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recreio apresenta “Passarinho”, que dá nome ao disco “Tiranos Melancólicos”, no palco do Agulha

Em setembro, a banda recreio, de Porto Alegre (RS), lançou o disco Tiranos Melancólicos de maneira independente (Ouça). O grupo de rock alternativo que em seu som coloca no liquidificador referências dos anos 90 e 00 apresenta hoje em Premiere no Hits Perdidos uma live session para “Passarinho”. O material registrado no palco do Agulha acaba sendo de certa forma simbólico já que é justamente uma ave que dá nome ao primeiro registro de estúdio da banda que nasceu um pouco antes do período da reclusão pandêmica.

Integram o quinteto Arthur Valandro, André Garbini, Bernard Simon, Gabriel Burin e Ricardo De Carli, a banda conta com integrantes da Soundlights que chegou a lançar o EP Sons que vêm do Sítio via Lezma Records.



Entrevista: recreio sobre Tiranos Melancólicos

Conversamos com a recreio para saber mais detalhes de Tiranos Malencólicos.

O processo de reunião de vocês, produção e até mesmo na criatividade para desenvolver os videoclipes foi bem D.I.Y. e além de traduzir o momento do encontro, acabou dizendo um pouco mais sobre o período de incertezas da pandemia e do ofício da arte. Contem mais detalhes da concepção de cada pedacinho do projeto que deu origem ao Tiranos Melancólicos?

Ricardo De Carli: “O Tiranos Melancólicos começou como um repertório de canções do Arthur em voz e violão, lá por 2019. Inicialmente nosso plano era produzir e gravar o disco em 2020, mas, como pra todo mundo,  a pandemia colocou um grande freio no nosso projeto. Durante esse período, tomamos tempo para debater bastante sobre os temas do repertório, como abordá-los na produção musical, mas sempre também sonhando com o tão esperado momento de realizar clipes e shows.

Por vezes pensamos que, se tivéssemos produzido o disco lá em 2020 o resultado teria sido totalmente diferente. Apesar de que qualquer cenário da vida é impossível de imaginar sem esse cenário pandêmico, sentimentos que o Tiranos Melancólicos foi afetado de uma forma extremamente crucial tendo em vista que ele nasceu de fato durante esse período, apesar das composições terem vindo anteriormente. A atenção do grupo voltada de uma forma quase exclusiva pro repertório possibilitou a criação de uma intimidade e afeto coletivo pelas canções é sem precedentes nas carreiras musicais de cada membro do projeto.

Sinto que o disco teve uma certa ambição de propor algo denso, que se estendesse pra além da música. Ao escutarmos nosso trabalho, por vezes parecia uma trilha para um musical que não existe, ou o enredo de um livro de realismo fantástico. O conceito do álbum é baseado no processo de migração de um pássaro, o Suiriri (Tyrannus Melancholicus), mas isso se desdobra poeticamente pra questões socioculturais e ambientais. Então nos pareceu natural elaborar também um universo visual que envolveria as capas e encarte, figurino, cenografia e clipes que ilustrassem o Tiranos Melancólicos.

A pandemia afinou muito nossa interação e escuta, reconhecemos que esse acolhimento do coletivo foi algo essencial pro nosso trabalho criativo. Tanto as ideias quanto a execução em si dos clipes e capas tiveram origem em nossas trocas como grupo. Nosso trabalho tem uma abordagem experimental e lúdica, gostamos de colocar a mão na massa. A partir da segurança que encontramos no grupo, fomos deixando os desejos e associações voarem e começamos a realizar estes elementos visuais.

Fomos escolhendo e expandindo elementos presentes no repertório para conceituar os trabalhos visuais. Por exemplo: A capa do disco (orientada e proposta por Gustavo Poester) foi feita a partir de desenhos coletivos, embaralhando a autoria, como numa revoada de pássaros. Para o clipe de Empatia, nos propusemos a experimentar uma nova linguagem numa dinâmica de corpo, deixando os instrumentos de lado. Já em Fumaça Pura, decidimos realizar um filme que apontasse de forma mais livre e fantástica para construções de masculinidade (os paralelos entre os pontos migratórios do pássaro, que vão de Rio Grande Valley of Texas, EUA, até o Rio Grande do Sul, Brasil), bem como um jogo entre ficção e documentário.”

Aliás, o que seria um tirano melancólico para vocês no contexto do disco e como isso acaba refletindo ao longo da obra? E como que o pássaro citado acaba ajudando a transmitir, simbolizar ou a contextualizar o que queriam passar?

André Garbini: O Tirano Melancólico é a figura que surge através da própria existência do Suiriri (tyrannus melancholicus) e da sugestividade do seu nome científico. É uma personagem masculina, opressora, que ao não compreender e lidar com a sua própria melancolia, recorre à tirania.

A migração do pássaro também ajuda a construir a narrativa do álbum, sendo o fio condutor a sua jornada através do continente americano, iniciando seu processo migratório no Rio Grande Valley of Texas e chegando no Rio Grande do Sul, onde, segundo folclore local, ele morre.

Essa viagem do Suiriri já levanta uma série de questões em relação a referências musicais norte americanas e o colonialismo, bem como questões ambientais quando imaginamos um voo sobre o Brasil e o que é visto. O nome do álbum não poderia ser outro, visto que toda a costura entre os temas abordados no disco, bem como a própria gênese das canções, clipes, figurinos e performances, surgem dessa pesquisa feita pelo Arthur Valandro e pelo Gustavo Poester acerca dos pássaros do RS e dos desdobramentos gerados pelo reconhecimento do Suiriri e do seu nome científico tyrannus melancholicus.”


recreio lança álbum de estreia “Tiranos Melancólicos” – Foto Por: Danilo Christidis

Vocês comentaram para o Martín Scian, que mixou o disco, que gostariam que o material passasse a sensação de querer conhecer mais de uma banda desconhecida que acabava de conhecer no Disk MTV. Para vocês, qual lugar hoje em dia pode proporcionar esta exposição almejada para uma banda indie e quais os obstáculos para chegar lá em uma era com muitas telas? Vocês têm se aventurado a experimentar algo longe da mídia tradicional como o TikTok? Se sim, como tem sido a experiência?

Ricardo De Carli: “Não acho que exista um único lugar que centralize como a televisão fez nos anos 90 e 2000, e isso tem seus lados positivos e negativos. O TikTok é muito efêmero, pode ser uma boa ferramenta, mas nosso trabalho não se pauta pelo desejo de uma vertiginosa ascensão de popularidade. Óbvio que tiraríamos fruto disso, mas eu odiaria ser a banda que estoura durante um mês e depois cai no esquecimento. É difícil também avaliar o papel da música nestas redes sociais – ela assume uma função que é bem diferente da escuta de um disco. Vira uma hashtag, um filtro, um clima.

Nossas músicas estão no TikTok, temos planos de produzir conteúdo para a plataforma, é parte do jogo a ser jogado quando se quer atingir mais público hoje em dia, mas a maior força de engajamento que sentimos foram fruto de nossos shows, de trocas presenciais, de olho no olho e ouvido no ouvido. Por isso também que investimos bastante nos clipes e lives, o YouTube se parece mais com um arquivo público, as coisas podem envelhecer com calma e melhor. É difícil, há uma consciência de que estamos mais pela maratona do que pela corrida de 100m rasos.

Acreditamos que é possível cativar o engajamento do público pelo que é uma “banda de rock”, por mais clichê que esse conceito possa parecer. Entendemos isso no sentido de trazer pro público uma experiência híbrida entre a nostalgia desse lugar de banda e a atenção presente às formas contemporâneas de existir enquanto artista. É interessante pensar no quanto conseguimos nos conectar com produções de tempos em que não estávamos nem vivos ou sequer conseguimos nos relacionar com os contextos nos quais essas obras foram produzidas.

Apostamos, também, nesse fenômeno de identificação porque, afinal, nada sai do vácuo. Acaba que, por mais modernas e inovadoras sejam as iniciativas valorizadas pelo mercado, muito vem da atenção a tudo que já rodou na história da música e da seleção do que pode funcionar hoje em dia.”

Pegando a deixa de descobrir uma banda nova, se vocês fossem descrever o som de vocês para alguém que acabou de chegar, como definiriam?

Ricardo de Carli: “A recreio é uma banda de pessoas que ouviram indie rock, shoegaze, emo, britpop, experimental, psicodélico, MPB mas miram na sonoridade pop. Ouvir o Tiranos Melancólicos é como acompanhar a migração do pássaro que ao sobrevoar as américas de norte a sul entra em contato com diferentes e contrastantes paisagens.

recreio Tiranos Melancólicos


This post was published on 11 de outubro de 2022 10:30 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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