Mineiros da Lua contesta a sociedade do espetáculo em seu afiado debut
Música também pode fazer uma ponte com outros universos – e muitas vezes o faz. Permeia o mundo dos sonhos, desemboca em melodias envolventes e nos desperta uma imensidão de sentimentos. Sem limites, preconceitos ou dimensões.
Quando ouvimos bandas como Transquarto (DF), Sick (MG), Taco de Golfe (SE), Hoovaranas (PR), Origens (AL), The Nebula Room Experience (RS) e Mineiros da Lua (MG) temos a certeza de que ela pode sim transcender.
Pude conhecer o som da Mineiros da Lua ainda no começo de 2018 e logo de cara me surpreendi pela rica combinação e imersão sonora.
A panela do quarteto formado por Elias Sadala (guitarra), Haroldo Bontempo (guitarra), Jovi Depiné (bateria) e Diego Dutra (baixo) é vasta e passeia por estilos como pós-rock, pós-punk, jazz, psicodelia, rock alternativo.
O grupo foi formado em Belo Horizonte e é o resultado de (quase) dez anos de amizade. Um outro fato interessante é o quão jovens eles são, o mais jovem é Jovi que tem 18 anos, o mais velho, Elias, tem 21.
Tendo lançado em 2017 seu primeiro registro com 5 canções, Turbulência (Ouça no Spotify) via La Femme Qui Roule, em junho eles trouxeram o misterioso Queda.
As referências citadas pelo conjunto são bastante diferentes e isso dá corpo ao resultado final de seu trabalho. Eles citam do exterior BadBadNotGood, King Krule e Mild High Club e do independente nacional Boogarins, Lupe de Lupe e Fábio de Carvalho. O que só mostra como estão conectados com o cenário efervescente dos últimos anos.
Se uma coisa eles já entenderam é que para uma banda ganhar território é necessário mesmo circular e eles já chegaram a apresentar ao lado de bandas que tem dado o que falar dentro do cenário nacional como Mahmed, Glue Trip, Fernando Motta e Bike.
A Queda
A Queda pode ser brusca, a queda é quase uma clemência pela volta a realidade, a queda ironiza “os bons costumes”, a queda entorpece, a queda é por si só uma cartada poderosa em meio ao mundo dos nossos sonhos. Ela quebra paradigmas, faz com que fiquemos literalmente sem chão e aos prantos.
Esta insegurança que por si só pode ser vir como impulso para novos tempos, novas ideias e pensamentos. É o choque da realidade e o seu deslumbre que deixam o álbum tão afiado e visceral. Condensando influências e trazendo um som envolvente para o centro do caldeirão.
“O álbum é sobre aceitar a realidade. Aceitar que até poucas décadas atrás multidões se reuniam para assistir enforcamentos, e que esse hábito provavelmente ainda persiste, de maneira adaptada. Aceitar a tristeza, porém, sem o fim nela mesma, identificando a como ponto de partida e, principalmente, aceitando que estamos vivos para fazer a diferença.”, comentam os mineiros
A epopeia de nossos viajantes da lua é rápida feito uma viagem na velocidade da luz. São 9 canções e 32 minutos de duração, destilando sentimentos e emoções complexas.
As metáforas com os nossos estranhos tempos, onde a ansiedade, a inveja, as relações superficiais, o individualismo, o cinismo e a falta de empatia acabam, por sua vez, virando grandes protagonistas. Tempos de libertação, confusão e delírios à flor da pele.
O som dos Mineiros da Lua provoca delírios e viagens astrais em meio a um estopim de emoções de uma queda livre.
O álbum abre com “Ato 1” e feito trilha de um filme, vai criando camadas que parecem estar adentrando um território hostil e mágico. Um caminho sem volta. Um abismo no horizonte entre o mundo consciente e subconsciente.
É ao som de sussurros que eles abrem o registro, feito uma cabeça pensante prestes a ter um colapso. O caminhar “delirante” nos lembra as harmonias de grupos como Mahmed e Bike.
Sua letra que caminha em círculos parece questionar sobre a origem, a negatividade do cotidiano e o porquê de nossa existência. Como eles mesmo frisam, feito A Caverna de Platão.
“Mais Uma Vez, Com Entusiasmo” parece beber diretamente na nossa MPB justamente pela construção de sua composição. Por mais que vá buscar no jazz / math rock suas bases, ela tem o gingado da música brasileira feita nos anos 70.
Sua energia, e flutuar, envolvem o ouvinte que se vê tão perdido como o eu-lírico. O lance da vida não parar, não termos tempo para respirar sem cobranças e a iminente mediocridade do que são os atos mundano.
Já “Vaidade”, o hit perdido do disco. É apaixonante e te faz dançar com seu baixo envolvente desde seus primeiros segundos. Ela é transgressora e questionadora em sua estrutura.
Rasga, provoca, derrete feito a psicodelia do Bike mas vai beber da fonte do jazz moderno do BADBADNOTGOOD. Sua melodia e letra me lembra o jeito de que Cazuza empunha em suas composições.
Minha parte favorita é quando ela ganha o peso e vai se arriscando a “fritar” feito uma jam sem fim. Ela é profunda, carrega distopia, sentimentos controversos, desespero, euforia e perdição. Por isso cativa e nos “engole”.
Já “Ato II” parece emendar e faz com que dancemos em meio as incertezas do cotidiano. O eu-lírico se vê perdido em um mar de sentimentos ambíguos mas ao mesmo tempo parece procurar por caminhos e respostas.
O baixo é o maestro que rege a orquestra da desilusão, e as linhas de guitarra abusam de acordes milimétricos que ao mesmo tempo que empolgam, cadenciam.
Estamos definitivamente no meio da sequência “matadora” do registro, quando surge na escuridão a malemolente “Carcará”. A mais experimental de todas, brinca com pedais, samples e efeitos, como o hip hop, e constrói um caminho e vida própria.
A ansiedade e a depressão, problemas parecem que a cada dia mais serem o mal do século, ganham um capítulo à parte em uma faixa que fala sobre a busca pela felicidade em um mundo moribundo e cheio de percalços.
Com colagens a faixa acelera e desacelera justamente para brincar com a correria e a falta de freios de nossos tempos. Eles no single, inclusive citam trechos de outro “Carcará”…o clássico de Zé Ramalho. A canção ainda conta com gritos eufóricos embriagados pela loucura em seus backin vocals.
Mais esquizofrênica, feito uma música pós-apocalíptica, temos “A vida é logo ali” que condena o estilo de vida moderno do jovem. Me lembrando até mesmo uma mistura de CHON com American Football.
Entre bebedeiras, colapsos nervosos, dilemas e se sentir parte de uma corrente de algo maior, a faixa ganha acordes perturbados, versos impetuosos e sensação de desapego com a realidade. A Queda Livre sem ao menos olhar no retrovisor.
A energética “Ato III” é outro ponto alto do registro. Faixa para refletir e pensar em nossa sociedade do espetáculo. Onde uma palma serve para marcar um fim, e um agradecimento serve como uma esmola ingrata.
Crônica com a vida onde o indivíduo é apenas mais um personagem. A composição me lembrou um pouco o filme Dogville. Onde estamos dispostos e abertos para brindar o fim, dia após dia, de sua protagonista. A dor que arde e o espectador sabe o que vai acontecer mas mesmo assim fica para assistir o final.
“Você Merece” volta a falar sobre a decadência e perder os freios. As memórias ruins e seus equívocos. O “Mérito” é questionado e me lembra até mesmo a apatia do povo mediante a classe política que atualmente “governa” o país.
Mas quem fecha é justamente “Minas Gerais”. Proclamando versos, a poesia ganha protagonismo, e entorpece o ouvinte que se vê “preso” e pronto para se libertar.
Mesmo que isto signifique, por sua vez, sua emancipação. Ao ouví-la ficará impossível não cantarolar os versos a seguir.
“Eu canto meu desespero para ver uma cena mudar (para uma cena mudar) que canta junto sem saber o meu desejo de morrer. Achando que eu to dizendo (X3). Dizendo que Minas Gerais toca as cordas menos racionais do seu coração de uma forma tão sentimental”
No horizonte a canção se esvai e o ciclo de pensamentos entorpecidos, caos e fúria voltam para o começo da roda da fortuna. Feito a vida, feito o medo pelo futuro, feito nossa vontade de viver e nos transformar.
Viva a vida que quando parece que estamos por apenas um fio, nos ajuda a criar uma força especial que nos mantém vivos e mirando nossos próximos passos.
O álbum de estreia dos Mineiros da Lua traz uma maturidade que não estamos preparados. São jovens entre 18 a 22 anos que trazem temas que questionam sim a juventude perdida, e seus dilemas, mas sem olhar para trás.
Se conectando com a literatura e os problemas sociais. Nossa confusão mental e inconstância entre o caos mental, a euforia e a fúria sendo os verdadeiros condutores desta fiação.
Com um som encorpado, que passa pelo post-rock, experimental, MPB, math rock e outros ritmos, nos sentimos abraçados pela qualidade e coesão de um disco que vem para “bagunçar” e não para entregar de bandeja respostas simples.
Feito um “clássico” ele retrata a trajetória de um jovem embriagado por problemas modernos para questionar o momento e os conflitos de nossa atual sociedade. Cheio de metáforas, curvas e poesia, o registro orquestra a vida feito um espetáculo a céu aberto.
Show em SP
Os Mineiros da Lua lançam seu álbum de estreia no sábado (13/07), à partir das 19:30h no palco do Breve, na Pompeia, em noite que também tocam Quasar e Lar.
Os ingressos estarão disponíveis a R$15 na porta do estabelecimento. Confirme presença no evento.
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