Monoclub busca redenção e cruza novas fronteiras em "Romperia"
É tempo de Romperia, é tempo de romper os laços que nos prendem com o passado. Para evoluir é necessária uma transição, deixar o que não serve mais para trás e seguir sua caminhada em direção aos seus sonhos.
Como conta o guitarrista Bruno Peretti da banda sorocabana Monoclub:
“…Cada um tem sua própria verdade dentro de sí e cabe a cada um escolher seu próprio caminho, já somos tão condicionados durante a vida… Tem que chegar logo aquela hora de acordar, de olhar para o que realmente somos e o que fazemos aqui sem transferir nossas falhas.”
E com dilemas contemporâneos o Monoclub revitaliza o folk/country estrangeiro mesclando com as modas de viola caipiras tão características do interior do Brasil. Tudo isso com muita classe, delicadeza, textura, melodia e de maneira harmônica eles vão conquistando seu espaço Brasil afora.
Em 2014 eles lançaram seu primeiro trabalho, o EP Mofo Sessions. E desde então caíram na estrada ganhando experiência, identidade e se destacando por suas apresentações ao vivo. No ano seguinte eles foram premiados pelo Prêmio Dynamite na categoria “Revelação”.
O interessante é justamente o resgate do olhar caipira mas em um contesto atual, assim como o disco da Coutto Orchestra – que resenhamos recentemente – eles não se esquecem das raízes, de onde vieram suas influências e vivências mas adequam isso para o ano 2016.
Um ano de grandes transformações nos mais diversos campos da humanidade, de surpresas, da inovação e das trapalhadas no campo da política. Tivemos até Bob Dylan ganhando prêmio Nobel de literatura e David Bowie nos deixando. Um ano conturbado, cheio rompimentos e fins de ciclos. Ou seja, não teria melhor momento para refletir ao ouvir o álbum Romperia, lançado pela banda de Sorocaba no último mês de junho.
Mas 2016 para a Monoclub foi um ano de consolidação também. A banda não somente lançou seu primeiro álbum cheio e excursionou pela segunda vez pelos Estados Unidos mas como alcançou o que tantos artistas almejam: sair da promessa e se consolidar como um dos expoentes da novo cenário folk brasileiro. A banda agora também integra o casting do selo paulistano For The Records.
Destacaria também a participação deles em um dos maiores festivais do gênero nos Estados Unidos, o tradicional Northwest Folklife Festival que neste ano chegou a sua quadragéssima quinta edição. Além deste evento, a banda excursionou por 11 cidades, dentre elas Portland e cidades do estado de Washington tendo realizado concertos em importantes casas de Seattle.
O som consegue tocar corações facilmente por suas letras sinceras e vorazes, as influências passeiam por um campo vasto que vai de Almir Sater a Wilco. Agora acredito que o ouvinte está preparado para ouvir o primeiro disco do Monoclub.
Mas antes de iniciar o faixa a faixa temos um detalhe importante para informar aos leitores do Hits Perdidos: a história é contada através do mártir Jean Balmont e é com ele que caminharemos ao longo das dez canções do disco.
[Hits Perdidos] Vocês utilizam o recurso de contar a história do Jean Belmont. Pesquisei aqui e vi que também é uma vinícola francesa. Quem seria Jean Balmont? O que acreditam ser a personalidade que carrega a energia e os anseios de Jean?
Bruno Peretti: Podemos dizer que Jean Balmont é nosso mártir, ou seja, ele está disposto a se sacrificar apenas para descobrir sua crença, o que deve fazer para seguir em frente num modo digno, de uma maneira em que suas “formas e variedades” de vida e pensamento não cessem sua vontade de explorar outros caminhos por si só sem precisar acabar com a vida de outros.
Ele veio diretamente de uma vinícola francesa para tratar de seus assuntos mais íntimos. Jean Balmont, como o vinho francês (primeiramente vendido nos EUA e depois na Europa), foi explorar os caminhos externos para conseguir compreender a sí mesmo para voltar às suas origens com sua arma principal, o pensamento.
Ele surgiu em nossas vidas num momento muito especial e exatamente quando precisávamos de mais inspirações para finalizar o conceito do álbum. É o nosso grito, nosso tiro de sinalizador em meio à tormenta.”
A trajetória de Jean já começa com a canção que leva seu nome e sobrenome, “Jean Balmont”. Esta que traz na sua melodia o intimismo do country e flerta com o rock.
A faixa trata de introduzir a personalidade, os desejos e os anseios de Jean. Mostra um personagem arrependido das coisas que já fez e buscando por transformação espiritual. Observar as camadas sonoras nos precisos arranjos faz com que a teatralidade da música transpareça.
A ideia de evoluir ganha terreno na canção que sucede, “I.N.C.E.”. Que tem a delicadeza dos acordes do Wilco e sentimentalismo à flor da pele. Colocar a mão na cabeça e repensar seus atos faz parte do processo que Jean atravessa na canção. O questionamento é ainda mais profundo pois fala de evolução a partir da revolução tanto no campos das ideias como nas atitudes.
A evolução da canção é um tanto quanto interessante pois assim como os incríveis solos de guitarra do mestre Nels Cline, a canção viaja através dos pedais. Apaixonados pela obra prima “Impossible Germany” certamente colocarão a canção no repeat.
“Cortejo” combina a viola e a guitarra em uma canção para assobiar junto, uma balada alt. country que soa como uma cantiga sobre o rompimento. Assim como o nome, sua parte nefasta está no seu minuto final que parece nos guiar através da distorção para outra dimensão. Seria esse o portal de Stranger Things?
Essa portal que nos põe de cara com o “Homem Monstro”. Mas calma, nada de criaturas do além, a criatura que estamos falando somos nós mesmos. O tal do homem monstro é a nossa consciência e o adeus que a música fala: é nossa transformação. A evolução através da redenção.
O desencadear das ideias e o se perder para se encontrar é o tema de “Avesso”, quinta canção do disco. Esta que tem elementos típicos da moda de viola caipira e um acordeão para ninguém colocar defeito. Em certo momento vira um rastapé para dançar juntinho. É o abrir do coração para se entregar por completo.
“Sobre os Nós” tem uma levada moderna, um country que flerta com beats eletrônicos. Assim mostrando que sim, é possível agregar novas sonoridades a um som tão tradicional.
Uma maneira de rejuvenecer um estilo e mostrar novos caminhos. Da mesma forma que a canção trata de desentrelaçar os nós com o passado para que assim seja possível seguir em frente.
Já “Mr. MacWolf” é a única faixa que não é em português no disco e carrega uma atmosfera que podemos ver em boas bandas brasileiras como O Bardo e o Banjo e Out Of The Blue. A viola dá o tom e os arranjos das cordas mostram uma levada de grandes nomes do gênero como Hank Willians, Willie Nelson e Woodie Guthrie. A provação é colocada em cheque na faixa.
Antes de acabar ela tem uma breve pausa que através de um efeito na voz faz parecer que estamos ouvindo a alguma rádio antiga em fade out. Um tanto quanto interessante a utilização do recurso.
Com a mesma delicadeza de canções como “California Stars” do Billy Bragg, em “Para Quem Se Vê” o desenrolar dos problemas ganha coordenadas. A balada talvez seja a canção mais poética do disco, cheia de metáforas para refletir sobre a tal da revolução espiritual que falamos logo no começo da resenha. Resolver os problemas e desafetos para assim se desprender de qualquer coisa imaterial que esteja bloqueando o caminho.
“Nascer e Amar” questiona os conflitos internos que a transformação espiritual nos traz. O sentimento de empatia floreia na canção. Amar sendo a força motriz para curar as cicatrizes de um peito aberto em processo de redenção. O acordeão duela mais uma vez com a viola mostrando que artistas como Odair José e Almir Sater fazem sim parte das influências do grupo.
A canção que encerra o disco é “Romperia”, com toda certeza a faixa mais bonita do disco. Contendo até com influências do folk celta nos arranjos de viola que soa muitas vezes como um banjo. O doce libertar é o tema central da faixa, o desprendimento de tudo que precisava romper para assim “enxergar a luz no fim do horizonte”.
Mais uma vez o sentimento de empatia com o próximo estão presentes na letra que mostra que a transformação para ser um ser humano melhor, não é uma das missões mais fáceis, porém um tanto quanto gratificante.
O disco de estreia dos sorocabanos do Monoclub resulta como uma grata surpresa para o ouvinte. Que se surpreende desde a precisão dos arranjos a delicadeza das letras que dialogam com um mundo que necessita urgentemente: encontrar em sentimentos como empatia e compaixão seu norte.
Vivemos em momentos conturbados tanto no campo das emoções como nas relações interpessoais. A desunião, a falta de companheirismo e reflexão fazem com que a cada dia mais notemos a falta de sintonia e cumplicidade com o próximo.
É interessante o recurso de um personagem para contar a história de redenção de alguém que está cansado de ver a impiedade do mundo e sabe que é uma penitência abrir os olhos para transformar-se. A revolução vive dentro de nós, e é deste sentimento que podemos transformar o mundo em um lugar um pouco mais habitável. É um disco otimista, possuí boas influências e tem em sua mensagem um doce libertar.
[Hits Perdidos] Como surgiu o Monoclub e porque do nome?
Bruno Peretti: “Monoclub surgiu com a intenção de classificar o conceito do nosso som. Mono é macaco em espanhol e como gostaríamos de produzir uma sonoridade mais antiga unida ao novo, tratamos isso como um processo de evolução. Portanto esse é nosso clube de macacos.”
[Hits Perdidos] O disco chama “Romperia”, quais preconceitos e paradigmas em um momento complicado de crescimento conservador nos quatro cantos do país acreditam que tem que ser quebrados?
Bruno Peretti: “Preconceitos e conservadorismo são coisas enraizadas na sociedade e dentro de nós e só conseguiremos nos livrar disso individualmente e justamente com esse rompimento.
Cada um tem sua própria verdade dentro de sí e cabe a cada um escolher seu próprio caminho, já somos tão condicionados durante a vida… Tem que chegar logo aquela hora de acordar, de olhar para o que realmente somos e o que fazemos aqui sem transferir nossas falhas.
O nome Romperia é para simbolizar a romaria percorrida pelo indivíduo até a noção de que precisa-se romper com algo. Isso traduz o que sentimos e dizemos desde o conceito da banda até o disco. Ele foi desenvolvido durante alguns anos e acompanhou uma grande transição em nossas vidas.”
[Hits Perdidos] Vocês tem influências de Wilco a Almir Sater e não dispensam o artifício da música brasileira através de instrumentos regionais. O folk por sí só é um som muito plural e consegue abraçar tantas culturas locais por essência. E na hora de escrever, o que inspira? Temos ponte com a literatura? Cinema? Cotidiano?
Bruno Peretti: “Esse nosso primeiro disco é uma história contada através das músicas, não só verbal, mas também sonoramente. Gostamos bastante de usar climas e memórias para tentar situar o ouvinte, como uma trilha.
Resolvemos construir essa história com base em nosso cotidiano mostrando algumas coisas já passadas e alguns anseios. A literatura, o cinema e todas as formas de arte ajudam muito na hora de criar, transformar e até encaixar aquela palavra ou outra dentro da melodia de forma justa. A ideia é sempre buscar novas referências.”
[Hits Perdidos] Em pouco mais de 6 anos vocês já conquistaram bastantes coisas como tournês regionais passando por festivais aclamados no país e fora. Recentemente estiveram nos Estados Unidos. Como foi a experiência? Como acham que o cenário brasileiro do folk pode aprender com esses festivais?
Bruno Peretti: “A experiência foi incrível. Acredito que mudamos bastante depois que começamos a rodar de fato pra mostrar nosso trabalho. Aprendemos bastante coisa viajando, conhecendo novos lugares, novas pessoas, novas culturas, outros estilos de vida, outra percepção…
Em cada lugar que passamos é um aprendizado, vemos que as coisas funcionam pelo simples fato das pessoas se envolverem e buscarem coisas novas.”
[Hits Perdidos] “Empatia é o novo cool” diz uma grafitti em algum muro de Berlim que veiculou na internet recentemente. Ao mesmo tempo o que vemos é que o que mais falta hoje em dia é justamente isso: o ato de se pôr de fato no lugar do outro. Como observam isso e como acham que a música pode ajudar nisso?
Bruno Peretti: “Não deveria ser o “NOVO cool”, deveria ser o de sempre…
Todas as manifestações artísticas sempre fizeram parte das grandes mudanças em nossa sociedade e a música com certeza pode ajudar em muitos fatores, pois também é uma ferramenta muito poderosa de comunicação.”
[Hits Perdidos] Quem foi o responsável pela capa e qual a ideia que queriam transmitir com ela?
Bruno Peretti: “A capa foi criada durante todo o processo do álbum, discutimos bastante com o designer Alvin Shiguefuzi e o fotógrafo Bruno Fujii durante as gravações. O principal objetivo seria não criar nenhum tipo de preconceito em termos de música.
Queríamos alguém livre para escutar o álbum, por isso optamos pela cor branca, e também buscamos algo que fosse impactante. A santa se quebrando é como algo que se rompe, um instânte, um paradigma que se altera, grandes valores cultivados que de uma hora para outra se desfazem em cacos nos obrigando a traçar novos rumos, pois a evolução é constante.”
[Hits Perdidos] No mês passado Bob Dylan ganhou o prêmio nobel de literatura. E isto fez reascender uma boa discussão sobre o que é literatura e quais os limites da música. Por outro lado eu vejo ele como um dos maiores disseminadores do folk/rock de todos os tempos. Como observam o cenário folk em nível regional e local?
Bruno Peretti: “Essa discussão reascendeu algumas questões e uma delas é o fato dele não ser escritor ou poeta, mas Bob Dylan merece esse prêmio e todos os outros que poderia concorrer, pois mudou uma Era, alterou ciclos e a maneira de pensar de muita gente. Se ele deve ser reconhecido como escritor, não sabemos, mas com certeza essas letras de musicas já tocaram muita gente.
O folk teve uma alta muito grande nos últimos anos e a influência do folk internacional criou uma cena e, com isso, os espaços vão aparecendo e as vertentes do folk brasileiro vão surgindo. Isso é ótimo, pois a música nacional está passando por momentos de busca, estilos sem representantes e cada vez menos espaços para apresentações de músicas autorais. Temos uma cultura folclórica e caipira muito rica, crescida e madura, só não podemos esquecer da importância de cultivá-las.”
[Hits Perdidos] Ouço muito falar sobre o cenário local de Sorocaba como uma cena forte. Inclusive recentemente foi realizada mais uma edição do festival Febre onde reuniu diversos nichos e contou com feiras e shows de importantes artistas. Como é o incentivo a cultura na região? Participam de algum coletivo ou selo?
Bruno Peretti: “Realmente em Sorocaba sempre tem alguma coisa acontecendo, sempre rolaram cenas muito boas de bandas por aqui desde os anos 80. Essa crescente foi tanta que muitos artistas foram surgindo, gerando uma busca cada vez maior por espaços criando-se assim casas e coletivos para suprir essa carência e foi exatamente nesse período em que o Monoclub iniciou a carreira.
O Festival Febre foi sensacional, é um grande incentivo a todo tipo de cultura na cidade, é uma iniciativa ótima do Pêu Ribeiro, que também é de um coletivo muito ativo na cidade, que é o Rasgada Coletiva.
Além disso, nessa última gestão a Secretaria de Cultura pela primeira vez tentou aproximar ao máximo a relação entre os artistas da cidade. Trabalhando em conjunto, com muita pesquisa e diálogos, pelo elogiado Plano Municipal de Cultura que foi aprovado para os próximos 10 anos na cidade.
No ano passado nós assinamos com o selo FTR (For The Records) de São Paulo, que tem uma parceria com estúdio BTG onde gravamos nosso disco, mas sempre estamos em contato com os coletivos e agentes culturais de Sorocaba e acreditamos que a criação de um selo/coletivo se torne uma realidade em breve.”
[Hits Perdidos] Vocês falam de revolução nas letras. Qual é a mais urgente no ponto de vista de vocês?
Bruno Peretti: “A revolução mais urgente em nosso ponto de vista é a que viemos falando ao longo da entrevista. Despertar de fato nossa consciência, valorizar nosso povo, nossa cultura, procurar sempre por misturas novas sem deixar de olhar o legado deixado, repensar estilos de vida, o que queremos, onde queremos chegar para saber o que realmente vale a pena nisso tudo.”
[Hits Perdidos] O que vocês tem escutado recentemente?
Bruno Peretti: “A música está muito presente em nossas vidas, estamos sempre pesquisando e escutando algo novo.
Nas viagens temos uma playlist que é sempre atualizada, onde alguns se consagram e ficam lá para sempre, como: Wilco, Johnny Cash, Raul Seixas, Buck Owens, entre outros…
No momento estamos escutando o último álbum do Pokey LaFarge, “Something In The Water”, que nos fez deixar aquela playlist de lado por um bom tempo.
Para quem quiser saber mais sobre essa playlist, ela se chama “Macacos me mordam” e está no nosso perfil no Spotify.
[Hits Perdidos] Quais bandas recomendariam para os leitores do Hits Perdidos?
Bruno Peretti: “É difícil dizer tudo que gostaríamos que escutassem, mas algumas coisas como Pokey LaFarge, Wilco, Willie Nelson, o álbum “North Hills” do Dawes, misturadas com Tião Carreiro e Raul Seixas é sempre uma boa pedida nas longas viagens.”
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