Atitude e conexão com o púbico marcam os shows das bandas Ventre e Carne Doce no Sesc Pompeia

Na noite de ontem foi a vez de ir ao Sesc Pompeia para assistir ao Prata da Casa. O evento reuniu duas bandas que tem se destacado no cenário independente com elogiados discos pela imprensa especializada.
O Carne Doce de Goiás chamou a atenção no ano passado após o lançamento do disco Princesa. Este que causou bastante estranheza e curiosidade por parte da imprensa e do público em geral.
Já a Ventre do Rio de Janeiro lançou em 2015 o elogiadíssimo autointitulado disco de estreia. No ano passado entrou para o casting do selo Balaclava Records e divulgou seu álbum ao vivo no Méier. Um registro que com certeza me cativou para que não perdesse esta volta deles ao palco do Sesc Pompeia.
Antes do show pude conversar com o Felipe Maddu (Guitar Talks) e Alexandre Giglio (Minuto Indie) sobre as impressões que tinham sobre o trabalho das bandas e a expectativa para o show que estavam prestes a ver. A curiosidade falava mais alto, afinal de contas os discos conseguem agradar diferentes tipos de público.
Algo que me chamou a atenção logo que os primeiros começaram a se amontoar nos arredores da comedoria do Sesc foi a faixa etária dos presentes. Tirando figuras ilustres da cena cultural paulistana, a maior parte do público era formado por jovens.

Carne Doce estava feliz durante o show e declarou o amor por São Paulo por diversas vezes.

Particularmente eu prefiro antes de ter uma opinião formada sobre o trabalho da banda além de avaliar o disco e ver pontos altos e baixos, assistir a um show. É extremamente necessário o exercício, afinal de contas existem bandas que se agigantam em cima do palco e outras que se tornam minúsculas.
Conhecer o seu público também é um fator fundamental para que a apresentação seja concisa. Mas nada como estrada, erros e acertos para justificar o hype ou não em cima de um ou outro artista.
Acredito que ambas as bandas tem domínio sobre seu público, para começo de conversa isso já é meio caminho andado para o andamento dos shows. Marcado para às 21 horas, Salma Jô, Macloys, João Victor, Ricardo Machado, Aderson Maia subiram ao palco da comedoria do Sesc após a PREMIERE do novo vídeo de “Falo” no telão.
Foram prontamente saudados pelo público presente aos berros. Talvez a identificação de seu público cativo seja a maior arma do grupo. A carismática Salma Jô tratou de retribuir o carinho declarando seu amor por tocar na terra da garoa. Entre uma dança e outra ela soa como uma bailarina ao movimentar os braços “sentindo a música”.
Algo a se destacar foi a iluminação da casa que contribuiu para a viagem hipnótica do som do grupo. Em muitas das canções do Carne Doce como “Princesa”, “Eu Te Odeio” e “Artemísia” foi possível ver os versos sendo cantarolados pelo público presente.
Um destaque foi para o baterista que em certas horas improvisa na percussão usando o som das baquetas e das ferragens da bateria. Assim conseguindo usufruir de mais recursos que o instrumento permite. Isso cadencia as baladas açucaradas do grupo.
Mas também temos que ponderar algumas coisas, o ritmo do show foi caindo a cerca de 15 minutos para o fim do show. O ritmo vibrante do começo já não era o mesmo, o que de certa forma deixou o fim um tanto quanto cansativo. Acredito que 40 minutos teria sido o suficiente e não a 1 hora cheia.
O final teve um acerto entretanto, afinal de contas escolheram o hit “Eu Te Odeio” que teve um belo clipe lançado em janeiro como uma das últimas canções. Sendo aplaudido por boa parte dos presentes a banda se despediu com sensação de dever cumprido.
Carne Doce faz um show calmo, intimista e de certa forma romântico. Durante “Eu Te Odeio” por exemplo Salma observou um casal aos beijos e tratou de fazer um coração com as mãos e saudar a dupla. A última canção soou mais como uma jam psicodélica um tanto quanto dançante atrelando peso com riffs cheios de groovie.
Após o primeiro show – já se passavam das 10:20h – uma parte do público deixou as dependências da comedoria do Sesc Pompeia. Uma pena pois perderam o arsenal de rock’n’roll que a Ventre estava por apresentar.
Ventre dominou o palco do Sesc Pompeia com muita atitude e maestria.

Chegava a hora dos cariocas da Ventre subirem ao palco do Sesc. A atitude já se demonstrou nos primeiros segundos, primeiro entraram o baixista Hugo Noguchi e a baterista Larissa Conforto.
Eles já chegaram com um discurso politizado manifestado através de Hugo que cravou uma “luta contra todo tipo de ódio”, usou o exemplo da política de Trump. Algo que Larissa tratou de ressaltar e adicionar dizeres a favor da legalização do aborto pela saúde da mulher, mais respeito e uma sequência de FORA (S). Fora Temer, Fora Cabral, Fora Dória, Fora Pezão, Fora PSDB e Fora PMDB.
Após isto entra o guitarrista Gabriel Ventura e o show se inicia cheio de energia com guitarradas que flertam com o blues e o rock alternativo aliados a bateria punk e as linhas de baixo “pegadas”. É uma banda de rock’n’roll completa.
O ritmo alucinante não permite com que o expectador pare de olhar para o palco nem por um segundo. Seja entre a conexão vocálica de Gabriel e Larissa a interação entre o trio. Isso se soa evidente em muitas partes do show, a felicidade que eles tem de estar vivendo este momento único juntos.
A vitalidade com que Larissa toca bateria impressiona.

Não foi necessária nem uma canção ser finalizada para ver os primeiros começarem a pular. A Ventre por sua vez usava este artifício a seu favor interagindo com o público sempre que podia de uma forma ou outra.
“Pernas”, “Carnaval, “Bailarina” e “Quente” foram claramente os momentos mais acalourados de troca entre banda e público. “Pernas” por exemplo por muitas vezes foi cantada junto com os presentes, acredito que o DVD tenha ajudado com que essa conexão fizesse parte do show, algo a se observar.
Particularmente “Carnaval” acredito que tenha sido um dos ápices do show pela energia e doação deles, que colocaram fogo no palco com sua alegria em estar tocando. A liga que se deu conseguiu fazer com que o show crescesse em muitos pontos.
Antes de executar “Mulher”, Larissa deixou as baquetas de lado e empunhou dois cartazes. Um com os dizeres “Estupro é crime e não cultura” e outro com “Chega de Feminicídio Juntxs somos mais fortes”.
Larissa com cartaz protestando contra o feminicídio e com a camiseta GRL PWR.

O show é conciso, o público responde a altura. Os riffs de guitarra variam entre solos mais bluseiros e canções mais intimistas. Talvez a graça esteja mesmo em cada detalhe, em cada tema abordado e na forma de se expressar. Tudo feito de maneira alinhada e que converge em um show explosivo e cheio de atitude. A Ventre agradece aos presentes que ficaram para assistí-los até às 11 horas da noite de uma terça-feira e se despede.
Acredito que nos mais de 350 shows que tive a oportunidade de assistir, em pouquíssimas pude ver um trio que olhava olho no olho do outro com tanta verdade e animação. Sei que isso varia das personalidades e estilos, porém é algo sim a se ressaltar visto que isso equaliza para o público que busca muitas vezes motivos para ver um futuro melhor.
Se fazer respirar, viver e fazer música é um ato político acredito que eles conseguem traduzir isto da melhor forma possível. Há muitas lutas e bandeiras para se erguer. Muitas batalhas para enfrentar e um momento extremamente conturbado politico e socialmente para se preocupar.
É excelente observar em muitas bandas como isso tem ganho relevância nos últimos tempos. Pude conferir recentemente o show do Miêta (BH) e do Gomalakka (SP) no Breve, ambas bandas não ousaram deixar de opinar sobre suas convicções e insatisfações com o modelo político, machismo e preconceito. Sinceramente acho ótimo que isso seja repassado em frente. E que isso se reflita no público não apenas como um discurso mas como uma atitude permanente.
Confira dois vídeos das apresentações:



This post was published on 15 de fevereiro de 2017 2:18 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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