Theuzitz apresenta o Rock de terceiro mundo em “Conversando com Espíritos”

 Theuzitz apresenta o Rock de terceiro mundo em “Conversando com Espíritos”

Após O Peso das Coisas (leia mais) lançado em 2016, Theuzitz viveu diversas experiência do fim do coletivo Pessoa Que Voa a experiências marcantes na vida particular.

Prestes a lançar um disco solo após mostrar um single impactante “Flanar”, lançar uma versão para “Cordeiro de Nanã” d’Os Tincoãs (saiba mais) para a campanha Rock Triste Contra o Coronavírus, e o clipe para “Noite II”, ele passou pela frustração de perder os arquivos no computador e com isso decidiu recomeçar tudo do zero.

A transformação que já havia começado, e foi avançando, gerou a mixtape Conversando com Espíritos que conta com diversas participações especiais de nomes como SVI, em “Conversando com espíritos”, Valciãn Calixto, em “Dormir Machuca” e Wagner Almeida, em “Desculpa”, e ainda conta com relatos de outros artistas como é o caso de Jup do Bairro.

Faixas como Noite II”, “Dormir Machuca (part. Valciãn Calixto)” e “Chao Chao”, ganharam inclusive clipes e mostram como o que era chamado por muitos como “rock triste” ganhasse corpo e misturas o que Theuzitz carinhosamente chama de rock de terceiro mundo.

A Construção da Mixtape de Theuzitz: Conversando com Espíritos

Inclusive nas misturas e samples ele coloca no liquificador nomes como: Leonard Cohen, Charlie Brown Jr., Brian Eno, Manu Chao, Racionais MC’s, Mantronix, Anitta, Velvet Underground, Black Sabbath, Milton Nascimento, Frank Ocean, Oasis, Criolo, Marvin Gaye, Duda do Marapé e MC Magrão.

Mostrando como todo universo da cultura pop o impacta e como ela faz parte da nossa construção – e desta forma mistura rap/r&b, música religiosa, noise, MPB e rock alternativo. Tudo isso sem fugir do que é o Brasil de 2020 e por isso traz como temas pautas raciais, de sexualidade e espiritualidade. Theuzitz é um artista do seu tempo e discorre sobre tudo isso com muita sabedoria e empatia.

Ele se liberta para mostrar sua própria identidade como diz: “nos reconectarmos de maneira mais profunda com o que a gente realmente é”.

Theuzitz ainda explica: “uma conversa diferente com esses espíritos. Desencarnados, entidades religiosas, espíritos de uma época, e outras histórias que eu materializo enquanto escrevo. As músicas dessa mixtape não tem a intenção de serem afirmações muito assertivas sobre determinados assuntos, mas sim proposições de possibilidades. Nossa história e o nosso caminho não se dão por uma via única.”

O espírito do D.I.Y. (faça você mesmo) também habita a obra. Theuzitz compôs, produziu, gravou, mixou e masterizou todas as músicas em seu estúdio. Já as colaborações foram realizadas de forma remota.


Theuzitz - Conversando Com Espíritos Crédito - PH
Theuzitz Foto Por: PH

Entrevista: Theuzitz

Conversamos com o Theuzitz para saber mais detalhes sobre o conceito, transição sonora e vivências que refletem em sua mixtape Conversando com Espíritos.

Você pretendia lançar um álbum e acabou passando pela frustração de perder as músicas tendo já lançado o vídeo para “Noite II”. Como foi a tomada de decisão de recomeçar do zero e optar por uma mixtape? O que acredita que une as faixas?

Theuzitz: “As coisas tem uma razão de acontecer, e muitas vezes nós nem conseguimos conceber. O último disco, que ia rolar ano passado, vinha num momento em que eu estava num processo de mudança muito mais inicial do que o que eu estou hoje. Muitas daquelas músicas refletiam uma visão de mundo que hoje eu já avancei, e que na verdade eu sou grato por perdido o pc naquele momento, porque fez com que eu pensasse tudo de uma maneira diferente (antes da pandemia, (risos).
Tive que aprender a deixar ir embora, pra que boas coisas viessem e elas vieram a partir daí. Acho que as musicas se conectam muito em termos de visão. De apontar pro futuro, mas sem esquecer do que eu sou. De ser brasileiro, mas sem carteirada, brasileiro na essência do que pega e mistura o que tem e se reinventa. Rock de terceiro mundo.”

Ouvindo o disco eu consegui ver uma aproximação com cinema e literatura de filmes como Fragmentado e a literatura de Bauman como se fosse um liquidificador com muitas referências tanto no campo da linguagem como na estética que escolheu para o trabalho. Conte mais sobre essa parte do processo e de narrativa que foi elaborando.

Theuzitz: “Eu conheço as referências mas confesso que nunca tive contato direto com nenhuma. Acho que essa sociedade do hiper, pra população preta, já era a realidade do meu pai em jornada de 18h de trabalho, e a minha avó passava o ano inteiro mais na casa do patrão dela do que com os filhos. E ainda assim essas pessoas tinham obrigações externas, compromissos e sonhos que elas queriam colocar em prática.

Acho que a minha arte é cotidiana e é surreal porque é assim que a gente vive, se a gente enxerga e quer mais da vida. A gente cria imagens e conexões, porque o nosso passado foi roubado da gente, e o que já passou a gente não quer mais.”



O sonambulismo norteia de certa forma a obra mas não se limita a isso e traz consigo outras narrativas como o Jejum (como contou no twitter) acabou sendo uma espécie de gatilho criativo e também as conversas com espíritos. Conte mais sobre isso e as temáticas que o disco passeia.

Theuzitz: “Esse disco é sobre evolução, sobre ser melhor, de maneira honesta, nesse contexto do “fake till you make it”. Não reprovo essa ideia, conheço alguns que são, mas eu acho de verdade que a gente precisa parar de querer viver um sonho que não é nosso. O sonho que a gente vive é esse sistema capitalista, que produz desigualdade, que faz um moleque morrer por um boot, e uma mina viver se sentindo insatisfeita com o próprio corpo. Quem a gente conhece que não vive assim?

 

E eu não tô falando que eu superei isso tudo não, mas eu acho que a gente tem que procurar uma base mais profunda pra se apoiar do que esse sonho ou essa vitória. A gente tem que jogar, por uma questão de estratégia, e fazer dinheiro sim, mas a gente tem que saber quem a gente é primeiro, e qual jogo a gente quer jogar de fato. O processo de jejum me trouxe mais consciência a respeito disso, porque se você descobre que nem precisa comer o que você come pra estar vivo, o que você realmente precisa, saca?”

Como observa o processo de sampleagem, como foram feitas as escolhas delas, das parcerias e como foi reconstruir músicas?

Theuzitz: “Os samples são literalmente as conversas com os espíritos. E eu queria reencarnar “espirito do rock”, que perambula por aí em várias pessoas, que eu vejo em vários artistas que fazem outros gêneros também, mas eu também não queria trazer só o rock em si, clichê, porque essa postura que hoje as pessoas chamam de rockeira pra mim é só uma postura de moleques que não cresceram.

Então na faixa título eu invoco Velvet Underground, Black Sabbath e Milton Nascimento, por exemplo, mas ao mesmo tempo eu chapo em funk e uso os adlibs e batidas lá também. E eu rimo por cima ainda. E canto. Porque a gente é isso tudo.  A gente é Manu Chao e Anitta ao mesmo tempo. Se explica o eleitor que votou no Lula, votar no Bolsonaro, só porque o Lula não pode se candidatar?

A gente tem essas complexidades e não dá pra por a viseira e fingir que é só uma coisa. As parcerias são de artistas que eu admiro e sempre estiveram comigo durante todo esse processo. Uma outra música brasileira que também existe e que merece visibilidade.”

Ouvindo a faixa “Punks” me chamou a atenção tanto pela questão crítica como pela forma da sua construção anárquica e ao mesmo tempo pop. Como analisa essa dicotomia e como vê que conseguiu mostrar mais nuances das vivências, entorno e coletividade ao longo da obra?

Theuzitz: “A gente é isso, de novo. Eu penso nessa música como um filme a respeito do que é ser racializado no Brasil, especialmente sendo uma pessoa preta. Quem é o “homem”, quando o Evaldo toma 80 tiros arbitrariamente por ser preto? Já se fazem dois anos, e a gente esquece porque é tragédia sob tragédia, todo dia.

Eu não falo a língua desses “homens”, a minha coisa é outra, mas ao mesmo tempo eu sinto quando vejo uma notícia dessa acontecendo. Eu posso sair hoje e não voltar pra casa, e o meu dia até aquele momento pode ter sido completamente normal. Essa é a nossa realidade e essa música é sobre isso. Malandragem de verdade é viver. Isso é ser punk.”



Vejo que esse projeto vem para ser uma espécie de ruptura dentro do seu trabalho, como o processo influenciou na quebra de paradigmas e como observa que será o futuro das suas produções?

Theuzitz: “Agora eu comecei do 0 e só o futuro importa pra mim. Eu quero colaborar com mais pessoas, pessoas parecidas comigo, quero produzir e trocar experiências com elas. Não faço arte especificamente pra uma cena, e acredito que o futuro é esse lugar onde a gente é livre, aprende, recebe e dá pro outro.Entrar na Br3, acelerar e vir por dentro. Quem sabe eu já não lanço um disco de reggae do nada? De samba? Quem sabe…”

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