Alguns discos vem para “desgraçar a cabeça” de quem não esta esperando pelo soco cruzado. Te deixam zonzo, incrédulo, elétrico, confuso e querendo mais. Posso falar por experiência pessoal que qualquer disco do Velvet Underground (principalmente o “da banana”, o White Light White Heat e o Loaded), do David Bowie, do Tom Waits, dos Stooges e dos Rolling Stones compartilham desse poder místico.
É sublime, te conecta para um estado espiritual fora do tempo ou espaço. Alguns dirão que claro, são atemporais. E talvez sejam mesmo, não só pela melodia ou acorde “catchy” e/ou transgressor: mas pela temática que entra e sai década e continua extremamente atual.
Mas o que a maioria esquece é que muitos desses discos em seu lançamento passaram por um período de “choque” e provação. Muitos destes artistas para quem não conseguia vislumbrar o futuro eram vistos como: ultrajantes, loucos, esquizofrênicos, demoníacos e até mesmo – acredite – aberrações.
Imaginem viver em Nova York em uma situação social cômoda e chegar os caras do Public Enemy batendo na porta falando: Lute contra o poder!. Ou o talentoso Jimmi Hendrix, em tempos de lutas por direitos iguais entre brancos e negros nos Estados Unidos, chegar empunhando a guitarra de maneira ímpar e celestial. Ou então mesmo Kathleen Hanna e Joan Jett – com respectivamente Bikini Kill e Joan Jett & The Black Hearts – virando a mesa de uma indústria machista e falando: nós garotas viemos aqui para conquistar O NOSSO ESPAÇO.
Mas o respiro dessa revolução e transformação da sociedade se mantém vivos e ativos, obrigado. Onde há música há resistência, assim como a Kathleen, no Brasil temos exemplos atuais do empoderamento feminino na música da mais alta relevância como o trabalho dos selos Banana Records (selo cearense criado pela Nanda Loureiro) e a recém criada PWR Records (que ontem lançou o primeiro single da In Venus).
Um dos temas abordados ao longo do disco que falaremos hoje é sobre representatividade. Mas partindo de um outro ângulo do que normalmente se é exposto. O rap, o funk, o rock, o reggae e outros gêneros sempre trouxeram nomes que lutam pelos direitos iguais, participação na transformação da sociedade, visibilidade mas principalmente: RESPEITO. E selos como a Lixo Records e o Laboratório Fantasma carregam isto em seu DNA.
Hoje vamos falar sobre Matheus Antonio, para os mais íntimos, Theuzitz. O apelido que ganhou dos amigos – e que depois acabou adotando como nome de trabalho. Afinal de contas, Matheus conta que não gostaria de assinar algo com o nome próprio cru, o que de certa forma dá um peso.
Há alguns meses atrás recebi na caixa de e-mail o EP Parque da Luz (2015) e logo fiquei curioso pelo trabalho cru porém cheio de influências diferentes. Algo um tanto quanto experimental ao mesmo tempo que sólido. Dava para sentir logo à partir daquele disquinho – com apenas cinco canções – que ele tinha muito mais para dizer.
Na época ouvi e senti que aquilo tinha valores como empatia e sentimentalismo na medida certa. De certa forma já demonstrava simplicidade em retratar o mundo a sua volta. Uma qualidade ímpar que levou caras como Gabriel García Marques e Lou Reed, longe.
Theuzitz vive em Jandira e todo dia vai para São Paulo para trabalhar. Querendo ou não este trajeto faz parte do seu processo criativo. Observar o balanço do ônibus, o empurra empurra do metrô, o sofrimento na face das pessoas e a agitação: faz parte da sua obra.
Além de músico, Matheus é artista visual então tudo se converge. Estou inclusive curioso para ver algum clipe de alguma faixa do disco que iremos falar hoje falando nisso. Mas vamos voltar a sua trajetória.
Alguns meses depois, surgia o programa Hits Perdidos na Mutante Radio sem ter conhecimento disto, ele voltou a me contactar para falar sobre um novo single que estava lançando. Era o bruto, fugaz, experimental, raivoso e movido a uma grande carga de adrenalina: “Ninguém Se Importa“.
Tremendo tapa na cara e susto que levei quando coloquei para tocar, era outra face de Theuzitz. Aquele EP delicado, contemplativo e calmo tinha evoluído para algo mais cru e experimental como os petardos do Dinosaur Jr. Nas vésperas de estrear o programa decidi: seria uma das faixas perfeitas para fechar o programa de estreia do Hits Perdidos.
Era o pontapé inicial do que estava por vir. A bala na agulha do Peso das Coisas, “Ninguém Se Importa” tem literalmente peso, fuzz, crítica social, porrada e guitarradas um tanto quanto exageradas feito uma jam maluca do Sonic Youth.
Frases como “com sua vaidade ninguém se importa” e “Nada é bom o bastante” soam como um grito de calem-me quem poder. Além de mostrar que ele sim usa o deboche com astúcia para passar sua mensagem.
Oficialmente o disco foi lançado através dos selos independentes Banana Records e Lixo Records no dia 13 de Outubro. O disco foi gravado no quarto do Matheus com poucos recursos, o que faz com que tudo soe cru e natural.
Tudo tem o aspecto mais raw desde a capa feita pelo próprio, inclusive com fotos de seus trabalhos de faculdade. E ele entrou de corpo e alma no disco, literalmente. Visto que uma das fotos da colagem da capa ele próprio aparece nu (dos ombros para baixo).
As letras são de sua autoria e ele executa a maior parte dos instrumentos. Para deixar o trabalho um tanto quanto mais orgânico e colaborativo ele convidou amigos para dar aquela mãozinha em algumas faixas.
Para a faixa “Ninguém Se Importa” por exemplo, Rodrigo Dias é o responsável pelo coro. Em “Saudade”, Bruno Will dá uma força na percussão e Lucas de Araújo (Jagsax) no violino e saxofone. Já em “Cavalo” Steve Di Pace (Moblins) apronta algumas utilizando dos recursos: guitarra, magic e sintetizadores.
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Assim como comentado anteriormente, Theuzitz traz muito do viés do olhar pessoal para sua arte e em seu álbum de estreia não poderia ser diferente. O ser humano é muito complexo e somos de certa forma a soma de todas experiências que passamos ao longo da vida. Nossos olhares, traumas, anseios e críticas. No disco Matheus decorre sobre seus sentimentos, suas inquietudes, sua identidade, seus conflitos ideológicos e procura respostas para seus questionamentos.
Assim como o mineiro TUCA que eu tenho a certeza que poderiam fazer uma parceria incrível juntos, Theuzitz explora diversos gêneros musicais despido de preconceitos. Alguns que ele utiliza ao longo do Peso das Coisas são: folk, punk, noise, samba, dream pop, rock psicodélico, spoken word, indie pop.
Em conversas informais até conversamos sobre alguns discos e artistas que admira o trabalho e vi que realmente o esmero por procurar referências novas é quase que obsessivo. O que resulta em apenas ganhos para o trabalho final.
“Âncora” começa como uma balada MPB aparentemente inocente, vem uma poesia torta e nihilista. Nela Theuzitz questiona sobre seus erros e busca por sua verdadeira essência.
Ele também questiona seus erros e as coisas incompletas de sua vida. A intervenção de beats eletrônicos, riffs psicodélicos e noise rock à partir da metade da canção dão o tom de fuga da realidade – e mente reflexiva – que a música clama.
A faixa seguinte é a poderosa “Ninguém Se Importa”, esta que já falamos por aqui. Porém queria destacar uma fala de Matheus Antonio sobre seu significado ao escrevê-la:
“Dentro do próprio contexto do disco, de forma consciente, muito da minha identidade enquanto negro também é exposta.
“Ninguém se Importa” discute o racismo de forma direta, mas os gêneros percorridos durante o disco são formas indiretas de se combater o racismo institucional que de forma velada dita o lugar dos autores negros geralmente dentro dos gêneros de samba, rap ou funk por aqui, e que hoje cobram uma postura de militância e força integral, nos tornando de novo outro objeto domesticado da indústria cultural.
Eu tenho gosto pelos gêneros que cito e respeito o trabalho dos outros artistas negros ali, o que eu digo aqui é sobre um caminho que eu decidi seguir apenas e espero que a leitura desse posicionamento seja claro para quem leia o texto e ouça o disco também.”
E é a partir deste momento que entra a tal da genialidade que disse lá na introdução. Ele fala de uma maneira simples, coesa e direta sobre um tema atemporal. O racismo está nas ruas, nos palanques, nos julgamentos, na atitude das instituições, no enquadro, no mercado de trabalho, na escola, na faculdade, nos rótulos. É extremamente necessária a reflexão e disseminação desta realidade enfrentada todos os dias pelos negros no país.
Theuzitz sabendo disto busca mostrar – através da diversidade de gêneros musicais explorados ao longo do disco – que o negro pode fazer o que ele quiser. Não ficando preso a nichos dentro do mercado fonográfico. É um tema sério, trangressor, atual, relevante e este tipo de iniciativa resulta em algo urgente.
Já em “Andaluz” que para mim soa alusão a obra de Buñuel, O Cão Andaluz, Theuzitz traz a levada mais shoegaze/dream pop em sua sonoridade. A canção flutua por ondas como a de grupos como Jesus & The Mary Chain e My Bloody Valentine. A composição conta com versos contestadores como:
“…A vida é estatistica e um prazo
Brigar com o tempo é ser contrariado
Eu jogo esse jogo e onde eu quiser
Eu consigo ver”
Até que entra o caos sonoro de samples que mostra um pouco O Peso das Coisas na canção seguinte “Sinedoque, SP (intro)”. O choque da realidade é mostrado através dos elementos sonoros de barulhos de máquinas que soam como a passagem do tempo e o bombardeio de informações que jogam sobre nossas cabeças todos os dias. Somos a soma do caos urbano, as músicas que ouvimos, os filmes que assistimos, os livros que lemos e tudo que nos afeta no nosso dia-a-dia.
A faixa serve como introdução para “Sinedoque, SP” que fala de sua relação com a cidade, seu passado, suas vivências, o amor líquido e a fragilidade das relações pessoais. Temas como as máscaras sociais que usamos para vender uma imagem “perfeita” para a sociedade são questionadas por Matheus que coloca o dedo na ferida.
Ele cobra por espontaneidade e evolução do pensamento humano. Para que assim tenhamos um futuro realmente promissor. Afinal de contas, o futuro somos nós que fazemos.
Creio que “Saudade” é a faixa principal conceitualmente do disco. Nela como já dissemos lá em cima conta com a percurssão de Bruno Will e o violino e saxofone executados por Lucas De Araújo (Jagsax).
Através de batuques, acordes lo-fi com levada post-rock vemos uma canção que mistura a brasilidade do Olodum com som mais matemático – e sensível – do Sigur Rós. O sax com levada John Coltrane, deixa a balada um tanto quanto mais densa e profunda.
O caos urbano e o peso das coisas do dia-a-dia são retratados tanto na letra como na harmonia e diversidade de camadas presentes nesta canção. A busca por seu espaço e liberdade são compartilhados através dos versos que deixam claras as armadilhas da vida.
“Saudade” conversa com o interior de cada ouvinte e faz uma série de perguntas que não necessariamente possuem respostas certas. Já que o certo é relativo. Porém o ato de refletir sobre o rumo da vida é um exercício extremamente necessário. E é a partir disto que evoluímos.
A seguinte “Parque da Luz” eu acredito que tenha sido resultado de alguma sobra do primeiro EP do artista. Tanto pela letra como pela atmosfera de sua melodia, que tem o folk e um fio de esperança por tempos melhores em seu DNA.
Chegamos a talvez faixa mais forte e viajada do disco. Inclusive já tocou em um especial Dezgovernadoz (na Mutante Rádio). Estamos falando de “Cavalo” esta que conta com a participação de Steve Di Pace (Moblins) que faz suas viagens embriagadas explorando a guitarra, “o magic” e os sintetizadores.
Para quem conhece o Moblins talvez entenda esse lado mais sombrio que fez com que fossem convocados para participar do tributo O Pulso Ainda Pulsa. Afinal de contas originalidade é sempre bem vinda por aqui.
Mas voltando a composição, “Cavalo” é uma viagem espiritual e ao longo dos seus 7 minutos te força a refletir e sentir o poder xamânico dos batuques e das culturas regionais. A canção viaja por mares mais densos e condena o mundo doente em que vivemos.
Mostra o lado mais auto-destrutivo do ser humano. Fala sobre as destruições que acontecem desde os primórdios por conta da natureza humana. Uma viagem sangrenta ao longo da história.
A canção te encoraja a viajar por esses campos, seu som traz efeitos mágicos e tribais. Tem na complexidade seu maior trunfo. O refrão fica reverberando na sua cabeça:
“trópicos, mares, janelas
meus braços abertos
anjos caídos irmãos”
Samples dão a obra uma certa magia, visto que o leque das canções escolhidas para agregar ao trabalho final vão de Dorival Caymmi passando por: Clementina de Jesus, Nirvana, Yoñlu a Zóio de Gato.
Na faixa seguinte, “(Yoñlu) Tempo Espaço e o Peso das Coisas “, Theuzitz escolheu por usar como sample a faixa “Waterfall” do Yoñlu. Para quem não conhece a história deste artista já falecido, ele era um fã de literatura. Considerado por alguns um gênio prematuro da música ele acabou colocando um ponto final em sua vida – após uma série de tentativas de suicídio – aos 16 anos.
Gostaria de deixar um trecho de uma de suas composições para ilustrar:
“Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios”. Yoñlu
Creio que o Yoñlu tenha por sua vez sentido O Peso das Coisas. Já a canção do Theuzitz expõe transformações no tempo e espaço que acabam influenciando nossa maneira de ver e lidar com o mundo. Desde as guerras destrutivas, as inspirações em gênios, os massacres, a religião, o sexo, as intrigas, o status, as celebrações, a natureza, o presente e o futuro.
Ele tenta em uma canção sintetizar tudo que nos freia mas também nos move. Essa dicotomia mostra na verdade: a contradição humana. Ele inclusive fala sobre o peso de uma simples piada.
Pense em quantas vezes uma piada de mal gosto se transformou em mais um caso de bullying que no final resultou em algo mais sombrio e tenebroso como um: suicídio. Por outro lado já pensou como um sorriso pode iluminar e transformar o dia de alguém? Pois é vivemos em um mundo onde por mais pequenas sejam as atitudes – vistas por alguns como simples – podem transformar o universo de cada pessoa.
Cada linha desta composição pode gerar uma mini discussão sobre algum dilema da vida. Uma faixa tão cheia de detalhes que poderia ser até objeto de estudo em aulas de história e filosofia.
E talvez seja disto que o disco mais tenta passar como mensagem intrínseca: o sentimento de Empatia. Se colocar no lugar do outro, dar voz, dar um abraço apertado, falar “não vivo tua realidade mas quero entendê-la”, extender o braço e querer ajudar. É um apelo que o disco faz com supremacia, talvez mais do que isso: uma necessidade.
“A minha relação com o trabalho do Yoñlu é uma coisa muito recente, mas muito forte. Eu conheci ele sem querer no facebook, (uma amiga tinha postado “the boy and the tiger”), e eu fiquei muito impressionado com sensibilidade que tava ali.
Depois que fui saber da história dele e da idade dele. Mesmo de longe eu sentia semelhanças entre a gente, e a idade que ele veio falecer me fez pensar muito na minha adolescência e o quanto tudo pode ser muito complicado e turvo de lidar nessa fase.
O texto veio de forma muito natural, e pra mim o que aconteceu depois eu nem sei se é música mesmo, vejo muito mais como uma conversa e um agradecimento grosseiro por tudo que ele fez por nós aqui.” Matheus Antonio
Próximo do fim do disco ele esbanja sinceridade em relação a canção seguinte “Depressão Hipermoderna” onde através de uma nota – no estilo nota de rodapé de livros porém em forma de faixa – ele decorre sobre erros na letra durante sua gravação. Porém ele preferiu não regravar para que aquele take espontâneo fosse imortalizado.
Os problemas sociais da geração atual são expostos de maneira poética através de uma delicada música cheia de dedilhados. Com sinceridade e um tom de preocupação ele discute temas como liquidez dos relacionamentos, uso de medicamentos para ansiedade, a morte das crenças e o poder da internet.
A canção resgata também no meio dessa complexidade o samba. É o hino da quebra de esteriótipos e paradigmas modernos. Sem glamourizar temas sérios como a depressão mas dando um tiro certeiro – feito uma cajadada – aos dilemas que aflingem boa parte de sua geração.
O Peso das Coisas é uma obra complexa. Qualquer interpretação terá um contexto pessoal fortemente envolvido. É um disco aberto. Livre de qualquer preconceito ideológico, cultural, musical e filosófico. Feito um livro aberto, Theuzitz, em seu primeiro álbum cheio decorre sobre temas atuais. Mostra dilemas internos, observa o dia-a-dia com um olhar clínico mas sem forçar seu ponto de vista como verdade absoluta. Ele cria através de conexões: oportunidade para diálogos. Estes que geram a troca de vivências e somatizam se o ouvinte estiver de braços abertos. Empatia, é a palavra chave do Peso das Coisas.
A pressão que carregamos nas costas todos os dias faz parte da obra, o passado do mundo: idem. Nossas pequenas experimentações, sorrisos, perdas, amores, repúdios, frustrações, conquistas…tudo isso nos torna quem somos. E a evolução é constante ainda bem. Esse disco te convida para o diálogo de assuntos que talvez muitos negligenciem. É tempo de transformação, de falar menos e fazer mais.
[Hits Perdidos] Antes de tudo gostaria de saber como gostaria de ser apresentado para o mundo afinal Theuzitz é mais do que um “personagem”, é uma persona com várias personalidades e pontos de vista?
Matheus Antonio: “Theuzitz é um apelido na verdade. Meu nome é Matheus, então veio numa decorrência. Na hora de começar a gravar as músicas eu pensava muito sobre qual nome eu poderia usar pra poder trabalhar, e como Theuzitz já era um nome que eu gostava e usava nas redes sociais pensei em seguir. É um negócio muito geracional, né? Eu acho que a Mahmundi tem uma história parecida também.”
[Hits Perdidos] Quais foram as expectativas para o primeiro álbum cheio?
Matheus Antonio: “A verdade é que foi um processo muito natural. Sempre compus muito desde que comecei, e pensava, montava discos na cabeça (uma das bandas que eu tive com 16 anos, compôs material pra 3 discos em 4 meses, não tão bons quanto eu pensava, mas era demonstração de um impulso que não foi embora) e o Peso das Coisas veio de forma muito tranquila. Tenho material pra mais alguns trabalhos.”
[Hits Perdidos] Como vê a evolução para o EP Parque da Luz lançado no fim do ano passado?
Matheus Antonio: “É enorme. O Parque da Luz é um disco que eu gravei depois de compor há alguns anos e com equipamentos recém adquiridos pra fazer as coisas em casa. Não tinha experiência com o processo de gravação e era muito mais ansioso, mas era um disco que tinha que sair porque simplesmente tinha. O Peso das Coisas foi se formando com mais calma, com alguns testes (muita coisa sobrou) e eu fui melhorando enquanto compositor também.”
[Hits Perdidos] Conte para nós quem é o responsável pela capa e qual o conceito por trás dela?
Matheus Antonio: “Eu fiz a capa tanto desse disco quanto do Parque da Luz, e o conceito por trás dela é o mesmo do disco em sí: explorar limites, criar pontes, tudo ao mesmo tempo agora.
O quanto a gente ama realmente as coisas, o quanto nós nos expomos, quanto a gente realmente quer algo. Mostrar que todo mundo é um universo e não só uma parte dele.”
[Hits Perdidos] O disco foi lançado por dois selos, Lixo Records e Banana Records. Como enxerga o papel de um selo independente e como tem te ajudado na caminhada?
Matheus Antonio: “São pessoas que tem o mesmo intuito que você e que se apoiam uns aos outros pra ir pra frente, e fazem com que as coisas realmente aconteçam. Não tem tempo ruim quando todo mundo se junta. Hoje são alguns dos meus melhores amigos.”
[Hits Perdidos] Inclusive a própria banana recentemente fez um guia de como produzir um festival de sustentável. Soube disso? Como vê que esse tipo de iniciativa contribuiu para um cenário de música independente mais viável?
Matheus Antonio: “Sim, e eu acho que daqui pra frente é uma estrutura que só tende se expandir e se gerir sozinha. O meio indie/alternativo que seja (não generalizo rock aqui) sempre sofreu muito pra poder se sustentar, por vir com outras propostas de som e apresentação.
As bandas nunca conseguiram se manter ativas e se manter muito firmes porque nada era muito bem estabelecido elas, tinham de brigar com outros nichos, que tinham outras demandas. Hoje eu acho que isso já tá mudando, e penso que daqui uns anos vai acontecer de cada vez mais casas fazer rolês mais específicos e em espaços menores, e todos vão poder circular mais facilmente e com mais acessibilidade.”
[Hits Perdidos] Você é radicado em Jandira – SP. Quais suas origens e como observa o cenário musical da região?
Matheus Antonio: “Eu vim de Pirassununga (interior paulista) pra Jandira em 2000, então, com 20 anos hoje, dá pra dizer que passei a minha vida toda aqui. Na grande São Paulo, mesmo procurando artistas, não conheço gente que faça trabalhos no parecidos com o meu, mas muito artista bom sim, MC’s de funk e rap principalmente.
Em relação as bandas autorais, predomina muito hardcore, punk, metal, e as vezes aqueles indie pop safado copiando banda internacional. Aqui em Jandira, tem uma banda de rock progressivo chamada Egonia, que gostei muito ao vivo, e tão pra lançar o primeiro disco em breve.”
[Hits Perdidos] Você conduziu toda a produção além de mixar e masterizar o álbum? Como foi a experiência?
Matheus Antonio: “Foi incrível. O disco foi todo construído pensado nessa dicotomia e abrangência de gêneros, então ter a possibilidade de me produzir e me mixar, fez com que eu pudesse materializar melhor o que tava na minha cabeça, e poder ter sempre a chance de alterar as coisas que eu pensava ser necessárias na hora que eu quisesse.
Hoje quem produz em casa tem essa possibilidade. Pode ser um tanto cansativo, mas uma hora você chega nos resultados que produz e que imagina, e muitas vezes trabalhando com outras pessoas, a liberdade é restringida ou fica distante.”
[Hits Perdidos] Seu álbum flerta com diversos estilos como o samba, folk, psicodelia, dream pop, Spoken Word, Indie Pop e o punk. Como funciona isso na hora de criar?
Matheus Antonio: “Pra mim é bem natural. Todo esse contato com diversos gêneros vem de criação já, e eu nunca fui uma pessoa muito fechada pro que pudesse vir.
Então vou tentando ver o que faz sentido pra mim, o que não, e tento ligar esses pontos em comum. E daí as coisas vão surgindo e se esclarecendo no seu tempo.”
[Hits Perdidos] Visto que o álbum homenageia artistas como Dorival Caymmi, Clementina de Jesus, Nirvana, Yoñlu, Zóio de Gato. De onde veio a ideia de samplear tantos sons tão diferentes?
Matheus Antonio: “Eu, morando em Jandira e indo pra São Paulo estudar, trabalhar, ver shows etc. sempre tive contato com dois tipos de culturas muito distintas, mas que pra mim eram igualmente ricas a sua maneira.
Trabalhar com esses samples e referências, é uma maneira de trazer tudo pra um mesmo plano, sem hipsterismo festivo/irônico, ou exotização da periferia, que muita gente fez durante os anos e ainda faz muito hoje, em tempos de problematizações.
A Cavalo é um bom exemplo desse meu pensamento e dessa minha forma de ser: mistura música de candomblé, canto escravo, psicodelia, tem quem disse que remetia ao Radiohead… é história da música e cultura negra, é transcendental, é periférica, e ao mesmo tempo tem contato com as novas tendências de arte, discussões políticas, porém ao mesmo tempo muito livre pra poder fazer o que bem entende e transitar livremente.”
[Hits Perdidos] O sentimento de empatia com o mundo ao redor é algo marcante na narrativa do disco. Como lidar com a falta de empatia que estamos vivendo nos tempos atuais?
Matheus Antonio: “Eu não sei se isso é muito consciente. Acho que de uns anos pra cá, pelo menos no meu convívio, vejo as pessoas com muito mais noção de mundo e humanidade num geral, tanto do quanto ela pode ser incrível, quanto destruidora.
E nisso tem quem quer se resguardar pro seu próprio mundo, apoiar seus semelhantes, e numa empatia cega pelos seus, acaba sendo apático por dar as costas a todo o resto.
Não digo que a gente deva ser acrítico, e se abster de tudo, ou ser justiceiro e amarrar todo criminoso em poste, mas penso que todo mundo devia tentar analisar cada caso de uma forma menos viciada, porque todo mundo muda o tempo todo, e todo mundo tem motivações e históricos muito densos.”
[Hits Perdidos] Você fala de temas um tanto quanto polêmicos e necessários em seu álbum como a depressão, transcendência, sexualidade e política. São baseados em vivências pessoais ou crônicas do que observa no entorno?
Matheus Antonio: “A maior parte é tida de vivência, sim. Difícil dizer bem o quê, porque da escrita de letra e música até o processo final disso tudo, acontece muita coisa, muita opinião muda, vem muita influência, e no fim das contas a ideia se torna algo muito maior.”
[Hits Perdidos] Você mesmo relata sobre sua rotina de ter que se deslocar para a capital paulista para trabalhar. Acredita que essa rotina acaba influenciando nas composições?
Matheus Antonio: “Totalmente, o “caminho” talvez seja o que me faz compor inclusive. A velocidade, os cenários diferentes… três horas de vinte e quatro dentro do transporte público, é um tempo considerável do dia, e muitas vezes é o lugar gente pode realmente pensar. No trabalho a gente tá ligado, e em casa muitas vezes a gente se desliga. O caminho é o melhor lugar em que eu consigo ser criativo.
[Hits Perdidos] Peso das Coisas conta com algumas parcerias como de Steve di Pace da Moblins em “Cavalo”, Lucas de Araújo (Jagsax) em “Saudade” além de Diaz e Bruno Will nas faixas “Ninguém se Importa” e “Andaluz”.
Conte mais sobre como rolou as parcerias e como foi o processo criativo em conjunto.
Matheus Antonio: “O Lucas e o Diaz foram pessoas que apareceram na minha vida no período pós Parque da Luz. Viram meus shows, gostaram e se dispuseram a participar comigo aqui no que desse pra fazer, e em alguns momentos que eu senti que as músicas precisavam de algo a mais, chamei eles e rolou exatamente o que eu precisava.
O Steve foi incrível, porque eu tinha composto a “Cavalo”, gravado algumas coisas, mas queria pirar ainda mais no som e fazer umas coisas. Fiz um post no facebook chamando gente doida pra poder gravar comigo, não deram 4 dias, e ele já veio pra Jandira e a gente gravou fácil.
Eu já tinha costume de tocar e gravar com outros músicos mas compor junto (deixei livre pra que propusessem as ideias instrumentais) foi uma experiência muito nova e gratificante. As ideias se rebatiam e surgiram coisas muito melhores.”
[Hits Perdidos] Quais bandas indicaria para os leitores do Hits Perdidos?
Matheus Antonio: “A gente sempre fica falando de fora pra dentro, então aqui eu vou indicar alguns artistas que convivem comigo e deveriam ser mais ouvidos. O Vinícius Mendes e o Lvcasu daqui de São Paulo, lançaram disco esse ano, são artistas muito singulares e novos também. O Amauri e o Calvin Voichicoski, da Lixo Records são compositores que eu tenho comigo, e defendo muito, e tão trazendo ideias novas pro rolê.
O Valciãn Calixto, é outro compositor incrível, piauiense, que quando se entra na pira dele, é difícil voltar. Astromato eu indico sempre porque é a história música indie brasileira, dialoga muito com os nossos tempos, mas ninguém vai atrás (PROCUREM). Tem muito mais gente, é até uma injustiça falar tão pouco. Vejam o catálogo da Banana Records, da Lixo Records, da Transtorninho. Gostaria de citar também o eliminadorzinho e a Quasar.”
[Hits Perdidos] Quais seus álbuns favoritos?
Matheus Antonio: “Sem pensar muito. Os 10 que pensei agora. Sem ordem de preferência:
Devotion – Beach House
(What’s The Story) Morning Glory – Oasis
Judee Sill – (1971)
Quarup – Lupe de Lupe
Automatic For The People – R.E.M.
Rap é Compromisso – Sabotage
Riot On An Empty Street – Kings Of Convenience
OST Chrono Cross – Yasunori Mitsuda
The Idler Wheel… – Fiona Apple
A Hora E A Vez De Onagra Claudique – Onagra Claudique
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This post was published on 24 de novembro de 2016 2:58 am
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