Sincronia perfeita: show do The Whitest Boy Alive acontece enquanto o Palmeiras faz história na Libertadores
Erlend orquestra o show do The Whitest Boy Alive na noite da quinta (30). – Foto Por: Rafael Chioccarello
De “Courage” ao pênalti decisivo, o show do The Whitest Boy Alive e a vitória do Palmeiras dialogaram como se estivessem no mesmo ritmo.
Viver em São Paulo nos possibilita coisas incríveis, mas também uma complexidade de eventos que acontecem ao mesmo tempo. Com agenda de shows bombando neste último trimestre, muitos jornalistas e produtores culturais nos confidenciam não estarem conseguindo ter tempo para respirar. Entre shows, festivais, audições, confraternizações e grandes anúncios, o tempo parece se dissolver.
As múltiplas opções de entretenimento acontecem ao mesmo tempo, seja num palco de uma pequena ou média casa de shows, ou até mesmo numa arena moderna multiuso. A noite da quinta (30) foi marcada por dois espetáculos que aconteciam simultaneamente na Av. Francisco Matarazzo. E, sim, isso sem contar a programação do Vila Country.
Um deles tinha todos os elementos de imprevisibilidade, tensão, emoção e luta. O outro, na teoria, poderia ter sido apenas mais uma reunião marcada pela nostalgia, burocracia e a execução apenas do que estava gravado nos discos encontrados nas prateleiras de amantes de música indie. Mas assim como Abel Ferreira, Erlend Øye e seu The Whitest Boy Alive, tinha um plano.

The Whitest Boy Alive entra em campo…
Marcado para as 22 horas, tendo início às 22h15, a apresentação da banda formada em Berlim no ano de 2003 se iniciou no palco da Audio no momento em que o placar do Allianz Parque já marcava Palmeiras 1 x 0 LDU, pela semifinal da Libertadores. Mal eu imaginava o que estaria programado para acontecer.
Talvez nem o torcedor mais otimista poderia prever esse roteiro que tão sincronizado com a apresentação do grupo que tem vocalista norueguês que também integra o conhecido projeto folk Kings of Convenience. No palco, ele atua como uma espécie de regente de uma orquestra. Função esta que, poucos metros dali, foi coordenada por um jovem meia-atacante de apenas 21 anos, Allan.
Vindo da base, e nascido um ano após a fundação do projeto, ele foi o herói improvável da classificação alviverde. Não apenas por conseguir driblar 10 vezes os adversários e bater recordes nas estatísticas do campeonato ou por conquistar um pênalti crucial para o feito palestrino, mas por contribuir com a armação de jogadas e uma assistência providencial que abriu o placar.
Com dois álbuns de estúdio, Dreams (2006) e Rules (2009), o quarteto preza por produzir ao vivo um som orgânico, sem apelar para programações ou samples previamente escolhidos. Dinâmica esta que traz para a apresentação imprevisibilidade, espírito de jam, improviso, maior interação com a plateia e uma maior sinergia entre os integrantes.
Mesmo adentrando o palco ainda tímidos, a confiança e sintonia com os presentes era construída a cada palma que era solicitada e a cada jam e extensão de música que era aplaudida e reverenciada pelos presentes.
As origens e a grande virada
De origens eletrônicas, mas com elementos de funk, jazz e pop, o projeto que nasceu solo, acabou se tornando uma banda. E é até curioso que nos últimos anos Erlend se dedica mais ao seu outro trabalho como solista do que com as reuniões do quarteto ou tem interesse em produzir novas canções para o The Whitest Boy Alive. Como toda regra tem exceção, no mês em que o mundo fechou as portas, o single “Serious” foi lançado (06/03/2020). Isso explica o repertório reduzido, ao todo são 12 músicas autorais e uma versão no BIS para “Show Me Love” da Robin S. Mas isso definitivamente não explica o que foi o show.
As músicas são entendidas, as variações de estilos e solos de cada integrante são um show a parte. Se a primeira vista o carisma do vocalista parece ser reduzido, a partir do momento que se solta, seja posando, sentando no palco para tocar sua guitarra, ou fazendo uma dancinha sem nenhum molejo no quadril, ou sorrindo com facilidade para os presentes.
A noite foi de ficar com um olho no show e o outro na tela do celular. Por volta da metade do show, o Palmeiras chegou ao segundo gol. Para os pênaltis ainda restava um gol, para evitar o drama, restavam dois. Aí que as coincidências mágicas ecoaram em sintonia, feito às melodias incríveis que o tecladista conseguia catalisar.
Momentos mágicos em sincronia
A versão estendida para o maior hit do The Whitest Boy Alive, “1517”, aos 22 minutos do segundo tempo no antigo Palestra Itália, ganhou ainda mais contornos com a jogada do atacante Vitor Roque, que atua como garçom, para o tento de Raphael Veiga, que tem se recuperado de uma fase ruim e ainda marcaria o gol da classificação minutos depois.
Jogando feito música, a equipe de Abel, que completava naquela noite 5 anos como técnico do time, dominava as estatísticas com colossais 70% da posse de bola. Na Audio, o público já estava entregue também, a cada nova música os passinhos eram perceptíveis, feitos como dribles e gritos de olé, estes que nenhum palmeirense naquele momento ousaria soltar na arquibancada.
Lembram do Allan? O meia-atacante apronta daquelas jogadas eternas. De quem luta até o fim. Vai para a beira do campo após tentar a infiltração na área e não desiste, mesmo no meio de três defensores ele vai fazendo a magia que tanto esperamos do futebol brasileiro. Tenta ficar cara a cara com o gol e o equatoriano Gruezo chega atrasado atropelando. Pênalti para o Palmeiras.
Vitor Roque vai para a bola. Parece estar pouco confiante e passa a oportunidade para Raphael Veiga. No momento em que o experiente jogador coloca a bola na cal, The Whitest Boy Alive começa a tocar “Courage”. Do banco de reservas, o então titular quase indiscutível, teve sua redenção marcada justamente para o momento desta canção.
“É o risco que todos nós devemos tomar.
Bem, está claro onde a linha foi partida
Despertei profundamente depois de tanto tempo.
Mas eu não posso oferecer nenhuma ajuda.
Você deve fazer isso por sua conta.”, trecho de “Courage”
A festa de encerramento
Com mais de 40 mil pessoas cruzando os dedos e milhares de outras nas imediações do estádio, em ruas como a Caraíbas, todos os torcedores gritaram com o pênalti de segurança convertido pelo camisa 23. Curiosamente, os alemães se retiram do palco e voltam para o BIS em clima de festa. A versão é divertidíssima com uma progressão de acordes e atmosfera eletrônica envolvente como se estivéssemos na pista de um clube dos anos 2000.
Com o jogo ganho, Erlend comenta para o público que iria dançar junto a um remix de uma música deles que teve polêmica se houve ou não plágio do Daft Punk em “Get Lucky”, no caso estamos falando de “Golden Cage” lançada 7 anos antes. Ele brinca que a deles não fez tanto sucesso. O músico ficou por quase 10 minutos dançando com o público e cumprimentando todos na pista da Audio. Um dos momentos mais legais da noite. Em paralelo, Abel Ferreira, no apito final, abraçava seus companheiros e caía no choro no Allianz Parque em uma das cenas mais emblemáticas do esporte no ano.
Com o show encerrado, ainda rolou pista de dança no outro palco da Audio com direito a B2B de DJs. Um set misturando os protagonistas da noite, num set muito bem pensado, misturando clássicos do indie e das pistas eletrônicas como se estivéssemos num fim de tarde na Heavy Love. Tudo isso com o espírito da Gop Tun.

Setlist The Whitest Boy Alive @ Audio – São Paulo (30/10/2025)
Keep a Secret
High on the Heels
Inflation
Timebomb
Golden Cage (Extended outro (com snippet de “Fireworks”)
Intentions
Serious
Above You
Burning
1517
Courage
Island
Encore:
Show Me Love (Robin S cover)
Golden Cage (Versão remix do Daft Punk com Erlend indo para a plateia dançar)