Pavement faz show histórico, nostálgico e emocionante no terceiro dia do C6 Fest
É impossível começar esse texto sem falar sobre a expectativa sobre o terceiro dia do C6 Fest. Se o segundo dia foi mais morno e com line-up menos vistoso que na edição de estreia, um desafio já aparecia desde o anúncio dos horários: um festival de shows encavalados, com o fã muitas vezes tendo que “sacrificar” uma atração que gostaria muito de ver.
Foi o caso, por exemplo, das apresentações de Pavement e Young Fathers, que a distância de 10 minutos entre palcos, e a Tenda Metlife tendo capacidade para apenas 5 mil pessoas, impossibilitava o translado fazendo como aquele lugar privilegiado tenha que ter sido “adquirido” ao menos uma hora antes já que as árvores, que ironicamente até poderiam figurar uma capa de disco dos indies, eram obstáculos para quem ficava mais ao fundo.
Com início bem mais cedo, em relação ao sábado, a apresentação escalada para abrir o dia foi a do Jair Naves. O dia, na teoria, mais indie, visivelmente trouxe muito mais público que o dia anterior. Uma prova de que o festival ainda tem que entender quais públicos mira e quais acerta. Já que a programação além de priorizar artistas de diferentes continentes, acaba passando por gêneros como jazz, pop, indie, R&B, música latina e ritmos afro-diaspóricos.
É bem verdade que alguns shows do domingo, caberiam muito melhor, no sábado. Casos mais latentes foram o da Noah Cyrus, irmã da estrela do pop com sonoridade pop genérica que não dialogou com nada do dia, e de Daniel Caesar, que podia ter fechado sábado.
A expectativa de público dos palcos também poderia ser melhor, se, por exemplo, Paris Texas, com apenas 6 anos de carreira, e público em formação no país, fosse para a tenda menor, enquanto, Pavement para a Arena Heineken. Principal atração do dia, acabou ficando refém de um palco pequeno como se estivessem indo tocar no Lollapalooza de 1995. O Pacubra, palco eletrônico que causou tanta curiosidade na primeira edição, por sua vez, ficou bastante vazio, uma pena.
A história da música brasileira teve maior protagonismo no segundo dia, com DJ Meme representando a música eletrônica e o mega show, Baile Cassiano, homenageando um dos maiores músicos da soul music brasileira, com direito a direção do Daniel Ganjaman, participações especiais de nomes como Kamal, Negra Li, Preta Gil, Liniker, Luccas Carlos e uma senhora big band para acompanhar com arranjos belíssimos.
Repertório exclusivo de 1 hora que coloca alguns festivais de marca com propostas de exaltar a música brasileira no bolso.
Com estilo irreverente, que mistura o rap old school, de nomes como Dr. Dre e Tupac, com uma gama de referências em sua base que vão do punk ao indie eletrônico, o som deles ganhou popularidade há alguns anos por conseguir dialogar com trabalhos de artistas como OutKast e King Krule.
É bem verdade que o duo formado por Louie Pastel e Felix, em Los Angeles, está junto tem pouco tempo. O projeto nasceu em 2018 e tem até o momento apenas dois discos lançados, BOY ANONYMOUS (2021) e MID AIR (2023).
Com formato bastante enxuto, eles tiveram a missão de tocar em um palco enorme no meio da tarde, enquanto o festival estava ainda enchendo, o que não foi exatamente um desafio para eles, que vieram acompanhados de um DJ bastante carismático que é quase que um terceiro elemento da banda. Ele contribui bastante para a apresentação, tanto pulando pelo palco como cantando alguns versos e sendo uma espécie de Bob Nastanovich dos californianos. Felix, por sua vez, entra vestindo uma camiseta do Napoli de Maradona, com Jesus Cristo bordado.
Para eles não existe mau tempo, nem mesmo perdem tempo. O DJ até ousa chamar as presentes para vê-lo depois do show. Sem tempo para respirar entre as músicas, e pingando de calor, o duo é enérgico e se mostra aberto a abraçar o público a cada interação. Não foi por acaso que na última música eles pedem para abrir uma roda no meio da multidão, o DJ e Felix descem, um roadie é escalado para dar o play, e Louie Pastel fica assistindo à bagunça do palco enquanto o público engole ambos na roda.
O estilo híbrido das batidas e proposição sonora em alguns momentos me ressoa as experimentações de grupos como H09909 e Crystal Castles, o rock também acaba sendo usado em vários momentos. Eles até tem uma música chamada “Lana Del Rey”, o que mostra como brincar com a cultura pop está dentro do DNA.
Para muitos o Squid foi uma grata surpresa. Para quem acompanha já a algum tempo o revival do post-punk britânico, um sonho sendo realizado. O som deles é uma tremenda mistura, além do estilo consolidado em Fac 51 Haçienda, eles misturam new wave, post-rock, math-rock, krautrock, ambient e rock experimental.
De Brighton, o quinteto que conta com Ollie Judge, nos vocais e bateria, Louis Borlase e Anton Pearson, nas guitarras, Laurie Nankivell, no baixo e o tecladista Arthur Leadbetter, lançou em 2019 seu EP de estreia e em 2021, seu debut, Bright Green Field, chegando ao quarto lugar das paradas britânicas.
O grande conhecimento do público fora do UK veio com o segundo disco, Monolith. A estranheza do som se mostra já nas referências estéticas deles que passam pela sonoridade grupos como Neu!, The Heat, Pavement, The Fall, Talking Heads, entre outras preciosidades do experimental.
Equilibrando o repertório dos seus dois discos, com set curto e músicas longas, o show acaba tendo apenas 8 músicas. Mas nem por isso perde a sua potência. A explosão sonora é um alento para quem gosta de música experimental e transcende gêneros musicais, com direito a ter um vocalista baterista que conduz sua pequena orquestra experimental – mas que também sabe a hora de ceder o protagonismo dos vocais com seus parceiros de banda.
O Squid bate tudo no liquidificador e muitas vezes ressoa como um. A alquimia de sons é tanta que observar o público encantado com as sobreposições sonoras acaba sendo um ingrediente da apresentação para os presentes. Tudo tocado muito alto, com variedade de soluções e entrega dissonante para não deixar nenhum fã de música de garagem de barriga vazia.
Surpreendeu até mesmo a velha guarda do indie presente. Um desafio que tiraram de letra. E que voltem para um show solo, ou em um festival menor, irão ser abraçados. Fez valer quem chegou cedo.
Ver Cat Power cantando músicas de outros artistas não é exatamente uma novidade. Mas ver um show especial que não viria ao Brasil com tanta facilidade, sim. Aliás, na coletiva de imprensa do C6 Fest, eles contaram que foi a primeira vez que o espetáculo saiu do lugar de origem – e isso foi um elemento que criou uma boa expectativa para essa apresentação. Todo mundo sabe do refinamento e como as bandas que a acompanham sempre tem músicos do mais alto calibre – e desta vez não foi diferente. Chan mesmo fez questão de exaltar isso.
O desafio de interpretar Bob Dylan, em um período bastante sofrido de sua carreira, com ele estando vivo, acaba não sendo uma homenagem, mas uma reverência. O músico que ajudou a moldar o rock nos EUA, tendo vindo do Folk, tem músicas memoráveis e muitas daquelas imortais.
Ver Cat Power cantar clássicos como “Mr. Tambourine Man” e “Like a Rolling Stone”, até para quem não é tão íntimo das canções de Dylan acaba servindo como um abraço. A delicadeza da voz e os arranjos, transformaram aquela tenda apertada em uma espécie de show em um teatro. Algo próximo da proposta original do concerto, se formos parar para pensar. Um show daqueles para guardar na memória.
Com ingressos bastante concorridos, a programação de Jazz do C6 Fest teve seu sold out com uma boa antecedência e um dos shows mais esperado é este grande encontro que é o Dinner Party. O projeto conta com o mais alto nível do jazz estadounidense tendo como integrantes nomes do calibre de Kamasi Washington, Robert Glasper, Terrace Martin e 9th Wonder.
Após lançar um EP em 2019 veio o primeiro disco, Enigmatic Society (2023) mas o foco da apresentação, além de passar pelo repertório dos músicos, partiu para uma grande “jam” com direito a muito improviso, sentimento e homenagens ao Brasil.
Inclusive, trouxeram um guitarrista brasileiro que reside no exterior tem muitos anos, mas que quando pega o microfone diz: “Quem aí é da ZL?” antes de tocar uma versão do hino nacional em que a banda encoraja o público a cantar junto.
Eles ainda deixam dois coelhos na cartola como tempero para a apresentação. O primeiro é a participação especial de James Fauntleroy, compositor e produtor que compôs hits para artistas como Rihanna, Bruno Mars, Cardi B, Justin Timberlake, Kendrick Lamar, além de ter trabalhado ao nome de nomes como Frank Ocean, SZA, Beyoncé, Jay-Z, Travis Scott, Vince Staples, Chris Brown, John Mayer, J. Cole e o canadense Drake.
A última cereja do bolo foi o momento onde cada um dos integrantes pode performar um solo, a partir daí a casa veio abaixo. Principalmente nos solos de metais e no de bateria, este último bastante aplaudido pelos presentes. Fecharam o C6 Fest com chave de ouro e como eles mesmo brincam no começo do show “sem deixar ninguém de barriga vazia”.
Comunhão. Talvez essa seja a melhor palavra que defina o que foi o show do Pavement no C6 Fest. Após se apresentarem no longínquo ano de 2009, no Planeta Terra, que acontecia lá no Playcenter, em meio a rumores de uma possível nova pausa na carreira, o Pavement subiu no palco após se apresentar na Argentina, no Uruguai e no Chile – em noites também memoráveis.
A Tenda Metlife ficou pequena para um público repleto de figuras carimbadas dos anos 90 e 2000 da cena brasileira. Não foi por acaso que logo ao entrarem no pequeno palco da tenda eles fazerem uma justa homenagem à produtora mineira Fernanda Azevedo, uma das responsáveis por trazer bandas como Tortoise e Superchunk, pela primeira vez ao país, e abrir portas para a cena das chamadas “guitar bands” no país. Ela que nos deixou nos últimos dias. E logo veio “Grounded”, como um bom aquecimento para uma sequência memorável de hinos de garagem.
Bob Nastanovich, uma figura a parte na apresentação, já subiu no palco durante a montagem do palco e foi celebrado pelos que aguardavam minutos antes. Ele que chegou usando uma camiseta do time de basquete Milwaukee Bucks. Talvez a melhor parte de todo set de 20 músicas do Pavement foi justamente a atitude do seu vocalista.
Se anos atrás Stephen Malkmus tinha lá suas desavenças com os outros integrantes pela falta de comprometimento com o projeto, ele pareceu solto, sorridente e até brincando por diversas vezes com a sua guitarra. Com aquele espírito indie jovem da casa dos 20, só que a poucos dias de completar seus 58.
O Pavement não deixou o público respirar, depois de “Silent Kid”, faixa que abre Crooked Rain, Crooked Rain (1994), eles já emendaram com “Summer Babe” e “Kennel District”, o que para os fãs mais saudosos era tudo que eles queriam.
Os blocos de canções vieram justamente com aquela dose de veneno, a quinta música foi “Shady Lane” que praticamente se emendou com “Range Life”, música que irritou até mesmo Billy Corgan, que queria acabar com eles no soco (saiba mais). O lado áspero da banda é conhecido, basta lembrar do Lollapalooza de 1995, quando foram arranjar confusão com os rednecks – fãs do Limp Bizket – e rendeu… no palco foram arremeçados todos os tipos de objeto (assista aqui).
Depois de “Unfair” e “We Dance”, no qual Bob dançou uma valsa torta acompanhado de uma mulher, vem uma sequência com “In the Mouth a Desert”, “Trigger Cut” e “Two States” para deixar o clima de naftalina ficar ainda mais vivo. A entrada da percussionista na banda também deu um gás para a performance. E Bob, bom Bob com seus gritos, pulos e encenação deixa toda a proposta anti-pop do Pavement ainda mais real. Do tipo eles estão ali mesmo. Grande figura.
“Type Slowly” dentro do setlist foi uma grata surpresa. Daqui para o final foi uma sequência para não colocar defeito. Começando por “Gold Soundz”, uma em que este que voz escreve não conseguiu segurar a emoção. E aqui vem uma experiência bastante pessoal em como a música foi se ressignificando ao longo dos anos parar mim. Com 20 anos tinha uma leitura, com 30+ é outra. E isso é engraçado justamente por ser o Pavement que tem letras tão non sense ou muito específicas de delírios de Malkmus.
Algo a se atentar foi os detalhes que eles quiseram trazer para a apresentação. As projeções eram assinada pelo artista visual cearense já falecido Leonilson. Um dos momentos mais emocionantes e marcantes do show, daqueles que vamos passar anos lembrando, foi justamente quando tocou “Stereo”.
Se essa música era hino das baladas dos anos 2000, o momento em que o público começa a pular ao mesmo tempo, ficará na memória. Por todos aqueles anos, por todo hoje, por tudo que a música representa nas nosas vidas.
Se algum dos presentes não tinha deixado cair uma lágrima sequer, foi nos primeiros versos de “Here” que desabou. Melancólica, precisa e intospectiva, a música toca os fãs justamente por esse lado mais vulnerável. Foram os detalhes que deixaram aquele aperto da Tenda Metlife aconchegante. Antes de tocar “Cut Your Hair” eles dedicam “Cut Your Hair” as vítimas das enchentes de Porto Alegre.
É até irônico pensar que “Harness Your Hopes” após improvavelmente viralizar no TikTok rendeu um disco de ouro para o Pavement mas aconteceu. Para quem não está tão familiarizado com a discografia da banda de Stockton, a faixa é um B-Side, lançado na re-edição do Brighten the Corners. E, claro, publicamos um vídeo por lá deste momento.
A tríade final também foi para esquentar os corações dos indies, na maioria na casa dos 40, presentes. Com “Box Elder”, a balada angustiante “Stop Breathing” e a rasgada “Frontwards”.
Um show emocionante, que claro, poderia ter tido um BIS com “Spit On a Stranger”, “Perfume V”, “Zurich Is Stained” e “The Hexx” mas não foi dessa vez. Que esse disco de ouro anime eles a continuar e quem sabe eles voltam. Eles prometeram no palco mas sabemos que 40 anos depois do começo tudo fica um pouco imprevisível de garantir.
Grounded
Silence Kid
Summer Babe
Kennel District
Shady Lane
Range Life
Unfair
We Dance
In the Mouth a Desert
Trigger Cut
Two States
Type Slowly
Gold Soundz
Stereo
Here
Cut Your Hair
Harness Your Hopes
Box Elder
Stop Breathin
Frontwards
This post was published on 21 de maio de 2024 11:18 am
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