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Brinsan N’Tchalá estreia com álbum Respeito de reverência à sua ancestralidade africana

Cantora e compositora curitibana, Brinsan N’Tchalá canta seu álbum de estréia em português, criolo e balanta.

Para realizar a obra a compositora convidou produtores da Nigéria e de Angola, carregando o projeto de orgulho e dignidade de suas raízes africanas.

Brinsan é filha de Francisco N’Tchalá (in memorian), revolucionário da Guiné Bissau que fez parte dos quadros responsáveis pela independência do país, em 1974. Ao imigrar para o Brasil, foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificador em Curitiba (MNU). Com ele, a artista aprendeu a não se curvar para a branquitude e a todos os sistemas opressores de silenciamento. E é essa força e orgulho em ser negra que ela apresenta em seu primeiro álbum.

A cantora e compositora curitibana Brinsan N’Tchalá lança seu álbum de estreia intitulado álbum Respeito.

Com oito canções o trabalho de Brinsan celebra e evoca à sua ancestralidade africana, onde além de cantar em português, também canta em criolo e balanta, idiomas da Guiné Bissau, numa mistura de Afrobeats, Kuduro Angolano e Afrohouse. Para isso, convidou Moses Tertsea Ade, da Nigéria, e Júnior no Beat, da Angola, para produzir os beats de algumas faixas. Os brasileiros André Canali e Leonardo Ekord contribuíram também na produção disco.

Ela apresenta também o clipe de “Respeito”, segunda música do álbum, onde faz referência à riqueza, à beleza, às coisas boas e leves da vida das mulheres negras.

“O álbum navega pelos universos de uma jovem mulher negra com descendência africana: empoderamento feminino e negro; justiça social, homenagem aos ancestrais e é claro, amor e charme através dos ritmos envolventes da Kizomba Angolana”, apresenta Brinsan.

Confira o clipe de “Respeito”, faixa de trabalho e que também dá nome ao álbum da cantora Brinsan N’Tchalá.



Entrevista: Brinsan N’Tchalá

Conseguimos fazer uma entrevista com a cantora e compositora sobre o processo de gravação do disco, suas impressões sobre o momento atual como artista independente e sua composição.

O que mais te incomoda na categorização de gêneros musicais da atualidade? Como você vê seu trabalho na “prateleira” musical?

Brinsan N’Tchalá: “Eu vejo que as diferenças existem e são naturais devido à ampla gama dos gêneros musicais. No entanto o que não é natural é a sub-valorização e a discriminação que alguns ritmos sofrem, na maioria das vezes ritmos de origem afro e negra como o funk, o hip hop, o afrobeat. O meu trabalho é muito amplo, eu mesma não consigo me definir exclusivamente como pertencente ao gênero x ou y.

Meu primeiro lançamento foi um rap, agora estou lançando afrobeats, que não deixam de ser expressões musicais criados por pessoas negras, apenas com uma diferença no beat. O que quero dizer é que existem múltiplas formas de eu expressar meus sentimentos através da arte e que essas formas podem mudar de acordo com o que eu sentir que mais se encaixa no momento.”

Conta pra nós um pouco sobre a sua trajetória como artista independente, o caminho pra achar parcerias e colaboradores.

Brinsan N’Tchalá: “Sendo mulher negra tudo fica mais difícil quando se trata de apoio, parcerias e colaborações. Sou empresária e percebo que mesmo pagando pelos serviços e realizando contratações sou subjugada e as pessoas não se esforçam da mesma forma que se esforçam quando trabalham com pessoas não negras. Tive que enfrentar muitos desafios relacionados ao racismo e machismo na minha trajetória, e que quase me levaram a desistir; porém sempre encontrei força no meu propósito maior e me vejo sendo espelho para muitas pessoas negras que acreditavam não ser possível chegar onde eu cheguei.

Neste meu projeto “Respeito” recebi o incentivo da Fundação Cultural de Curitiba e o apoio de algumas empresas. Felizmente pude concluir a gravação do meu primeiro álbum e um clipe tão rico e importante, sobretudo para a memória racial brasileira- poder trazer artistas africanas e africanos para participarem e sendo remunerados é muito marcante, tendo em vista toda a exploração artística que se faz com artistas negros de forma não remunerada e utilizando nossos símbolos e signos sem se preocupar em nos pagar por isso. Fiquei muito feliz ao ganhar este edital pois vi nele uma oportunidade não só de pagar e valorizar artistas negros como também de fomentar a criação de espaços negros; e com alegria posso dizer que a equipe envolvida neste projeto foi majoritariamente negra.

Como tem sido o distanciamento social pra você diante da pandemia depois de um ano?  Como tem planejado os lançamentos dos trabalhos sem realizar shows ao vivo?

Brinsan N’Tchalá: “Eu sou uma pessoa muito enérgica, aventureira e amo o calor humano! Não tem sido fácil para mim lidar com o distanciamento social, mas reconheço o quanto isso salva vidas, então não realizei shows ao vivo desde que a pandemia iniciou. Especialmente para a minha carreira isso foi difícil no início, pois como alguns sabem, eu cursava direito até o início de 2019- estava iniciando o quinto ano da faculdade quando decidi totalmente largar o curso e buscar a minha paixão- a música. No final de 2018 eu já havia lançado o meu primeiro clipe e single Pantera Negra. 2019 foi o divisor de águas da minha carreira, e momento em que decidi levar a arte como profissão.

Realizei dezenas de shows, fui convidada para vários eventos, fiz uma série de aberturas de solenidades, como no Tribunal de Justiça- PAVIR; e de repente, no início de 2020 tudo para. A pandemia veio e o contato com o público se tornou impossível. Lembro que estava realizando uma série de shows abertos, literalmente em 5 praças de Curitiba, (de 4 a 8 de março de 2020) e de uma hora pra outra já não podia sequer sair de casa.

O processo de reinvenção teve que ser criativo. Fiz lives, shows onlines e projetos respeitando esse novo formato de vida. E tem sido assim, um desafio de reiventar-se mas também uma oportunidade de explorar novas capacidades e formas de construir o meu espaço numa área tão competitiva e ainda dominada pela branquitude e pelo patriarcado como a música.”

Poderia dividir conosco um pouco sobre seu processo de composição?

Brinsan N’Tchalá: “O meu processo criativo é muito fluido. Eu componho muito, quase que o tempo todo. Eu brinco que é como se tivesse sempre uma música tocando na minha mente! (risos). Eu componho desde os 6 anos; sambas, melodias, rap’s, românticas, músicas de terreiro e etc. Nunca paro pra pensar no que vou escrever ou sobre o que será a música, elas simplesmente vem, e eu preciso estar preparada, uso um gravador ou um papel para anotar e não perder aquela letra ou melodia.

Hoje devo ter cerca de 200 composições musicais. De poesias acredito que já são centenas, porque os poemas há tempos que não conto, mas em breve terei o lançamento do meu livro de poesias também que foi selecionado pela SEEC (Secretaria Estadual de Cultura).

Sinto que os temas das músicas vêm muito como parte de quem eu sou. Por exemplo, quando escrevi a letra “Pantera Negra”, lembro que tinha 15 anos e havia tido uma semana pesada na escola, havia um professor racista que fazia recorrentes comentários na sala de aula; e que já estava recebendo um processo administrativo feito pelo meu pai por causa do racismo, e ainda assim ele criava formas “sutis” de me discriminar na sala de aula; então um dia cheguei em casa e sentei na minha escrivaninha; senti que tinha algo pra ser escrito- não sabia o que nem como; só peguei a caneta e o papel e a letra simplesmente veio. Eu precisei alterar alguns parágrafos e tirar trechos pois senão a música teria uns 8 minutos de duração. No mais ela veio pronta. E os processos geralmente são assim; eu estou distraída e as inspirações vem; ou sinto que preciso escrever e as coisas saem de mim.

Como você vê o diálogo das plataformas digitais diante das necessidades atuais dos musicos, já que com o covid-19 impedindo os trabalhadores da música de trabalhar?

Brinsan N’Tchalá: “Eu vejo que poderia ser melhor. Principalmente pelo momento em que estamos vivendo, poderia haver uma rede de apoio, inciativas que beneficiassem os trabalhadores da música e que buscassem dar maior voz e inclusão aos trabalhadores que são alvos de maiores violências e dificuldades estruturalmente impostas como negros, mulheres, LGBT’s e pessoas com deficiência.

Todo mundo já sabe o quanto os acessos e oportunidades são diferentes e é responsabilidade de todos fazer algo para modificar essa realidade, e é possível, basta ter vontade e compromisso sério com o fim das opressões.”

Quais são os/as artistas que você escuta? Quais são suas influências?

Brinsan N’Tchalá: “Yemi Alade, Tiwa Savage, Beyoncé, WizKid, Oumou Sangaré, Domingos Broksa, Ary, Titika.”

FICHA TÉCNICA: Brinsan N’Tchalá Álbum Respeito

1. Guardiões da Kalunga
Composição Letra: Brinsan N’Tchalá
Produção Musical: Brinsan N’Tchalá e André Canali
Instrumentos: Atabaque; maraca e bumbo
Músico Instrumentista: André Canali

2. Respeito
Composição: Brinsan N’Tchalá
Beatmaker: Júnior no Beat (Angola)

3. Dembô
Composição: Brinsan N’Tchalá
Beatmaker: Leonardo Ekord

4. Nha Papé
Composição: Brinsan N’Tchalá
Produção Beat: Moses Tertsea Ade (Nigéria)

5. Eu Vou Chegar Lá
Composição: Brinsan N’Tchalá
Produção Beat: Moses Tertsea Ade (Nigéria)

6. Leve e Solta
Composição: Brinsan N’Tchalá
Produção Beat: Moses Tertsea Ade (Nigéria)

7. Quando Cê Chega Assim
Composição: Brinsan N’Tchalá
Beatmaker: Júnior no Beat (Angola)

8. Louvação
Composição: Ritmo Tradicional Africano
Instrumentos: Atabaque e Agogô
Músico: André Canali

Sobre Brinsan N’Tchalá

Da Língua Balanta, “Brinsan” significa “Verdade Guardada” e N’Tchalá”, “Valentes, Corajosos”. Com esse nome potente, Brinsan foi batizada ao nascer, filha de africano de Guiné Bissau e mãe brasileira. A jovem artista tem uma trajetória de luta pela igualdade racial desde muito pequena. Seja nas palestras, nos protestos ou nos shows, visa sempre pelo respeito às suas raízes e ancestralidade africana.

Em Álbum Respeito, Brinsan traz toda a força e beleza de sua origem Guiné Bissau, o respeito e orgulho das suas raízes e o amor à seu grande mestre, seu pai, o revolucionário africano Francisco N’Tchalá. Com batidas genuinamente africanas, numa mistura de Afrobeats, Kuduro Angolano e Afrohouse, o álbum de lançamento da artista traz mensagens contundentes de combate ao racismo e machismo, além de ser puro agito e diversão.

Brinsan N’Tchalá premiada

Brinsan, que recebeu o Prêmio de Reconhecimento de Trajetória de Cultura Afro em 2020/ PR, segue em 2021 movimentando sua carreira não só com o lançamento de Álbum Respeito, como também do clipe de “Respeito”, que tem participação de dançarinas africanas e cenários incríveis, ou melhor, cenários que são os lugares de direito que as pessoas negras tem de ocupar. Sentada num trono dourado, exalando beleza, luxo e poder, afinal, mulheres negras podem.


This post was published on 30 de abril de 2021 12:08 am

Cris Rangel

Poeta, arte educadora e multiartista. Produtora cultural há 21 anos, indignada e sincericida por natureza. Gosta de abraços demorados e é aficcionada por música e toda arte que subverte ao óbvio. Ama brincar, rir de si mesma, inventar coisas e fazer planos mirabolantes para os amigos que admira. Tem mania de dividir conhecimento sobre o setor fonográfico e novidades. Diretora Criativa da Lyra das Artes. A&R do selo Lyra Noise. TDAH polivalente. A verdadeira Lôca do Play.

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