Com belas melodias e uma orquestra acompanhando, Tim Bernardes abre o coração em “Recomeçar”
Desde que se soube que o músico e compositor Tim Bernardes estava compondo um álbum solo, muito se falou. Teve até quem disse que ele iria largar O Terno, banda que mantém ao lado de Guilherme d’Almeida e Biel Basile desde 2012. Curiosamente estive no dia 30/08 nos estúdios da Play Tv ao lado do Biel para a live do Udigrudi.
A brincadeira que fizeram é de que se tivesse sido ontem (29/08), dava para brincar no ar sobre a saída do músico. Porém fiquem tranquilos, O Terno tem ido de bem a melhor sempre com clipes geniais e discos que tem em sua marca sempre surpreender o ouvinte.
O mais recente Melhor Do Que Parece foi lançado no ano passado através do selo Risco. O disco conta com hits que ganharam clipe como “Culpa”, o genial vídeo de “Não Espero Mais” e uma session de “Volta”.
Não é a toa que o vídeo já bateu a marca dos 500 mil views e que a banda esta sendo escalada para os principais festivais do país. Nos próximos dias por exemplo a banda se apresenta no já tradicional Festival Febre de Sorocaba.
Mas estamos aqui para falar sobre o primeiro álbum solo de Tim Bernardes. Prodígio, me lembro muito bem quando vi pela primeira vez o clipe de “66” e um moço jovem mas cheio de atitude querendo mostrar seu trabalho. Para muitos ele foi apresentado como o filho da lenda da música brasileira, Maurício Pereira.
Gostaria de dizer que a cada dia que passa ele vem cravando seu nome. Muito pelas composições, melodias pops e arranjos cativantes. Mas claro que o som de’O Terno com o passar do tempo foi ganhando uma fórmula estética, isso é natural de toda banda com uma certa quilometragem, a identidade.
Isso é ótimo por muitos fatores e não tanto para outros. O artista precisa de liberdade para criar e no meio do processo criativo claro que muitas canções não iam se encaixar no som do trio. O repertório de Tim vai muito além do universo da banda.
Chegou ao ponto de ele ter um punhado de composições e decidir ir para seu voo solo. Foram três meses ininterruptos no estúdio Canoa que fizeram com que seu primeiro disco ganhasse a luz do dia.
A produção e mixagem do projeto é assinada pelo próprio Tim. O disco foi gravado por Gui Jesus Toledo (Estúdio Canoa) e masterizado por Fernando Sanches (Estúdio El Rocha).
Entre os músicos convidados para tocar os arranjos sinfônicos estão: Felipe Pacheco Ventura (Baleia), nas cordas; Marina Mello, na harpa; Maria Beraldo Bastos (Quartabê), nos clarinetes e clarones; Filipe Nader (Grand Bazaar), nos saxofones e tuba; Douglas Antunes (Bixiga 70), nos trombones; Niels Van Heertum, no eufônio; e Arthur Decloedt (Música de Selvagem), no contrabaixo acústico.
Antes do lançamento do disco como já comentado, no dia 29/08, foi lançado o simples mas direto clipe do single “Tanto Faz”. Este que mostra Tim num cenário escuro, com um projetor reproduzindo imagens sobre ele. Se a intenção era mostrar o poder da transição, pois bem, ele conseguiu mostrar sua nova proposta logo de cara.
Quem estava esperando algo debochado, engraçado e personagem de’O Terno já entendeu que a atmosfera do disco seria sim mais introspectiva, sensível e com enfoque na musicalidade e no poder das composições. O mais interessante ao ouvir o disco é a experiência que este propõe desde seu início. A imersão nas curvas sonoras proporcionadas pelos instrumentos e participações. Tudo encaixa feito uma sinfonia.
Tim Bernardes – Recomeçar (26/09/2017)
O disco de certa forma é feito uma peça de teatro, tem o seu lado dramático em suas dores, tem sua paixão, melancolia, densidade e desequilíbrio. Versa sobre o amor, sobre suas inquietudes e sua vontade de se transformar.
Tem pontos altos e pontos baixos. Normal, é humano é errante. Não parece ser uma preocupação em si isso, e sim se despir de qualquer outro personagem para se encontrar.
A primeira canção do disco já deixa bem claro a áurea mágica com uma sinfonia orquestrada que é “Abertura (Recomeçar)”. Lembra até as harmonias de grupos como Grand Bazaar, que inclusive no disco Filipe Nader participa nos saxofones e tuba. Parece uma canção digna de caixinha de música.
Em seguida chega “Talvez” uma canção que encaixa bem na sequência, feito uma sinfonia só. Já começa refletindo sobre os mundos paralelos de nossa mente, sobre nossas escolhas, pensamentos, devaneios e indecisões. Eu acredito que fãs de Arcade Fire definitivamente vão abraçar esse som pelos seus bonitos arranjos e construção.
“Quis Mudar” já resgata seu lado mais folk alá Bob Dylan. É sobre a força das nossas escolhas, não se arrepender do que fez e seguir em frente. A narrativa se constrói para ser derrubada feito um castelo de cartas na faixa final, “Recomeçar”. Uma dica depois de ouvir esse disco é sair correndo para ouvir os disco do Leonard Cohen para compreender a potência dessa canção.
A quarta faixa é justamente o single, “Tanto Faz”, este que dialoga sobre os amores e sua densidade. É confusa, é vibrante, tem suas subidas e quedas. A magia esta em conseguir mostrar esse lado “errático” de uma paixão e como nossa mente funciona. Com voz e violão ele consegue contar toda essa história e interpretá-la. Daquelas que está pronta para alguma trilha sonora de um filme. Dá para entender o porquê da aposta como single de trabalho.
O drama evoca mesmo é em “Ela Não Vai Mais Voltar”. É com dor que ele canta e afoga as mágoas na canção. Seu tom é um tanto quanto fúnebre. Na sequência temos “Pouco a Pouco”, esta que abraça as negações, o delírio e nossas contradições.
O desespero se mostra nas acelerações e desacelerações da canção, é como se fosse aquela cena de uma peça de teatro onde tudo se transforma. O pico de euforia depois da ruína. O arranjo de piano em seu minuto final tem o poder de partir o coração em dois, seu fim parece até o acordar de um sonho.
“Não” chega de mansinho para conversar ao pé do ouvido sobre inseguranças e incertezas. O desespero que consome a cada hesitação. O desconforto da dor e o corrosivo rancor da alma. Tudo isso com arranjos delicados e o tom de despedida de um grande amor que partiu.
A oitava canção é “Era o Fim”. Essa que abraça o fim de uma forma cruel. Fãs de Beatles e Simon & Garfunkel vão se deliciar com os contornos mágicos que a melodia nos traz. A difícil condição de superar o fim e seu sangue derramado fazem com que a narrativa seja confusa entre altos e baixos. Talvez até aqui a canção mais trabalhada em seus arranjos. Com certeza um dos grandes destaque da obra.
Chegamos a “Ela”, esta que fala sobre as máscaras sociais que colocamos para não mostrar nossa dor. O sorriso amarelo de cada dia em que a dor mora lá mas não pode sair. Essa canção ao meu ver flerta com o country e o folk.
“Incalculável” é carregada pela harpa e mostra densidade em sua estrutura e composição. É aquela canção para viajar no mundo dos sonhos, nos sentimentos mais profundos. É sobre as dúvidas e questionamentos que deixamos de fazer na hora certa. Dói, corrói, arde e destrói.
Chegamos a “Calma” esta que tenta recuperar o diálogo com a amada que já não está por perto. De certa forma essa composição fala mais sobre não esquecer sobre as coisas boas que o casal passou junto, por mais que agora a distância é inevitável. Onde existiu amor de certa forma não precisa se transformar em indiferença. Mas claro, existem términos e términos.
“As Histórias do Cinema” se aproxima do fim do disco e sabe “brincar” com tal situação. Narra o fim do filme e a arte do começo – e do recomeço – que a vida felizmente nos permite. Em seu ponto de transição Tim declama: “É que as histórias do cinema é que não podem ser reais”, o estopim para sua orquestra o acompanhar de maneira muito bela.
Assim chegamos à deriva, a despedida. E toda despedida é um novo começo. Por isso a última faixa chama “Recomeçar”. A luz no fim do túnel e a libertação de um amor que já não existe mais. Até existe, mas nas boas memórias de um dia que já passou.
“Recomeçar” é sobre esse “levantar de cabeça” para enxergar novas possibilidades e se entorpecer por outros amores. Como acontece na vida de todo ser humano. Somos feitos dessas cicatrizes, aprendizados e na força de viver intensamente nossos delírios, paixões e recomeços.
O primeiro disco de Tim Bernades, também vocalista de O’Terno, “Recomeçar” trata de mostrar nossas confusões, desequilíbrios, devaneios, amores, inseguranças e transformações como ser humano. Tudo isso acompanhando de músicos que conseguiram encaixar suas composições e devaneios em uma bela orquestra dos sentimentos. O disco é rico e por muitas vezes soa como “música de caixinha de brinquedo”. Só que ao invés de uma ópera apaixonada, Tim faz hinos para corações partidos. Afinal de contas, após a dor de um triste fim, temos que dar chance para novos amores.