Muitos de nós nascemos em uma cidade e os casos e acasos da vida nos levam para bem longe do conforto de nosso lar. Seja por oportunidades de emprego, ficar mais próximo de entes queridos a até se perder para se encontrar. O desejo por trilhar novos caminhos muitas vezes se choca com o medo de enfrentar novos desafios. É a tônica do que é ser de carne e osso.

Afinal de contas tudo é muito novo: cultura, jeito de agir, hábitos, sotaques, ideologias, riscos, dificuldades de adaptação, inseguranças…. mas principalmente o sentimento tão profundo de Saudade. Ele que é inerente a todo ser humano que por onde quer que passe deixa marcas. Algumas mais profundas do que outras, isso é bem verdade, mas que não consegue tirar todas aquelas correntes imaginárias de seus pés.

Isso não é algo necessariamente ruim. O sentimento de nostalgia em doses periódicas faz até que bem. Até por isso ainda nos reunimos como nossos velhos amigos após anos “sem trocar figurinhas” e nos sentimos renovados.

Essa provação pessoal em viver em um lugar distante também nos leva a tentar criar raízes. Isso leva um tempo, tempo para que chamemos aquele novo lugar de lar. E isso depende muito de como somos recebidos e de toda nossa inquietude em desbravar o novo.


NVS é o projeto solo de Gabriel Novais (Emerald Hill / Fiasco Records). – Foto: Beatrix Cardoso

Se a questão se baseia em sair do conforto e “sair do conforto” também pode virar arte, o lançamento que iremos falar hoje tem tudo a ver com isto. Gabriel Novais é cearense mas há cerca de 2 anos reside na capital paraibana, João Pessoa.

Ao lado de Vitor Figueiredo e Luiz Lopes ele faz parte da Emerald Hill. Uma das bandas que no começo do ano até apontei como uma das promessas para 2017. O som tem como influências Shoegaze, Post-Punk, Rock Alternativo e Emo. Tendo inclusive no fim do ano passado lançado o single Presciência (Ouça no Spotify).

Gabriel também tem como projeto a Fiasco Records que em sua própria descrição diz algo como:

“É um selo musical? Uma produtora? Um home studio?

É tudo isso. Mas a Fiasco é, principalmente, a demonstração de que, pra fazer arte, não precisa de muita grana. É a oportunidade que a galera da música independente de João Pessoa tava esperando. É o que a galera que curte um show irado tava precisando pra agitar a cena da cidade.”

Esse desejo de fazer acontecer e explorar diversos formatos que talvez tenha feito ele se interessar por um projeto tão distinto e autobiográfico como é o NVS. Nele ele se despe das máscaras sociais e discorre sobre seus medos, suas passagens, transformações, conflitos desse vai e vem e abre o diálogo. Sai da zona de conforto de falar de temas mais subjetivos e abre o coração para falar sobre saudade. Ouvindo eu posso dizer que senti influências de artistas como Postal Service, New Order, Massive Attack, Portishead, Tricky e How to Destroy Angels.

Aquela imersão entre anos 80 e começo dos 90 dá a tônica do projeto. Tem até som que me lembrou as trilhas dos jogos de super nintendo (o famoso nintendinho). Com experimentações no synth pop e programação ele fala sobre os dilemas desse fluxo migratório sob uma perspectiva bastante pessoal. O EP, Casa, está saindo hoje pelos selos independentes Fiasco Records (PB), Salitre Records (MG) e Banana Records (CE).

NVSCasa (14/08/2017)


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O EP não poderia começar em outro lugar que não fosse Fortaleza. Tanto no sentido concreto quanto por carregar todo sentimento agregado a sua cidade natal. “Fortaleza Nova” abre o trabalho e seu coração. Mais do que isso é um cartão de visitas a imersão eletrônica que este projeto propõe desde seus primeiros beats.

Com levada synthpop / chillwave seu lado sentimental e nostálgico está presente nos versos em que ele fala sobre sua “casa”. Com muita distorção, samples, e levada quase disco ele abre alas para a experimentação. Fala sobre suas idas e vindas, a insegurança constante e a maneira que isto de certa forma o machuca.

O trip hop come solto desde sua introdução em “Superar”, lembrando a levada sagaz de Tricky. Ele brinca com acelerar e frear samples, algo característico do hip hop. O gozado e interessante é conseguir sentir um pouco de Pato Fu nos vocais de Gabriel. Aquelas experimentações malucas que o grupo mineiro usou e abusou em seus primeiros dias. Por muitas vezes ele usa o artifício de soar extremamente robótico e “com defeito” para descrever seus vazios, traumas e medos.

“Nada” entra de cabeça no new wave dos anos 80, ao menos para mim me joga nas rodas de dança de grupos como New Order, Talking Heads, Kraftwerk e Eurythmics. É sombria, dançante e macabra feito um pesadelo em que ele não consegue sair. É sobre a fossa, tentar sair do buraco e não ver a luz no fim do túnel. Inclusive sua agonia e gritos são sampleados, o que faz com que a angústia se amplifique.


Através de beats e samples Gabriel Novais fala sobre um tema tão universal, a saudade. – Foto: Beatrix Cardoso

A sequência entre “Nada” e “Destino” é até que lógica dentro do EP. Elas se conectam logo em sua introdução. É como se ele estivesse preso na agonia da canção anterior mas cada vez mais acelerado e perdido. Poderia até fazer parte de um filme Sci-Fi.

A autodestruição ecoa no ápice da canção que choca – e agride – através de seu “esporro” áspero e corrosivo em seu fim. O discurso niihilista rebate a teoria comum do que seria acreditar em um “destino”.

Ele condena quem faz a justiça com as próprias mãos, algo que convenhamos é cada vez mais comum neste momento de raiva contra minorias que o mundo está vivendo. Seja em Charlottesville, João Pessoa ou no Rio de Janeiro. O ódio e intolerância a cada dia ganha mais terreno; e a guerra é a campo aberto.

A quinta faixa é “Casa” e talvez uma das que vai ficar mais na cabeça do ouvinte. Ela me lembra um pouco as trilhas de videogame dos jogos 16-bits. Geração Mega Drive / Super Nintendo. O escapismo e a confusão mental é a tônica da canção que mostra claramente que ele pede ajuda para sanar toda essa saudade e expectativa sobre o futuro que tem.

O EP se encerra de uma maneira um tanto xoxoto, artista que fizemos Premiere a não tanto tempo atrás. Claro que a Saudade que explode no peito de Gabriel desde seu primeiro beat do EP ia equalizar na canção que fecha, “As Saudades que João Pessoa Causa”. Os beats gamers inclusive me lembram também as inspirações dos paulistas do Moblins e acredito que vá agradá-los ouvir o trabalho de NVS.

Para construir esta narrativa ele buscou samplear trechos de ligações telefônicas de diferentes pessoas. Estes que mostram as dificuldades, medos e saudade de sua cidade natal. Por mais que o tempo passe, talvez ele ainda esteja longe de chamar o local de seu lar. É como se sua mente estivesse em João Pessoa mas seu coração ainda morasse em Fortaleza.



Saudade, medo, presságio, mágoa, conflito, distorção e viagem sonora. É o que podemos esperar de “Casa”, primeiro EP do músico cearense radicado em João Pessoa (PB), Gabriel Novais. O projeto que atende pelas iniciais de seu sobrenome, NVS, abre o coração através de beats e samples para falar sobre seus conflitos mais pessoais. Como por exemplo sua adaptação a uma nova capital após ter crescido em Fortaleza. A saudade de tudo que deixou para trás está estampada de diferentes formas assim como suas crenças pessoais, seus anseios, medos e obstáculos que ainda está tentando ultrapassar.

Ele destila e se diverte misturando trip-hop/hip-hop/chillwave/new wave e efeitos robóticos que poderiam se adequar a fases do Sonic (aquele mesmo do Mega Drive) para tratar de temas sérios. Amadurecer e seguir em frente é um enfrentamento, e ele discorre sobre essas e outras epifanias ao longo de seus 18 minutos.

This post was published on 14 de agosto de 2017 9:24 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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