[Premiere] BÉLICO coloca o dedo na ferida e critica o racismo velado em “#BANDIDO”

 [Premiere] BÉLICO coloca o dedo na ferida e critica o racismo velado em “#BANDIDO”

Discos são feitos de verdades. Coisas que estão ali, muitas vezes vem de nossa construção social, modo de ver o mundo, transformações e da maneira que encontramos para resistir a toda dor que sentimos.

Esse processo, quando se entrega de corpo e alma, não somente dói, como corrói. Num mundo efêmero as vezes é difícil ter forças para colocar sob o olhar dos holofotes nossas próprias verdades, convicções e emoções. Já que somos podados o tempo inteiro. Subtraídos, destilados e muitas vezes “atuamos” para nos “encaixar” em um projeto que nunca foi perto de nossa essência.


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O Músico Diogo Henrix, O PALA, lança hoje com PREMIERE no Hits Perdidos seu primeiro disco. – Foto Por: Zadô Luz

E verdade é o que não falta no projeto de Diogo Henrix (O PALA) é compositor, arranjador e produtor musical. Natural de Ipatinga, ele reside atualmente em Belo Horizonte.

Atualmente, aos 28 anos, integra as bandas Absinto Muito, Dedé Santaklaus, Swing Safado, e atua no cenário musical eletrônico com seu alterego O PALA, sendo residente da festa Mientras Dura.

Ele que apresenta hoje seu primeiro trabalho solo, projeto que carrega o potente nome, BÉLICO. Este que já vem trabalhando desde 2011 e agora tem em #Bandido como seu primeiro ato de resistência.

São praticamente 8 anos de esforço e de muitas transformações, como entrada e saída de integrantes e muita dedicação. O registro que está sendo lançado pelo selo Fiasco Records, foi gravado e mixado em seu próprio homestudio, Caramelo 47, em Belo Horizonte (MG). Já a masterização foi feita no Estúdio Minotauro e a gravação de vozes por André Xina.

As influências citadas pelo músico saem do comum do que estamos acostumados – e talvez a graça seja justamente essa. Ele viaja pelas ondas eletrônicas do moombahton, zouk, kuduro e adiciona elementos dos ritmos africanos. Ele sugere que o cenário de suas composições seria algo como: uma paisagem de natureza computadorizada.

Nada mais 2018 e de libertação do que lidar com esse conflito existencial de onde começa seu corpo e onde termina os tentáculos dos aparelhos e dispositivos que tanto competem com a nossa atenção durante o dia-a-dia.

Mas ele vai mais fundo e se entrega de corpo e alma com suas verdades. Coloca não só um pouco mas como mergulha para transgredir. Faz disso seu hino e razão por fazer sua arte.

“Trata da minha luta interna e externa frente as rachaduras sociais que por quase nada me coloca como diferente, e me trata assim, por ser negro, por ser queer, por não ter um emprego com carteira assinada e viver uma vida fardada.

Canto sobre viver a margem, sobre me sentir um bandido no sentido de rebolar da minha maneira para sobreviver a tudo que se impõe, e eu anulo. E faço isso pela luta de ser o que eu sou, sem amarras, sem maniqueísmo.

É um novo grito de “seja marginal, seja herói”. E quem disse que bandido não tem glamour! (risos). Isso se revela desde a capa, que foi criada no conceito “white face”, no sentido de que reparo que muitas vezes as pessoas enxergam o negro mas nas suas mentes manipuladas ela tá pensando como se fosse branco.

Como no caso da Beyoncé por exemplo, precisou dela fazer uma música sobre si, seu empoderamento e sua luta para seus fãs notarem que ela é negra. Ou em outros casos em que uma pessoa negra pensa que é branca, mas não por culpa sua, mas porque desde muito tempo é colocado que ser negro é ruim, então essa rejeição da raça impregna nas gerações e ganha trejeitos brancos, cabelos com chapinha porque desde cedo ouviu sobre negro ter “cabelo ruim”. E isso vira uma bola de neve reversa pois uma situação leva a outra. Por isso fiz esse deboche na capa.” – Comenta Diogo abrindo seu coração

BÉLICO “#Bandido” (14/05/2018)

É incrível isso, depois de ler esse testemunho do Diogo com tantas verdades duras, sim, mas que são necessárias de ser expressas, eu só consigo pensar em trechos de “Fogo” da Bratislava.

Principalmente neste trecho escrito pelo Victor Meira: “Ahhh, eu tô falando com o fogo / Essas palavras têm poder / Falo por mim / Mas represento um contigente / Por mais que eu duvide do meu eco / Carrego comigo toda essa gente / Eu fico pensando / Eu posso falar o que eu penso? / Ou é a vez de jogar o lenço? / E assistir outra luta”

Por mais que os contextos e poesias sejam diferentes, a resistência e falar por um contingente são elementos que criam conexões – e que bom poder ver composições e essências tão fortes na hora de abrir seu coração para expor dilemas muito maiores do que nós mesmos. Representam massas.

A mágica da música está nisso: conseguir estabelecer diálogos com muito mais gente que agarra aquele discurso e usa como força para seguir sua caminhada. É a força das ruas, a força do sofrimento, a vontade de transformar o mundo em tempo sombrios.


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Diogo Henrix integra as bandas Absinto Muito, Dedé Santaklaus, Swing Safado, e atua no cenário musical eletrônico com seu alterego O PALA, sendo residente da festa Mientras Dura. – Foto Por: Zadô Luz

“O disco também é cheio de deboches, por exemplo em “AUTOTUNE TRAPSTAR” quando eu canto “esconde sua bolsa porque o nêgo aqui tá fulo contigo”, eu pego esse clichê de que todo negro é ladrão, pois já aconteceu comigo várias vezes de pessoas olharem pra mim e apertarem a bolsa contra o peito num gesto de medo, e faço dele um deboche e uma ameaça, que tenham medo mesmo porque dá treta mexer com gente preta. Enfim, sem mais delongas, “#BANDIDO” é o meu deboche abismal à caricatura que a sociedade faz do negro.” – continua o músico mineiro

Semana passada foi lançado o clipe de Childish Gambino e toda essa visão sobre o negro, sobre a desvalorização e idiotização da vida humana estão lá expostos. Para quem ver e para quem não quer ver. E por mais que muitos possam ver como “simples entretenimento”, ali tem uma realidade que muitos tapam os olhos. Se vão captar a mensagem da maneira adequada, daí só o tempo dirá, mas todo barulho é necessário para chamar a atenção para um problema social tão urgente. No sábado (12), Rincon Sapiência também apontou o mesmo tema em “Crime Bárbaro“.

Donald,  Diogo e Rincon não escreveram ou viveram as mazelas na semana passada e sim durante uma vida toda.



O músico ainda conta um pouco sobre o processo de composição da obra:

“Grande parte das canções sofreram mutações com o tempo devido a mudança de formação do que antes era uma banda, até chegar nessa roupagem eletrônica que dá a cara definitiva ara as canções.

A maioria delas nasceram no violão e teve sua desconstrução na busca de um lugar em que esse instrumento não existisse. Duas delas (“TAURINO” e “AUTOTUNE TRAPSTAR”) já nasceram nesse ambiente eletrônico, por serem músicas mais recém compostas, e ironicamente e são canções internas e externas, pois na primeira exponho meu eu; e na segunda me empodero sobre este eu frente aos estilhaços dessa bomba chamada sociedade.”

Depois de ouvir todo esse discurso, fica até difícil não tentarmos prestar a atenção nos mínimos detalhes desta obra com tanta força e com vitalidade para quebrar tantos paradigmas.


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Analisar esse disco requer um tremendo respeito por tudo isso. Requer dar lugar a fala e não querer carregar bandeiras e discursos alheios. Tendo isso em mente me demandou uma imersão ainda mais respeitosa a sua realidade.

Como O Pala conta, “MÚ”, faixa que abre o álbum é inspirada num poema de um amigo poeta, ipatinguense, Tiago Silva Barreto. Os batuques africanos abraçam o trap na canção e criam um clima intimista, “Depois do Susto / Sorrir e Cair”, é realmente um trecho que ecoa na sua cabeça.

O trecho que cita o “para peito” soa como o medo constante que temos de desabar, se perder, lidar com a adrenalina e o jogo de cintura que temos que criar para sobreviver. A parte com guitarras me lembra até um pouco um pouco de The XX.

Se citei Bratislava antes, desta vez “Maçã” me lembra um pouco os beats e potência de discurso da outra banda do Victor, Godasadog e até mesmo Não Não-Eu. Fala sobre a angustia das pequenas frustrações da vida, dos momentos que poderiam ser mais alegres – mas que ficam soterrados entre sonhos e quereres. Ele expõe as inseguranças e se despe. Vale lembrar que a música original é de Dedé Santaklaus – e foi gravada uma versão para o disco.

Em alguns discos a faixa título as vezes não é a que traz peso ideológico, mas neste caso, sim. Como ele mesmo diz, “debocha à caricatura que a sociedade faz do negro”. Expõe, adjetiva, provoca, usa ironias, critica de maneira inteligente. Até por isso a faixa tem seu lado mais de discurso e outro que traz elementos pesados que flertam com o post-punk e o industrial.

O discurso é potente ao mesmo tempo que seu peso também mostra todo o punch. Se Childish Gambino utiliza da dança como “entretenimento” enquanto a tragédia acontece, ele usa dela para escancarar os problemas.

“Pêia” te leva diretamente para a tal da “natureza tecnológica” desde seus primeiros beats e elementos que me remetem ao Arquivo X. Por isso você fica eletrizado querendo não titubear e perder nenhum detalhe. É a tentativa de contato, querer abstrair, fugir, se libertar das correntes que nos prendem a esse mundo por diversas vezes sufocante.

O músico nos conta que em “Taurino”, ele expõe o seu eu. Isso nos ajuda a tentar entender mais sobre sua personalidade. Usa as qualidades de seu signo para explanar seu jeito de ser. Se usa esse termo astrológico para debochar ou por curtir a temática, daí só conhecendo ele.

Porém ele brinca em versos como “Vênus em Touro /  Libra ascendente e flerte no vício  / não tenho ciúme / mas tenho uma arma / teimosia em estado de graça. Fala sobre seu lado romântico, bandido, visceral e da relação com os amigos.

Uma reflexão bacana seria tentar ver por outro lado a canção, se tudo que ele diz, é o que é esperado dele, por seu mapa astral, identidade, escolhas, preferências ou se ele prefere não ser visto por análises e sim querer escrever sua própria história – e destruir qualquer fardo ou amarras. A arte sempre deixa diversas maneiras de interpretar e o que vale sempre é “como bate em você”.

A sexta faixa, “Fanqui”, foi adaptada de um poema da cantora Nívea Paula como próprio Diogo nos conta. Ele traz um pouco de kuduro, funk, beats rápidos e swing em sua adaptação.

É profunda, fala sobre sufocar nossos sonhos e deixar tudo para depois. Colocar outras coisas na frente e ver o tempo passar. Pela facilidade de seguir em inércia. A apatia indo em contradição com o ritmo desenfreado do dia-a-dia. Detalhe para o verso “Bem Fantasma e Gótica”, que fecha a faixa com tons de desilusão.

O Pala nos coloca a refletir em “AUTOTUNE TOPSTAR”, esta que conta com a participação de Zadô Luz & Dedé Santaklaus. Uma das mais fortes do disco. Ele escancara sua indignação contra o racismo velado da sociedade em trechos como: “esconde sua bolsa porque o nêgo aqui tá fulo contigo”.

Colocando o dedo na ferida de que o negro por ser negro e estar passando do teu lado na rua “automaticamente quer te roubar”. Ele foi muito sagaz em escancarar isso, quando muitos apenas aceitam e deixam o jogo (da vida) seguir. Querendo ou não, o racismo velado é perverso e existe no Brasil.

Fala sobre apropriação cultural, preconceito, punição, marginalização, perseguição, ironiza “desconstruídos” e faz versos livres. Em seu trecho final Zadô Luz relembra também a luta e cruel morte de Marielle Franco. Gosto muito de sua participação e de como ela agrega mostrando o ponto de vista feminino sobre o tema.

Até mesmo ter utilizado do recurso do autotune, e trap, soa como ironia a alguns grupos de rap atual que estão mais preocupados em vender, e polir o som, do que passar uma mensagem de resistência.

“Seu Merda” escancara linhas de conduta opressoras mas que de tão repetidas, são normatizadas. O preconceito travestido de boas maneiras. Preconceitos de todos os tipos. São várias passagens que acabaram se tornando versos. Com mais batuques, samples e interferências que nos lembram como o Brasil mesmo sendo um caldeirão de misturas, ainda guarda resquícios de tempos sombrios.

Depois de tanto peso, ele deixa espaço para colocar a mão na consciência em “Memento”. A morte é retratada de maneira muito delicada através de metáforas, que por aqui deram a entender sobre o fato de morrer um pouco a cada dia, mas não a morte física, e sim, a de enxergar um futuro melhor, mais respeitoso, justo e decente.

Os sons dos beats em seu fim soam como disparos de uma perseguição policial, e o toque polifônico nos dá a certeza de quem o fim se consumou – e de que mais uma mãe chorou em cima de um caixão.

O que seriamente me faz gostar deste disco é justamente poder sentir o peso em que o artista tirou das costas através de seus versos. Ele se dedicou a contar sua história, não teve medo do que iriam achar, e isso só faz com que meu respeito se multiplique.

Com certeza não captei tudo o que ele disse em suas entrelinhas, e tudo bem, acho que muitas vezes não é acertar o que importa e sim tentar sentir a intensidade de tudo aquilo. Algo que senti em discos como A Mulher do Fim do Mundo da Elza Soares e em O Peso das Coisas do Theuzitz.


Bélico


#Bandido primeiro disco do BÉLICO, projeto de Diogo Henrix, merece sua atenção tanto pelo timing, como por sua mensagem que sempre esteve ali, é verdade, mas que precisa ser ecoada, repetida, até que seja assimilada.

Em tempos de conservadorismo crescente, a opressão cresce, e não devemos ficar quietos. Ele escancara problemas sociais, mostra sua visão sem se esconder, é corajoso e não faz isso para agradar ninguém. Até debocha deste formato “embalado” da indústria fonográfica. Se liberta, põe o dedo na ferida e vai para cima. É seu grande trunfo.

Além disso, ele traz elementos e muita experimentação eletrônica, viaja por estilos como moombahton, zouk, kuduro, ritmos africanos e tem como paisagem a natureza computadorizada. Muito pop para ser alternativo ao mesmo tempo que é muito alternativo para ser pop, um dilema por sua vez interessante.

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