seu Cris que conhecemos quando fomos tocar em Buenos Aires. Achamos que “Dançando no Escuro” estava um pouco vazia, e achamos que ali caberia uma outra guitarra.

O João Pedro Bonfá tinha gravado o disco dele lá com o Seu Cris no ano passado e conhecia o Luciano de outros carnavais, então chamamos ele, que fez de primeira, num take só, uma linda pontuação com guitarra slide ao longo da música, dando um toque especial.

A funky “Tranquilo” foi um pouco mais complicada. A gente trabalhava e trabalhava na mixagem, mas não ficava satisfeito. Até que alguém teve a idéia de falar com o Gilber, que é meu amigo desde os anos 90 (inclusive gravei duas baterias no 2º disco do dele).

O Seu Cris também masterizou o 3º disco dele, então estava tudo em casa. A gente até mudou o arranjo da música em função das guitarras que ele gravou. Em “Só”, que é um rock-reggae estranho, a gente quis corrigir a mancada que foi não ter tido uma participação do JR Tostoi no 1º disco, que ele produziu. E ele fez dois solos gêmeos que fecham a música com chave de ouro.”

Os Parceiros também comentaram..

Dom Horacio

Dom Horacio é guitarrista argentino e tocou na banda Superpuestos do Seu Cris em Buenos Aires nos anos 90 – fez o solo final de “Samsara”

“Creio que poder participar de um projeto com músicos de outros países – com cada músico compartilhando diferentes idéias e sons – é um importante intercâmbio cultural. Pude ter essa experiência com os Estranhos Românticos e estou muito contente e agradecido por ter participado desse disco.”

João Pedro Bonfá

João Pedro Bonfá é guitarrista, cantor e compositor que lançou seu álbum solo produzido pelo Seu Cris no ano passado – gravou guitarra slide em “Dançando no Escuro”.

“Eu gravei uma guitarra no disco dos Estranhos Românticos e espero ter ficado legal, foi um prazer pra mim gravar. Eu falei: ‘cara eu não vou ouvir a música – eu vou botar ela, plugar a guitarra e vou gravar do início ao fim’.

Foi isso que eu fiz e tenho certeza que saiu, no mínimo, bem espontâneo né. Eu gosto disso, sou fã dos primeiros takes e espero que eles tenham gostado também. Eu conheço o Luciano (tecladista) há muitos anos, a gente foi vizinho há uns 20 anos atrás. Uma das minhas primeiras guitarras  – ele é um artista plástico foda – ele fez um mosaico de espelhos nela. Eu adorava essa guitarra.”

Gilber T

Gilber T é amigo pessoal do Pedro Serra desde os anos 90 quando tocaram juntos no Garage, Pedro com o Cordel Elétrico e ele com o Tornado. Tem 3 discos solo e atualmente é guitarrista do BNegão & Seletores de Frequência – gravou guitarras em “Tranquilo”.

“Estou bem ansioso porque no dia 1º de maio tem o lançamento do novo álbum dos Estranhos Românticos, banda dos meus amigos Pedro Serra, Mauk, Luciano Cian e Marcão. É um disco produzido pelo hermano Seu Cris do estúdio La Cueva. E dessa vez galera, tô muito feliz porque os caras me convidaram pra gravar guitarra numa faixa chamada “Tranquilo”.

Como se não bastasse ser banda de amigos, o que eu curto muito com relação aos Estranhos Românticos é essa mistura que eles fazem de rock de garagem, mas com estilos e texturas diversas, de diversas épocas. E assim, o contexto é muito foda. Enfim, o legal é isso, é banda de amigo, mas pô, que faz um som que eu curto pra caramba. Se cuidem – dia primeiro, novo disco dos Estranhos Românticos.”

JR Tostoi

JR Tostoi é guitarrista e produtor do Vulgue Tostoi e Lenine, produtor do 1º disco do Estranhos Românticos e dos últimos discos do André Prando, Picassos Falsos, Pietá, Posada e o Clã, Nenhum de Nós, etc – gravou os solos finais na música “Só”.

“Eu participei tocando guitarra na música “Só” maravilhosa, dos maravilhosos Estranhos Românticos, meus amigos. Cara, foi muito natural, eles deixaram já um pedaço pra eu me divertir, falaram:

“Cara, divirta-se”. Eu gravei dois tracks em um take cada um, só. Eu produzi o primeiro disco da banda, já conheço bem, escutei muito a música antes… Logo o Pedro veio pra cá, pra acompanhar comigo, já tava pronto e a gente ficou se divertindo depois.”

This post was published on 1 de maio de 2020 1:38 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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