Fúria, caos e luxúria se encontram na “anarquia organizada” de uma das gratas surpresas da efervescente cena independente brasileira. A banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo lançou na última sexta-feira (9) seu álbum de estreia através do selo RISCO (Luiza Lian, O Terno, Ana Frango Elétrico, Maria Beraldo) teve a produção de Ana Frango Elétrico e foi gravado em 2019 no Estúdio Canoa por Gui Jesus Toledo.
Em sua formação o grupo paulistano conta com Sophia Chablau (voz/guitarra), Téo Serson (baixo), Theo Ceccato (bateria) e Vicente Tassara (guitarra/teclados). O debut reúne ainda as participações de Lucinha Turnbull, conhecida por ser a primeira mulher guitarrista do Brasil, Fabio Tagliaferri (viola-de-arco), João Barisbe (sax) e Arthur Merlino (contrabaixo).
O turbilhão de criatividade, referências, cruzamentos de universos entre a poesia, o cinema, a música, as artes plásticas e o cotidiano, alimenta o caldeirão de uma forma onde até mesmo o caos parece organizado. A empolgação, e o fino trato com a produção artística, faz com que o disco ganhe novas narrativas; e delicie o ouvinte com diferentes melodias e pontos de vista. Entre delírios, luxúria, caos e fúria.
No instrumental a verve jovem do rock triste vai de encontro a distorção do Sonic Youth e a magia dos Mutantes e Velvet Underground que somada a MPB radiofônica, e outras formas de expressão, acaba criando todo um universo para o ouvinte quase tátil – onde é possível ouvir, sentir e até mesmo se permitir viajar. Entre o absurdismo, as homenagens, o espírito rebelde, a catarse, a ironia e a delicadeza, o material traz os muitos lados da nossa personalidade à tona.
Magia essa que faz com que tenhamos a impressão como se o registro estivesse dividido em atos teatrais, em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos, a banda revela que a intenção era o disco ter Lado A e Lado B para mostrar tanto o lado pop como o dissonante. Uma “anarquia organizada” que consegue abranger diferentes ouvintes.
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo: “Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo é uma colisão. Uma colisão entre quatro pessoas piradas numa multidão de sons e fritações diferentes, uma colisão que chacoalha nós quatro e que manda estilhaços para todos os lados.
É isso que tá lá, palpável, no nosso som, essas tendências diferentes e contraditórias que se encontram e que nós tentamos articular no interior das músicas. Colisão entre a canção brasileira, tagarela, mas cheia de sutilezas, e o barulho maluco, explosivo do rock triste anglo-saxão. Colisão entre a vontade de falar e se expor pra caralho e a vontade de ser escorregadio e se esconder atrás das palavras e dos ruídos. Mas é uma colisão que se arrasta, não deixando ninguém incólume no caminho, a ponto de o produto final ser muito mais que a soma das partes.
Acho que isso fica bem na cara no nome da banda. É o testemunho do que era pra ser um encontro: um encontro entre a Sophia, a compositora com uma nova leva de canções fresquíssimas, ao mesmo tempo sinceras e maliciosas no violão, e a Enorme Perda de Tempo, que até então era uma banda de rock triste com ambições filosofantes – o nome foi tirado de uma aula de filosofia sobre a escola de Frankfurt. Mas esse encontro acabou por se mostrar fecundo numa direção imprevista, a ponto de essa divisão estanque entre Sophia Chablau de um lado e Enorme Perda de Tempo se esvaziar e perder todo sentido.
As bandas que a gente ama são muito mais que um agregado de indivíduos, são o encontro violento entre diferenças irreconciliáveis, que explodem em alguma coisa que não é inteiramente compreensível, mas da qual é difícil desviar o olhar. E é isso que nós tentamos fazer juntos, e é isso que nós esperamos que nosso disco deixe transparecer.”
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo: “Quando deu a pandemia, ficamos todos sem chão. Somos uma banda muito do ao vivo, gostamos muito de fazer show – foi assim inclusive que juntamos o dinheiro pro disco. Mas era necessário esperar, porque a gente queria lançar da melhor forma possível – mesmo com a pior situação possível. Queremos que esse disco dê vitalidade às pessoas que, como nós, estão sensíveis a esse momento tão horroroso da nossa história.
E para isso tivemos que pensar muito em como lançar de um jeito que nos fizesse próximos a todas as pessoas que queiram escutar nosso som, no fim, durante todo esse tempo, planejamos o lançamento sem parar. Mas é um alívio lançar o disco.
A Lucinha Turnbull é aquele tipo de pessoal indescritível, né? Muito figura, muito amorosa, muito engraçada e acima de tudo: uma rainha da guitarra. Foi um prazer ter ela junto conosco no estúdio, momentos muito divertidos! Assim como também foi muito legal ter junto conosco o João Barisbe (sax), o Fabio Tagliaferri (viola-de-arco) e o Arthur Merlino (contrabaixo acústico), que somaram muito nas músicas e marcaram com bons momentos nossa estada no estúdio canoa.
Temos muito respeito e admiração por todas as participações, que contribuíram muito mesmo. O Vicente mandou pro Barisbe um proto-arranjo de sax, que o Barisbe abriu em várias vozes, já a Lucinha gravou alguns takes de guitarra improvisando como ela quisesse. Já o Arthur e o Fábio tinham duas frases escritas, mas também improvisaram lindamente no final.
A direção era bem tranquila no estúdio, realmente tudo ficava entendido por todo mundo rapidamente e como estávamos na companhia de excelentes musicistas, da Ana Frango Elétrico na produção e do Gui Jesus Toledo no som, tudo deu muito certo.”
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo: “A nossa intenção foi tentar organizar as músicas em um esquema lado A-lado B, em que os dois lados contrastassem entre si. Essa é uma ideia que, na real, precede a própria gravação do disco, e que vem muito da pré-produção da Ana. Ela, desde a primeira vez que a gente se sentou pra pensar o álbum, 3 meses antes da gravina, sempre nos instigou a conceber o disco como um todo, muito mais do que como um conjunto de canções. E foi nessa primeira reunião que surgiu a ideia de dividir o disco em dois lados com duas vibes distintas.
O lado A deixa transparecer muito nossas inspirações mais roqueiras. Desde “Pop Cabecinha”, o tapa na cara que abre o disco, passando pelas duas baladas que se seguem, “Se Você e Fora do Meu Quarto”, atravessando a vinheta, até chegar a vibe dissolução-catarse total de “Deus Lindo”, seguimos um movimento só que passa por vários momentos diferentes. Com isso, acabamos tirando inspirações de vários lugares: Sigur Rós e Velvet Underground nas baladas, Sonic Youth nos barulhos mais rockentos, mas também Negro Leo e Mutantes em outros lugares.
O movimento do lado B começa recolhendo os cacos que “Deus Lindo” espalhou pelo chão. Priorizamos muito o choque que existe nessa passagem, entre “Deus Lindo” e “Hello”, da dissolução e o silêncio chocante do fim da primeira ao balanço bossanovístico da segunda, metade homenagem, metade tiração de sarro, que abre um caminho totalmente outro.
Esse é um caminho mais dançante, mais eufórico, que culmina no ritmo eletro-pulsante do single “Delícia/Luxúria”, passando pelo suingue mais pé-no-chão de “Debaixo do Pano” e sua linha de baixo grudenta, e pelos grooves esquisitos de “Moças e Aeromoças”. Com isso, entram em jogo todo um campo de outras referências, Everything But The Girl e Nouvelle Vague e suas bossas tortas, groovadores como Charlie e os Marretas e a própria Ana Frango Elétrico, junto com The Police e Roxy Music, mas mesmo Jonas Sá e Pixies em alguns lugares.
Todas, no fundo, são referências que nos apareciam mais como jeitos de nos nortear em relação ao arranjo e ao timbre durante a gravação do que imitações ou homenagens explícitas, o que resulta nessa mistureba que é o nosso som. Cada música, cada canção exigia uma mistura diferente, um approach diferente.”
Sophia: “Acho que é inegável que nas composições eu transpareço muito do que eu estava sentindo no momento, as músicas saiam quase como uma confissão ao meu violão. Mas além dessa parte mais pessoal, marcada principalmente no lado A do disco, no lado B acho que tem muito mais minha inspiração com linguagem, que é um tema que eu gosto bastante.
Num sentido mais de referências, eu acho que misturo bastante de um lado minha criação baseada em rádio (graças a minha mãe que me apresentou Guilherme Arantes, Nelson Ned, Marina Lima, Adriana Calcanhotto, Caetano (Veloso) e tudo que tocava na Nova Brasil, Alfa FM e Eldorado FM) e de outro lado coisas que fui descobrindo da música atual, principalmente a Ana Frango Elétrico e o Negro Leo, que me fizeram entender canção de uma forma muito diferente da qual eu conhecia.
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo: “Bom, o nosso single “Idas e Vindas do Amor” entrou na trilha porque o Antonio Pinto foi sempre muito presente nos shows desde o começo, ele realmente ia nuns inferninhos mesmo ver a gente tocando e sempre elogiou muito. Diz o Antonio que ele queria uma música sensível e que fosse meio catártica pro fim do filme, a gente tinha lançado a pouco tempo e ele achou adequado pra pôr, nos pediu autorização e ficamos lisonjeados demais.
Sobre o jogo e o conceito do disco, acho que uma coisa que a gente sempre tem a preocupação é dar uma chacoalhada na galera do jeito que dá pra dar essa chacoalhada (risos). Tanto porque somos quatro pessoas muito vivas e buscamos isso na vida, quanto porque a gente quer sentir os outros mais próximos, construir narrativas juntos, trocar ideia. Esse é o espírito da banda. Fazer as pessoas se moverem, pensar numa saída divertida e colocar todo mundo dentro dessa história sempre vai ser o nosso objetivo.
Seja no jeito que as artes desenvolvidas pela Maria Cau Levy foram feitas, remetendo ao faça você mesmo e a cena punk, seja o jogo pra todo mundo estar nesse momento conosco, seja no filtro que o Pedro Cho desenvolveu e que todo mundo pode estar na capa do nosso disco. A gente quer trocar e chacoalhar. E ser chacoalhado.”
This post was published on 13 de abril de 2021 12:46 pm
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