De Carne e Flor lança álbum de estreia “Em Teus Olhos Vejo Fendas”
De Carne em Flor lança o álbum “Em Teus Olhos Vejo Fendas” – Foto Por: Pedro Arantes
De Carne e Flor é uma banda de post-hardcore formada em 2016, atualmente composta por André Jordão e Matheus Tomaz nas guitarras, Bruno Avilar na voz e composições, Eliton Si na bateria e vocais de apoio, e Leonardo Simões no baixo e vocais de apoio.
Com seu primeiro EP Teto Não Familiar na bagagem, um split com a banda chilena Cienfuegos lançado na pandemia, agora a banda lança seu primeiro álbum cheio, Em Teus Olhos Vejo Fendas. Intenso, confessional, seriam formas de tentar descrever a tamanha carga emocional das 11 faixas que transitam do post-hardcore ao post-rock, tanto gritado quanto contemplativo.
Como a própria banda se descreveu no bandcamp “Tentando o autoexorcismo” – O disco se encontra em oscilações entre a agressividade e a reflexão, a montanha-russa de nossas vidas, muito bem retratada.
Com produção de Igor Porto, o álbum possui temas pessoais em sua composição, como luto, insegurança, vícios, entrelaçando perfeitamente com a sonoridade. Conversamos com a banda sobre o lançamento do disco, processo de produção e sua trajetória até aqui.

Entrevista: De Carne e Flor sobre Em Teus Olhos Vejo Fendas
“Em Teus Olhos Vejo Fendas” ganhou vida após 9 anos de estrada, um EP e um split. Como foi o processo de produção? Vocês sentiram algum tipo de pressão para gravar um disco cheio?
Bruno: “A produção começou em 2023, com o single “A Última Canção do Mundo (Não Essa)”; a partir dali a banda inteira concordou que era hora de um álbum, já que o repertório ao vivo já tinha um bom volume. Trabalho, saúde (ou a falta dela), estudo e trocas de integrantes (o que contribuiu para uma sonoridade mais ampla e para que mais sons fossem surgindo) acabaram alongando o tempo para finalizar o processo.
A gravação foi espaçada: fomos gravando os instrumentais em linha com o Igor Porto (mesmo produtor que grava a gente desde o primeiro EP) conforme os sons nasciam ou eram revisados, e assim foi do final de 2023 até o meio de 2025. As sessões de voz foram feitas em outro estúdio, realizadas conforme a pré-produção dos instrumentais avançava..
Quanto à pressão, a cho que foi algo mais interno mesmo — de sentirmos que essas músicas mereciam esse registro, mesmo em momentos de conflito; tem a ver também com como a gente se relaciona com a música e nossas influências. Hoje se fala bastante de artistas que optam por singles ou EPs, mas as mixtapes, playlists e o gosto por ir direto pra faixa tal ao dar play num disco sempre estiveram por aí; daí acho que o streaming só ajudou a estilizar esse imediatismo nos lançamentos. Eu particularmente sempre gostei de como o formato do álbum permite uma construção de sentido entre as faixas, então foi uma satisfação criativa enorme.”
Leonardo: “Teve pressão, sim! A minha. Desde que entrei, torrei a paciência deles para finalizarmos o trampo. Vale?”
Eliton: “Tinha medo de morrer e não ver estes sons prontos. A letra de “A Última Canção do Mundo Não Essa” fala exatamente sobre isso, inclusive. É a música da banda sobre a banda. Os percalços que surgem quando estamos em grupo e devemos esperar o tempo de cada um. Quantos ensaios foram cancelados porque alguém adoeceu.”
Bruno: “Escrevi o esqueleto e a letra desse som durante a pandemia. Quando a situação deu uma melhorada, saí de Cotia com a guitarra lá pra casa do Eliton, em Guaianases, e terminamos a base. Essa época passou de forma bem nebulosa pra mim, mas essa coisa do medo de morrer não é nenhum exagero. Recalcamos um absurdo gigantesco como sociedade e no particular também.”
O tom confessional das composições com a sonoridade do disco criou um trabalho bem intenso. Essa intensidade lembra trabalhos como os de Jair Naves e Ludovic. Quais foram suas maiores inspirações na hora de escrever?
Bruno: Fico bem feliz com a comparação, obrigado! A escrita do Jair Naves é impecável e acho que falo por todo mundo sobre a admiração pelo Ludovic.
Quanto à forma, acontece bastante de surgir uma ideia de frase ou de seção (geralmente sou atacado por ideias que já soam como pontes ou finais) e ir completando ao redor daquilo; ou criando um ponto oposto para servir de início e conectar. Sou mais da inspiração momentânea do que do trabalho formal, então para mim é bem difícil criar algo “na intenção”.
O sentimento ou sobressalto acaba sendo meu ponto de partida. Teve uma época em que eu adormecia e ouvia algumas palavras em sonho, acordava e pegava correndo o celular para escrever antes que sumisse da memória. Hoje evapora quase tudo assim que acordo.
De conteúdo, me inspiram geralmente eventos pessoais ou testemunhados. Por ter voltado a estudar recentemente, me reconectei com a leitura e comecei a incorporar um pouco de referências (o título “Furores Perdidos” foi tirado de “Angústia”, de Graciliano Ramos, por exemplo. Também peguei emprestado de Bob Kaufman, em certas partes das faixas-título). Os backing vocals dos meninos geralmente nascem da interpretação deles das letras, o que sempre adiciona uma perspectiva ou contraponto que enriquece.
Quanto aos sons, a maioria a gente traz um riff ou uma demo de casa (geralmente o André) e a gente vai trabalhando em cima durante os ensaios.
Como teve um bom intervalo de tempo entre a criação dos sons, acabou refletindo as bandas que influenciaram (e a pegada dos integrantes que passaram pela banda), e estilos com os quais a gente veio se conectando: screamo e blackgaze em “Sinos”, grunge em “Furores Perdidos”, etc. Daí pego o baldão de letras, escolho pelo sentimento do som e vou adaptando.”
Eliton: “As músicas ganham outro clima quando o Bruno começa a cantar em cima.”
A última faixa do álbum “Teto, Pt.2”, faz conexão de alguma forma com o primeiro EP Teto Não Familiar?
Bruno: “Ela nasceu de imediato como sequência da última faixa do EP durante um ensaio; lembro até hoje do André (guitarra base nessa faixa) ir puxando aqueles primeiros três acordes e a gente ir improvisando. É uma das faixas que existem há mais tempo; tanto ela quanto “Onde Mais Eu Devo Ir?” são tocadas ao vivo desde 2019, pelo menos.
Ficou um bom tempo sem nome e acabei sugerindo “Teto Pt. 2” por conta das duas sempre terem sido tocadas em sequência nos shows, e todo mundo concordou. Foi uma surpresa pegar as linhas dessa música para tocar e ver que o Guix (ex-guitarrista, que compôs a lead nessa faixa) inclusive reaproveitou um acorde da faixa do EP para fazer um arpejo. Inclusive foi ele que gravou o interlúdio que conecta a faixa “(vejo fendas)” a esse som. O disco ficou cheio desses encontros temáticos espontâneos.”
Eliton: “Foi a primeira música que a gente criou depois de terminar o “Teto não Familiar”, em 2018.”

A banda participou da coletânea “Tentáculos”, do Selo Preto. O selo foi fundado por integrantes da banda? Poderia falar um pouco mais sobre o selo?
Eliton: “Quando terminamos a gravação do primeiro EP, tínhamos o receio de não nos encaixarmos mais. Na época, entre 2016 e 2018, meu principal objetivo pessoal era tocar longe de casa e as bandas que sonhávamos seguir junto estavam rompendo.
Por exemplo, a Jovem Werther (SP), Nvblado (SC), Desventura (MG), Colligere (PR), e Parte Cinza (RJ) — todas pararam nesta mesma época e acabaram com o sonho de ir acessando as regiões a nossa volta, diametralmente, com as bandas que cantavam chorando. Os selos daqui não tinham banda de grito. Havia a chance de ninguém chamar a gente para tocar. A gente não sabia. Daí, seguindo a escola das bandas que vieram antes da gente: se você não se encaixa, faça você mesmo.
Parece que a De Carne e Flor demora para agir, mas é que a gente vai enchendo a barrinha, estoura e dá especial. É a primeira das minhas bandas que, em uma primeira apresentação, já tinha EP gravado. A gente criou um nome para o coletivo, para batizar esse primeiro evento que a gente organizou, para lançar o Teto Não Familiar e para concentrar a divulgação da nossa atividade.
Este evento passou a se chamar Selo Preto convida e teve oito edições. A coletânea Tentáculos era o compilado das bandas que haviam tocado com a gente durante aquele ano, fizemos dois volumes. O nome é uma alusão aos braços que vão capturando outras criaturas nas profundezas do mar.
O auge foi quando a Cienfuegos lá do Chile entrou em contato para gravarmos o split. Fizemos reuniões online, meio que um comitê, para organizar este lançamento que saiu em 2021. Nos sentíamos muito fortes. A Cienfuegos tem o festival Todos Nuestros Mañanas Terminan Hoy e atuam de forma parecida lá em Santiago. Baita festival lindo, importante e que inspirou muito a gente de termos encontrado uma banda-irmã. Menção honrosa ao coletivo Movimiento Circular de los Árboles do Peru, que está quentíssimo também.
Mais recentemente a Último Semestre, banda de screamo/emoviolence que conhecemos quando tocamos em Campinas, terminou seu primeiro trampo e fez questão que fosse lançado no bandcamp do Selo Preto. Eu até chorei no dia.
Passei muito tempo abatido e frustrado por nunca ter feito cópias físicas para nenhuma banda. Percebi que hoje, na verdade, a estratégia pode ser diferente e eficaz. Sempre que alguém contribui no bandcamp do Selo Preto, eu entro em contato com a banda e transfiro o valor integralmente. A galera não acredita que vai receber um retorno financeiro, na forma de Pix, de alguém que comprou seu trampo na página de um selo digital. Vamos acreditar! Para saber mais dessa humilde trajetória é só acessar @selopreto no Instagram ou selopreto.bandcamp.com.
Deixe uma mensagem para quem não conhece a banda ainda.
Bruno: “Nosso primeiro álbum acabou de sair! Tem instrumentais muito bonitos e gays gritando (coisas bonitas) em cima deles. Foi muito tempo criando e produzindo, agora a gente tá interessado em ver outras pessoas interagindo com ele. Ouçam!
Também agradecemos cada um que ajudou a construir esses sons junto com a gente.”
Eliton: “Para quem quiser ter uma impressão de como é ao vivo, lançamos um vídeo no YouTube com a apresentação na íntegra de quando tocamos na abertura do Touché Amoré, em sua passagem pelo Brasil. O vídeo tem músicas das fases mais antigas das banda e também das novas. Apareçam nos shows que vamos fazer agora, para o lançamento do álbum. Obrigado pelo espaço aqui, todo apoio e carinho. Um beijo!”