Tive o privilégio de conhecer a Tuyo ainda em 2017, pouco tempo depois do lançamento do EP Pra Doer (2017). No ano seguinte, ainda no primeiro semestre de 2018, me vi na banca avaliadora do edital da Natura Musical com diversos projetos incríveis na minha frente…tendo a difícil missão de escolher quais receberiam o patrocínio.
Confesso, não é uma das missões mais fáceis, ainda mais que a comissão de curadores era por si só bastante diversa. Em seu plantel reuniu agentes, jornalistas e produtores culturais com diferentes backgrounds, bagagens e perspectivas sobre a música brasileira.
Chegar num consenso em cenários como esse: é sempre um desafio. Ainda mais quando em suas mãos está o futuro de uma luta de toda uma vida. Tendo em vista que produzir cultura no Brasil é por si só um ato de resistência.
A Tuyo até então só lançaria seu disco de estreia, Pra Curar (2018), meses depois deste encontro mas posso dizer que o trio foi uma das poucas (quase) unanimidades daquele pleito.
Muito disso, acredito eu, pela forma como eles encaram a música e seu trabalho. Que além do profissionalismo, preocupação com o acabamento sonoro e instrumentação, ainda consegue passar uma energia reverberante de sentimentos profundos.
Uma luz que não encontramos todos os dias. Uma energia que se conecta com a alma e que toca até mesmo quem ouve pela primeira vez de forma potente – e empática. Talvez seja toda essa leveza em tratar assuntos sérios que gere uma conexão quase que instantânea entre o grupo e o ouvinte.
Quando Pra Curar saiu foi como sentir que tínhamos feito a escolha certa de apostar em um trio com apenas um EP lançado até o momento mas com um mundo de possibilidades à sua frente.
Ver um projeto de uma vida se solidificar é por si só algo bonito de observar. Ainda mais quando vemos a jornada, e cada etapa, aos poucos ser contemplada com muita luta e verdade. A evolução como parte de um processo que se reflete logo após o play da parte 1 de Chegamos Sozinhos em Casa que está sendo lançado pela Natura Musical.
O segundo álbum da Tuyo é um retrato do exercício de introspecção ao mesmo tempo que abre um leque para muitas possibilidades que ainda não tinham explorado. Isso se somando com a densidade dos temas escolhidos por eles, que passa por assuntos como o pertencimento, o amadurecimento, a identidade, o não lugar que ocupam seja no mercado como na sociedade, as vivências e o que vem depois do caos (a pergunta de um milhão do momento).
Uma força da natureza que podemos acompanhar no dia a dia da banda, seja nas entrevistas como também nas lives e rotina compartilhada nas redes sociais. Essa troca com os fãs que muitas vezes na pandemia e durante a gravação do disco foi tão fundamental para o universo e ecossistema da Tuyo.
Isso que faz com que as conexões do trio cada vez mais sejam valorizadas até mesmo bem longe do frio de Curitiba. Recentemente chamando a atenção do New York Times durante a passagem pela versão online do SXSW 2021.
Lio Soares, Lay Soares e Machado passeiam por frequências ao longo das 9 faixas apresentadas até o momento, com muita leveza e com direito a produção de nomes como Janluska, Jvck, Bruno Giorgi e Lucas Silveira (Fresno).
O disco ainda conta com feats com Luccas Carlos (“Sonho da Lay”), Lucas Silveira (“Pronta pra Cair”) e Jonathan Ferr (“Toda Vez Que Eu Chego em Casa”).
“Morando juntos, a gente sempre compôs sozinhos. Agora, a gente compõe junto e moramos sozinhos”, revela Lio sobre o processo diferente do habitual
A densidade do trabalho já vinha sendo apresentado através dos singles – e os clipes que os acompanham. O mergulho profundo em sentimentos próprios e emoções coletivas, mostram como a identidade, as raízes e senso de comunidade global são fio condutores do campo criativo da Tuyo.
“A nossa vontade é a de chegar no fundo do poço da alma do outro. Achamos uma forma de fazer isso de um jeito mais seguro e saudável”, diz Lio
O amadurecimento, que eles chamam de “Adulticimento”, também serve como extensão de uma banda que quer crescer junto com seu público até mesmo na narrativa dos seus discos, algo interessante quando colocamos os lançamentos do trio em uma timeline.
“Vitória Vila Velha” e “O Jeito É Ir Embora” trazem para si esse “adultecimento”. Tudo isso através de relatos e histórias que poderiam ser suas. O violão eletrificado, as referências de R&B e texturas eletrônicas ainda se fazem presentes, mas agora com arranjos mais fluídos, assim como a sua dinâmica e apelo ainda mais pop.
Inclusive “O Jeito É Ir Embora” traz leveza até mesmo para falar sobre o peso nos ombros, que podemos levar para nossas vidas das mais distintas formas. Das passagens aos desprendimentos dos inícios e fins de ciclos. A faixa faz um flerte com o synthpop oitentista mas sem perder o swing – e a doçura – para falar sobre o desafogo da alma.
É interessante ver a proposta pop e colaborativa de “Sonho Da Lay” que conta com a parceria com Luccas Carlos. Com um batida envolvente que traduz a intensidade do plano dos sonhos, a energia pulsante faz com que criemos cenários em nossa mente para acompanhar a saga de Lay. A imersão faz com que você revisite memórias do subconsciente e também fantasmas reais.
“Pronta Pra Cair” conta com a participação de Lucas Silveira (Fresno) e diminui as frequências para falar sobre como o mundo pode ser hostil. A necessidade de entender seu papel no mundo e as lutas que escolhe para lutar. Administrar o caos muitas vezes é uma forma (silenciosa) de resistência em meio a sentimentos que muitas vezes são maiores que nós mesmos.
Com a mesma verve caótica “Sem Mentir” mostra como a vida pode deixas várias cicatrizes durante a jornada e que muitas vezes temos que nos levantar para enfrentar um dia após o outro. Até mesmo quando não parecemos ter mais forças para levantar. O ato de abrir a porta para se emancipar. Sobreviver por si só sendo parte de um processo doloroso, repleto de conflitos e que muitas vezes suga a alma.
Segundo a Tuyo a canção traz consigo reflexões pós-tempestade.
“O que você diria agora” é a mais experimental dentro do seu instrumental e conta com uma estrutura entre melodia e harmonia bastante interessante. Uma canção para sentir as frequências e se deixar levar tal qual uma faixa do Death Cab for Cutie.
A religião permeia “Tem Tanto Deus” que reflete sobre um criador e propõe que o temido fim dos tempos não seja necessariamente triste e cheio de dor, podendo ser um alívio e um momento de paz.
Em tempos de intolerância religiosa e preconceito, falar sobre espiritualidade de uma forma tão leve soa como um sopro em meio a um cenário de escuridão, desunião e cegueira coletiva.
“Pra Curar” que brinca com o nome do debut dos paranaenses ganha um feat. com o paraense Jaloo e resulta em um encontro entre forças da natureza. O sentimento de levantar a cabeça após a tormenta, ganha novas frequências perfeitas para a pista com direito vocais rasgados e sentimentos à flor da pele. O processo de se permitir para assim superar as adversidades.
Quem fecha é o encontro entre a Tuyo e o jazzista Jonathan Ferr para falar sobre o aconchego de se sentir em casa e não de apenas estar ali fisicamente. O sentimento de se sentir abraçado após matar o leão de cada dia.
Do acolhimento ao repor das energias para enfrentar o sol que nasce a cada dia. Isso se traduz na densidade e nos arranjos e reverbs que aparecem ao longo dos seus pouco mais de 7 minutos. Feita para sentir, feita para se desconectar, conectar consigo mesmo (a) para que assim seja possível voltar a sorrir.
“Tem muito a ver com o momento em que abrimos a porta pra sair. A gente vive uma aventura, nunca dá pra saber o que espera do lado de fora e quando chegamos parecemos soldados voltando da guerra”, reflete Lay.
Agora o que nos resta é aguardar o volume 2 que será lançado ainda neste semestre. Quem sabe da próxima vez conversamos com eles para saber mais nuances deste emaranhado de emoções.
This post was published on 28 de maio de 2021 12:09 am
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