Festival Turá 2023 vai do samba ao funk, da MPB ao forró para contar a história do Brasil
Festival Turá 2023 reuniu 30 mil pessoas durante os dois dias de festival
Uma vez ouvi que o Primavera Sound tinha uma curadoria ímpar justamente por cada line-up contar uma história. E de fato quando olhamos para programações que fazem um mix de estilos, referências e posicionamentos, cada um tem seu enredo bastante particular. A primeira edição do Festival Turá, realizado no Parque Ibirapuera em São Paulo, em 2022, definitivamente conta uma história bastante diferente da realizada no último fim de semana no mesmo local.
Tendo Bloco Pagu, Lucas Mamede, MU540, Maria Rita convida Sandra de Sá, MC Hariel, Zeca Pagodinho e de Jorge Ben Jor, no primeiro dia. E A Espetacular Charanga do França, Tuyo, Delacruz convida BK’ & Luccas Carlos, Pitty convida Marcelo D2 e Céu, Joelma convida Mariana Aydar e Gilberto Gil & Família no segundo.
Idealizada pela Time For Fun, o festival reuniu 30 mil pessoas e contou um pouco mais sobre a diversidade de ritmos e locais de fala de um Brasil plural e repleto de particularidades mas que como um todo trás a alegria e as pequenas vitórias do dia a dia para o primeiro plano.
Algo que também contribuiu positivamente para a experiência, embora com valores salgados, foi a gastronomia. O festival reuniu no line-up de restaurantes a Rota do Acarajé, o Consulado Gaúcho, o Fôrno, a Casa Tucupi, o Mocotó, do Chef Rodrigo, do Masterchef, o Consulado Mineiro, além da Camélia Òdòdó, restaurante de Bela Gil. Também estiveram presentes, food trucks com opções variadas de sucos, açaí e lanches.
O clima do Festival no Parque
A sensação é de que o local do festival ficou pequeno para o fluxo de pessoas no evento. Os poucos caixas e longas filas, foram reclamações dos presentes. Principalmente após às 18h de cada um dos dois dias, quando a maior parte chegava no local para assistir aos headliners. O festival cresceu demais logo em sua segunda edição? Eis uma questão. A pista vip, reclamação constante no Twitter, dentro dos festivais voltou a marcar presença, num molde menos pior que o do Mita, é bem verdade, mas não menos segregador para este tipo de evento.
De pontos positivos tivemos ativações de marcas, a Hering deu sorte que o calor e sol aberto do fim de semana, fez os bonés que distribuírem serem um sucesso entre os presentes. A Jameson, deu óculos de sol para alguns sortudos que pegaram fila para participar da ativação.
O pessoal, não gostou muito da tal Corona, atração confirmada no Primavera Sound São Paulo, e era possível ver mais pessoas com drinks do que com cerveja, com drinks a partir de R$28 e uma unidade da cerveja a R$18, não era difícil pensar no custo benefício. Afinal de contas, ninguém queria enfrentar as filas dos banheiros. Estes que apesar das filas, contou com sabonete do começo ao fim (o mesmo não pode ser dito para os papéis para secar as mãos – já que é um festival que prega pela sustentabilidade, caberia um a ar, não é mesmo?).
Em geral os shows nos dois dias começaram no horário, com excessão dos headliners, um fato inusitado foi faltarem 7 minutos para encerrar e o Jorge Ben Jor ter sua última música vetada pela produção, fato que gerou comentários como: “quem faz isso com o Jorge Ben?” mas são coisas de festival. Tudo certo. Segue o jogo.
O Primeiro dia do Festival Turá 2023 em São Paulo
O festival teve um clima de verão fora de época e foi bastante interessante o carnaval abrir os dois dias de festival, mesmo naquele horário ingrato debaixo de sol das 13h, Bloco Pagu, no sábado, e A Espetacular Charanga do França, no domingo, abriram alas para quem se deslocou até o Parque Ibirapuera, sentir o gosto da folia e sentir saudades de uma das melhores festas do calendário brasileiro…em plena época de festa junina.
Depois do mini bloco, Lucas Mamede subiu no palco em um show bastante “soft pop”, por assim dizer, com direito a piseiro e até mesmo homenagem a Alceu Valença. Ele deve ter passado um tremendo calor com o outfit em linho que escolheu para a apresentação. Foi também sua estreia em festivais tendo lançado seu debut, Já Ouviu Falar de Amor?, em fevereiro.
Dois artistas tiveram o papel de trazer no primeiro dia o som das periferias da urbe para o centro da roda. Foram eles, o DJ MU540, que no mesmo dia ainda se apresentou em Bauru (SP), e que voltou de Paris recentemente para divulgar a explosão de movimentos como o trap, o funk, a musica eletrônica e o jersey club dentro da chamada música urbana. Seu set foi bastante coeso e tentou mostras as diferentes facetas dos estilos que percorre. No próximo um nome interessante seria o do Deekapz.
Já MC Hariel teve o desafio de se aproximar de um público que definitivamente não era o seu e ele se esforçou bastante. O funkeiro tinha algumas cartas na manga, uma delas o carisma, ele até disse “sou o representante do funk num festival indie”.
“Estou até agora felizão com tudo que aconteceu. Meu gosto por Jorge Ben veio por influência do meu pai e estar ao lado de um ídolo como ele, em um festival dessa grandeza, é um sonho realizado. Sou muito fã do cara.”, contou sobre poder dividir o mesmo palco com o ídolo
Como disse, o homem com cabelo na régua, tinha cartas na manga e aproveitou para tocar o hit, “Eu só quero é ser feliz”, do Cidinho & Doca, conseguindo se aproximar de um público de festival. Importante a representatividade e cada vez mais chegar a esses espaços. Com funk consciente ele aproveitou ainda para homenagear seu amigo MC Kevin, falecido em 2021.
O samba definitivamente foi o grande protagonista do dia mas nem por isso deixou de ter temperos de outros estilos. Maria Rita trouxe para sua roda a graciosa Sandra de Sá, um dos principais expoentes do R&B nacional, em um show com muita presença de palco, muitas trocas entre os artistas e com direito a um pôr-do-sol para brindar.
Nada foi maior do que a presença dos dois grandes headliners do dia. Zeca Pagodinho, dispensa apresentações, e sua banda é implacável por si só. Sem olhar um para o outro o entrosamento é notório. Falou em hits? Não faltou nenhum para deixar os 15 mil presentes emocionados. Na plateia era possível ver famílias inteiras e o clima contagiou. Zeca, por sua vez, levou taças de água, de vinho e de cerveja (essa não poderia faltar) e brindou não somente o público, como também seus Orishas.
Noite marcada por apresentações de dois imortais da música carioca. Jorge Ben Jor, entrou um pouco atrasado, é bem verdade, mas logo nas primeiras canções já ganhou o público. Com um repertório de música que ajudam a explicar para qualquer um a essência da música brasileira, teve espaço para “País Tropical”, “Taj Mahal”, uma versão para “Do Leme ao Pontal”, de Tim Maia, “A banda do Zé Pretinho”, “Magnólia”, “Chove, chuva”, “Take it Easy My Brother Charlie”, entre um repertório em que poderíamos dançar em uma festa a noite inteira.
Com uma banda jovem mas bastante afiada, você consegue ver como ele rege sua mini orquestra. Em um momento até para o show para um breve ajuste de ponteiros. Afinal de contas quem faz isso a mais de 60 anos, preza pela qualidade da entrega acima de tudo. Um baile para uma noite onde o céu limpo fez a lua brilhar no parque.
O Segundo dia do Festival Turá 2023 no Parque
Depois d’A Espetacular Charanga do França marcar presença num mini palco montado especialmente para ficar mais perto do calor do público num dia de céu aberto onde o sol castigou, eles trouxeram para a fanfarra, um pouco do axé, um pouco do samba, um pouco do calor da rua, entre batuques e um afiado time de metais regidos por Thiago França.
Ver a Tuyo conquistar cada vez espaços maiores é sempre algo que serve como inspiração para jovens ao redor do país. Depois do Lollapalooza Brasil, em março, agora em junho foi a vez do Festival Turá 2023 mostrar a potência do trio paranaense para um novo público. O carisma e o lado teatral da apresentação que tem o tom minimalista, ganha cores com os telões e percussão que Lio trás para o centro do palco, algumas vezes durante a apresentação.
O ontem e o hoje, mostram o desenvolvimento do repertório ao longo dos últimos 5 anos, naquela época oficialmente eles só tinham um EP, e como é bom ver o desenvolvimento de parcerias, a chegada a BMG, a construção do show e os voos que ainda estão para vir.
Assistir a intensidade com que Jean canta “Sonho Antigo”, uma canção tão pessoal, mostra como é importante a batalha de cada dia. Eles mereciam um horário melhor na grade de programação mas eles estão conquistando aos poucos cada vez lugares mais altos já que a entrega sempre se faz de uma conversa sincera e próxima com quem investe uns minutinhos para ouvir “a palavra da banda Tuyo“, como a vocalista costuma falar.
O show logo no seu final ainda teve um momento bastante único e simbólico já que era aniversário da Lay, eles prepararam uma surpresa levando um bolo para o palco como podem ver no vídeo abaixo.
Bolo de Aniversário para a Lay no show da Tuyo (@oituyo) aqui no Festival Turá (@festivaltura) pic.twitter.com/UAn4krr5fs
— Hits Perdidos (@HitsPerdidos) June 25, 2023
Logo após um set de DJ’s, para quem nunca foi no Festival Turá eles tem essa dinâmica de colocar DJ’s entre apresentações, algo que nem sempre funciona, tivemos a participação do rapper Delacruz, diretamente da zona norte carioca, que trouxe para a apresentação BK’ e Luccas Carlos. Ainda teve espaço para o Marcelo D2 subir no palco para filmar o encontro. O show foi morno, não pela entrega dos músicos mas pelo público não se conectar, uma pena.
O que aconteceu com sobra num dos shows mais esperados do dia que era o da Pitty. Levando para o palco um misto entre hits do álbum Admirável Chip Novo, que completa 20 anos em 2023, com hits de outras eras, a banda baiana recheou seu set com músicas feitas para cantar junto. Abrindo com “Teto de Vidro”, com direito a “Máscara”, “Na sua Estante”, “Equalize”, “Semana que Vem” mas o que deixou o show mais especial foram as participações especiais de Céu e Marcelo D2.
Pitty introduziu Céu e juntas cantaram “Varanda suspensa”, canção da paulistana que trás elementos do reggae, em seguida ela continua no palco e cantam “Me Adora” intercalando os vocais, um dos grandes momentos do dia. Após tocar “Memórias”, a artista baiana fala sobre amizade, cumplicidade e parceria, reflete sobre como a vida os juntou e como é um elo celebrado, entre no palco Marcelo D2.
Ele lembra que além da carreira de rap e samba também integra o Planet Hemp, juntos cantam “Mantenha o Respeito” com direito a inversão de vocais. D2 lembra que no primeiro encontro entre eles, ainda com a banda Inkoma, Pitty fez um cover da banda de D2 – e ela se diz surpresa pois não se lembrava do fato. Ele continua no palco e cantam juntos com arranjos de rock “Qual é?”, talvez o maior hit radiofônico da carreira do rapper carioca em um dos momentos mais VMB do dia.
O dia foi delas, Gal Costa e Rita Lee, se em memórias tradicionalmente Pitty já traz riffs de “Ando meio desligado”, dos Mutantes, ela chama de volta para o palco Céu e Marcelo D2 para cantar “Divino maravilhoso”, canção imortalizada por Gal Costa, ela que viria a ser homenageada no show de Gilberto Gil & Família, com canção dos Doces Bárbaros no set.
Tem um Calypso no meio do Festival Turá 2023. Feito um cometa do Pará, Joelma foi uma das grandes surpresas do line-up diverso da segunda edição paulista do festival que terá sua primeira edição em Porto Alegre no segundo semestre. Com direito a dançarinas, bom humor, roupa cheia de tachinhas e a participação de Mariana Aydar (que canta junto “Voando pro Pará” e “Frevo mulher”), a apresentação foi marcada pela fala de Joelma que disse “O Brasil precisa conhecer mais do Brasil. Somos plurais e tem muita coisa boa em todos os cantos.”. Show faz parte da turnê Isso é Calypso na Amazônia, onde ela canta o repertório da antiga banda com seu ex-marido.
Era possível ver perto do palco uma bandeira do Pará sendo erguida e o show colocou muitos presentes para dançar com seus pares. Um acerto em um festival que queria contar uma história que fosse de norte a sul – mas que ainda tem outros brasis para evidenciar nas próximas edições.
Mas o momento mais especial do Festival Turá em sua edição 2023 definitivamente foi o encontro de Gilberto Gil & Família. As razões são vastas, desde celebrar a vida deste imortal da música brasileira, como a própria Preta Gil diz em seu discurso empoderado em que cita a batalha contra o câncer, sua bissexualidade, sua negritude, o fato de ser uma mulher gorda e sua resistência em existir. Emocionante o discurso, vale dizer, ela foi liberada nas vésperas pelo médico para poder se apresentar. Dentro do repertório da família ela cantou suas músicas próprias, “Sinais de Fogo” e “Vá se benzer”.
Outro motivo de celebrar a vida foi o fato de que Gilberto Gil nesta segunda-feira completa 81 anos, e João, que compõe os Gilsons, assopra as velinhas pelos 33 anos hoje. Tanto que no final eles fazem um parabéns coletivo com todos integrantes da família no palco. Dos Gilsons, com direito a participação do patriarca da família, eles cantam juntos o hit “Várias Queixas”.
O show fica especial a cada novo momento…nos mínimos detalhes. Seja na entrada de Beto Lee, afiliado de Gil, para tocar junto “Ovelha Negra”, de Rita, com direito ao coral de mulheres da família emocionando a todos, ou quando Flor Gil, filha de Bela Gil, canta “Garota de Ipanema” (Tom Jobim) com a entonação perfeita. Em “Esotérico”, dos Doces Bárbaros, Gil homenageia Gal Costa que costumava assumir os vocais desta, e lembra da verdadeira paixão pela amiga. A filha mais velha de Gil, Nara de Aguiar, canta a música feita para sua mãe em um dos momentos mais delicados da apresentação, sendo a riqueza do repertório a grande chave.
Uma versão para “Nossa Gente (Avisa lá)”, do Olodum, assim como clássicos como “Palco”, “Vamos Fugir”, “Nos Barracos da Cidade” e “Toda Menina Baiana” não ficam de fora da apresentação em família.
Sair de lá foi como conseguir ver tanta coisa diferente ao mesmo tempo que às vezes nos esquecemos quantos brasis, histórias e vivacidade existe em cada um dos nossos encontros. Ainda mais estando em uma cidade cosmopolita como São Paulo, onde a cada esquina existe uma história de quem veio de longe para brilhar.