Firefriend completa 20 anos e lança dois discos de uma só vez: ‘Fuzz’ e ‘Blue Radiation’
Julia Grassetti, baixista do Firefriend. – Foto Por: Tim Schuller
Com 20 anos de trajetória, o Firefriend é referência dentro do circuito de música alternativa brasileiro. Contando em sua formação atual com Julia Grassetti (baixo e vocais), Ricardo Cifas (bateria), Pinhead (synths e teclados) e Yury Hermuche (guitarra e vocais).
Com referências que passam por Sonic Youth, The Velvet Underground, The Brian Jonestown Massacre e Spacemen 3, o grupo lançou recentemente dois álbuns de estúdio de uma só vez, Fuzz e Blue Radiation, pelos selos Cardinal Fuzz (UK) e Little Cloud (USA) com direito a prensagem do décimo segundo registro de estúdio do grupo em vinil.
Fuzz (ouça) foi gravado em São Paulo em um período de apenas quatro dias no mês de dezembro de 2024 após meses de pós-produção e colaborações de músicos da cena paulistana. Já Blue Radiation (ouça), um álbum quase todo instrumental, foi gravado durante a pandemia, na garagem da banda em uma São Paulo estranhamente calma.
Firefriend acaba de voltar de uma turnê pelo Reino Unido com shows em Londres, Bristol, Oxford, Liverpool, Manchester, Leeds, Coventry e no cultuado Glastonbury Psych Fest. Neste sábado (18) o grupo lança dos dois álbuns em São Paulo, no PORTA, com show marcado para às 21h30.

Entrevista: Firefriend
Em 2025 a Firefriend completa 20 anos de estrada. É uma banda que circulou bastante pela cena paulistana, mas que também tem tido bastante alcance global. Como vocês refletem sobre essa longevidade da banda?
Yury Hermuche: “A longevidade não é um mistério. A gente tem muito prazer em ter a banda, em produzir, em tocar, fazer show, fazer festa… Compartilhar e oferecer música para as pessoas. Isso tudo é muito viciante. Então a gente completou 20 anos agora, mas eu tenho quase certeza que ainda vamos fazer isso pelas próximas décadas também.”
Vocês estão se preparando para essa turnê pela Inglaterra, com direito a um festival em Glastonbury. Como estão as expectativas?
Yury Hermuche: “É o Glastonbury Psych Fest. É um festival bem legal que é produzido há algumas décadas lá em Glastonbury. É demais isso, né? Eu cresci ouvindo música produzida na Inglaterra, a Júlia também. Algumas das nossas bandas favoritas são inglesas. Ir pra lá tocar é muito incrível. E ver como eles fazem, né? Agora pra gente é muito bom também porque nossos discos são lançados na Inglaterra desde 2018.
Nosso selo inglês (Cardinal Fuzz) já lançou vários dos nossos LPs lá. Então quando a gente vai tocar é muito diferente do que acontece no Brasil porque o público que tá lá, que vai ver os shows, eles têm os discos. Em geral, as pessoas que escutam LPs tem uma relação diferente com as bandas. Quando a gente vai pra Inglaterra vemos isso. É muito interessante, muito legal.”
Eu já ouvi falar disso mesmo, que inclusive o público lá fora sempre compra merch das bandas que vai assistir. Mas vocês acham que tem alguma coisa nas plataformas digitais como o Bandcamp, que ajudam vocês a conseguir mais alcance no exterior? Ou ter um selo também, principalmente?
Yury Hermuche: “Com certeza, tudo ajuda. Tudo isso que você falou ajuda.”
Julia Grassetti: Em um primeiro momento, eles chegaram a nós pelas plataformas digitais. O nosso primeiro selo, lá dos Estados Unidos (Little Cloud Records) nos achou pelo Bandcamp. As plataformas digitais são essenciais para isso, né?”
Vocês lançaram dois discos em setembro de 2025, Fuzz e Blue Radiation. Começando pelo Fuzz, um disco de sete faixas — todas cantadas, muito voltadas para o rock psicodélico. Como foi o processo de composição desse disco?
Julia Grassetti: “Na verdade, o processo de composição do Fuzz tá muito ligado ao do Blue Radiation. Muitas das nossas músicas surgem de experimentos e jams, como as músicas que a gente lançou no Blue Radiation. Então a gente vai pro estúdio e vamos fazer uma jam. De lá saem ideias, ou às vezes um chega com uma ideia, uma guitarra, um baixo, uma bateria…
Às vezes chega com uma música pronta, mas depende também de como os outros integrantes da banda vão interpretar isso que você tá levando. Então o nosso processo de criação é em conjunto. A gente constrói as músicas juntos e muitas vem de jams.
Então o Blue Radiation e o Fuzz, apesar de eles terem sabores diferentes, eles estão muito relacionados. O processo de criação é muito semelhante. A diferença é que o Blue Radiation a gente tocou aquelas músicas uma vez na vida, gravou e lançou.
O Fuzz a gente tocou essas músicas milhares de vezes, arranjou, rearranjou, mudou de ideia, colocou voz, tirou voz… E produziu e gravou em um estúdio profissional. Tem essa diferença dos sabores, né? Mas eles se relacionam perfeitamente. E o processo de criação é muito semelhante, só depende da etapa em que cada um foi parando.”
Blue Radiation, disco instrumental de 10 faixas, foi feito na pandemia, não é? Como foi esse processo?
Yury Hermuche: “Na pandemia a gente tava morando aqui em São Paulo, que é uma das maiores cidades do mundo, uma das mais barulhentas também. E uma das que têm maior índice de doenças mentais, inclusive. Mas durante a pandemia, São Paulo era uma cidade extremamente silenciosa, não tinha ninguém na rua. A gente dentro das nossas casas, vendo o mundo se dissolver, com um vírus no ar que poderia acabar com a vida de qualquer um de nós.
Isso tudo ficou na nossa cabeça enquanto a gente estava ensaiando, tocando e compondo. Então o Blue Radiation, hoje em dia eu vejo que ele descrevia um pouco essa sensação de que o mundo estava se dissolvendo. Os títulos das músicas, os climas… Esse é um disco muito diferente dos outros que a gente já lançou. Também é um disco muito violento e agressivo, às vezes. E eu acho que isso é um reflexo daquilo que o mundo estava vivendo.”
Julia Grassetti: “A gente não sabia nem se a gente voltaria a poder fazer show alguma vez na vida de novo. Ninguém sabia o que ia acontecer. Naquele momento era tudo que a gente tinha, pode ser que nunca mais houvesse outra coisa além daquilo.
Era um pouco assustador também. E, ao mesmo tempo, era uma forma de sobreviver àquilo. Dava um pouco de esperança. As coisas vão se resolver, vai voltar ao normal. Mas tinha esse embate, né? A gente não sabia o que ia acontecer, se a gente iria sair vivo dali.”
Yury Hermuche: “E eu acho que o disco reflete isso bem. O disco tem essas paisagens bem diferentes e faz a gente pensar.”
Eu concordo, o disco, mesmo sendo instrumental, tem essa tensão do período da pandemia — essa atmosfera pesada mesmo. Acho interessante esse par de discos, de forma que o Fuzz, talvez por ser um disco mais direto, e talvez por ter tido mais tempo na composição, ele parece ser o irmão mais raivoso dentre os dois. O que vocês acham disso?
Yury Hermuche: “Eles são certamente irmãos. Eu sinto que os dois são angustiados e muito atentos com a realidade. Agora cada um deles tem uma forma própria de se expressar.”
Também é curioso que o disco se chame Fuzz, que é um título que já descreve de certa forma o som do disco, já que é um efeito de guitarra, uma distorção bem pesada. De onde veio a ideia desse título?
Yury Hermuche: “A gente gosta muito de rock, né? A gente ama rock. E a gente observa na história do rock que tem um elemento, que desde os anos 50 pra cá ele veio ganhando mais corpo e nesse processo ele foi acompanhando a loucura do mundo também.
A gente chama esse item de Fuzz. Aquele ruído que deixava as pessoas irritadas, ou putas, ou talvez muito extasiadas nos anos 50, ele foi crescendo e isso faz parte do DNA do rock e faz parte do DNA dessa atitude de rebeldia com relação esse mundo progressivamente mais louco e injusto que a gente tá vivendo. Então Fuzz é uma palavra muito simples, mas que remete a muitas coisas e, de certa forma, a gente tá costurado nessas coisas.”
Faz muito sentido. O Fuzz é um dos sons mais importantes do rock, tem vários artistas e discos que fazem referência a ele. O Superfuzz Bigmuff do Mudhoney é um que vem à mente de cara, mas tem vários. De um ponto de vista sonoro, tem alguma referência de som que vocês queriam atingir no disco?
Julia Grassetti: “Nossa, a gente escuta muita coisa, né? A gente vai de John Coltrane até The Velvet Underground, eu tô numa fase muito Jorge Ben, que eu amo. E Black Sabbath… Eu acho que a gente tem a necessidade de colocar essa energia para fora. O Fuzz traduz isso.
Sabe aquela hora que você quer dar um grito? O disco traz isso. A vontade de provocar, de causar alguma coisa em quem tá ouvindo. De não passar despercebido. É isso que o Fuzz traz.”
Yury Hermuche: “É um chamado à ação.”
Julia Grassetti: “É uma provocação. E uma libertação também. Você se libertar e colocar pra fora e se abrir. Tem um pouco disso também.”
Chama atenção também a identidade visual dos dois discos. Até a estética visual que vocês adotaram no Instagram, tudo relacionado ao Fuzz. Júlia, eu sei que você também é diretora de arte, queria entender um pouco da ideia visual dos discos também.
Julia Grassetti: “Nós dois somos diretores de arte. Eu, como na minha “vida real” trabalho muito com isso, acho que na banda o Yury acaba tendo mais essa visão da parte do design da banda. Ele que acabou desenvolvendo muito essa linguagem.”
Yury Hermuche: “Sim, mas a gente faz tudo conversando, né?
A gente sente que, como uma banda de 20 anos de idade, e também muito inspirado nos artistas que a gente ama, a arte das capas são muito importantes. A gente passa meses discutindo como tem que ser uma capa, o que é que pode ser feito, o que é mais interessante. E após 20 anos, a cada novo disco a gente tenta ir para um novo lugar como arte visual também. Esses dois discos novos tem um tratamento que a gente ainda não tinha experimentado nas nossas capas.”
Pesquisando os trabalhos de vocês, eu cheguei no seu livro “RCKNRLL – Outsiders Viciados em Música Procurando Confusão”, Yury, que fala sobre várias bandas da cena alternativa. Recentemente saiu uma edição da newsletter da Amanda Cavalcanti falando sobre como, na percepção dela, São Paulo tem perdido muitos espaços dedicados a música “esquisita”, ou experimental. Queria saber a percepção de vocês também. Passados 10 anos desde o lançamento do livro, que mudanças ocorreram, para o bem ou para o mal, nessa cena alternativa?
Yury Hermuche: “Eu acho que agora está muito melhor do que em 2015. Eu acho que agora tá muito melhor do que antes da pandemia e vejo uma nova geração de artistas, aqui em São Paulo e no resto do Brasil, extremamente dedicada e entusiasmada, levando a sério o trabalho. Então eu sinto que a gente tá num momento de renascimento dessa coisa de cena, sabe? Leva alguns anos para ela ganhar massa crítica, mas eu sinto que a gente tá nesse caminho.”
E se você fosse fazer uma parte 2 desse livro, tem algum artista dos últimos dez anos que você gostaria de cobrir?
Yury Hermuche: “Com certeza algumas bandas que não têm o reconhecimento que merecem.
Existem muitas bandas realmente incríveis que os diretores de marketing acham que podem ignorar, mas que quem gosta de música sabe que merecem atenção. Se eu fosse fazer um novo RCKNRLL, seriam essas bandas que eu procuraria. Mas como ultimamente eu não tenho tido muito tempo para me dedicar a um projeto como RCKNRLL, que exigiu bastante, agora eu tenho feito um zine que eu entrevisto algumas bandas. Depois eu vou mandar algumas cópias para vocês do Hits Perdidos.”
E que dicas vocês dariam para uma banda que está começando e quer fazer música alternativa?
Julia Grassetti: “Não desista. Não desistir é a coisa mais importante que a pessoa tem que ter em mente.
É muito fácil desistir porque é muito difícil ter uma banda. Uma banda independente, de rock psicodélico, você vai entrando no nicho do nicho e é muito difícil. Na minha percepção você tem que ter a sua verdade e fazer algo que você ama. As pessoas que vão chegando, se tiver verdade no que você tá fazendo, elas vão ficar. Elas vão ficando e uma fala pra outra que fala pra outra… E o mais importante, além de não desistir, é você se divertir. Porque se você não se diverte, já não vejo propósito em você continuar.
Você não pode desistir de forma alguma, você tem que se manter firme e é difícil conciliar com os trabalhos, com toda a vida que a gente tem. Você tem que enfrentar. Vai ter gente que vai falar que você tá viajando, vai perguntar por que, dizer que não vale a pena se você não ganhar dinheiro, não vale a pena se você não tocar em festival mainstream. Vale.
Vale muito a pena pelo amor, pela diversão, pelas pessoas que você vai conhecer no meio desse caminho, pela vida divertida que você vai ter. E o importante pra mim é não desistir.
Para encerrar, agora vocês estão abrindo esse ciclo do Fuzz e Blue Radiation ao vivo. O que podemos esperar das apresentações?
Yury Hermuche: “A gente mudou a formação da banda nos últimos quatro meses e a gente preparou um set muito legal que tem material dos nossos últimos oito discos.
É esse show que vamos levar para a Inglaterra e vamos tocar aqui no Brasil também quando voltarmos. Mas o nosso maior projeto agora é gravar um novo disco com essa formação. É nisso que a gente tá focado agoraa.”
Julia Grassetti: “A gente pretende em breve já incluir músicas novas. A base do set é muito em cima do Fuzz, com algumas outras músicas. Mas agora a gente quer criar coisas novas.”
Firefriend em São Paulo
Onde: PORTA (@_____porta_____)
Endereço: Rua Horacio Lane, 95
Horários: 20h – FESTA lançamento novos LPs | 21h30 – SHOW
Ingressos: firefriend.com
